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ENVOLVENDO OS DOIS PAÍSES

2.6 A metodologia comparativa

Para compararmos as semelhanças e as diferenças entre Brasil e Argentina na realização de coproduções cinematográficas internacionais, o uso do método comparativo será essencial nesta análise. Para isso, adotaremos a perspectiva histórico-crítica do Método Comparativo para problematizar o ambiente normativo da política pública brasileira e da política pública argentina de apoio às coproduções; bem como para comparar como as políticas públicas destes dois países têm contribuído para o desenvolvimento da atividade cinematográfica, nos seus respectivos territórios, através das coproduções internacionais.

Quais as condições legais e estruturais que favorecem ou dificultam as coproduções brasileiras e as coproduções argentinas? Visto que as condições legais envolvem as legislações e regulamentações, enquanto as estruturais abrangem as questões de línguas, tradições e formatos das indústrias. Em que pontos, sejam com acertos ou com experiências equivocadas, mecanismos da política pública de cinema da Argentina podem contribuir com a política pública do Brasil, e vice-versa?

Para atingir os objetivos e averiguar as hipóteses apresentadas anteriormente, utilizaremos os métodos de levantamento bibliográfico, de análise documental, de análise de exemplos e de entrevistas em profundidade com cineastas, pesquisadores e gestores das políticas audiovisuais, nos territórios brasileiro, argentino, português e espanhol.

Não é do interesse deste trabalho fazer apenas uma simples descrição e justaposição de dados, mas sim empregar a metodologia comparada dentro de um contexto histórico- cultural. Segundo Geraldes e Sousa (2011, p. 08), “a perspectiva histórica é uma das condições necessárias de passagem entre o plano meramente descritivo para o interpretativo”. E diante da segurança que o método comparativo pode oferecer ao pesquisador é necessário tomar alguns cuidados. Em artigo no qual propõe repensar a História Comparada na América Latina, Prado (2005) relata a resistência de historiadores nacionalistas e a pequena produção de pesquisa na perspectiva da história comparada, dentro e fora do Brasil, e defende:

Comparar o Brasil com os demais países da América Latina sempre me pareceu um desafio estimulante. Na medida em que a história de cada país latino-americano corre paralelamente às demais, atravessando situações sincrônicas bastante semelhantes – a colonização ibérica, a independência política, a formação dos Estados Nacionais, a preeminência inglesa e depois a norte-americana, para ficar nas temáticas tradicionais – não há, do meu ponto de vista, como escapar às comparações. Em vez de manter os olhos fixos na Europa, é mais eficaz, para o historiador, olhar o Brasil ao lado dos países de colonização espanhola. (PRADO, 2005, p. 12)

No que diz respeito à nossa pesquisa, o esforço comparativo tem resultado em aprendizado, confirmando assim a observação de Prado. Por exemplo, assim como o Brasil tem em Portugal seu principal país parceiro em coproduções, a Argentina tem a Espanha como a sua parceira historicamente mais ativa. Por outro lado, países tão próximos como Brasil e Argentina, poderiam intercambiar mais em termos de cinema. Pode-se observar que as pessoas e as mercadorias dos dois países cruzam a fronteira com mais frequência e com mais facilidade do que os bens culturais como, por exemplo, os filmes - até mesmo os feitos em coprodução entre Brasil e Argentina.

Said (1990) aponta problemas metodológicos do campo, alertando para “os enganos produzidos pelos procedimentos comparativos, levando, por exemplo, os pesquisadores a assumir uma visão colada no eurocentrismo” (PRADO, 2005, p. 14). Uma das críticas de Said (1990, p. 15) é que “a cultura europeia ganhou em força e identidade comparando-se com o Oriente como uma espécie de identidade substituta e até mesmo subterrânea, clandestina”. No caso do cinema latino-americano, mais do que eurocentrismo, notam-se os mercados audiovisuais ocupados pelos filmes norte-americanos.

Outra consideração imprescindível diz respeito à cautela que o método comparativo requer para que o resultado da pesquisa não sirva como material de reprodução e legitimação das relações de dependência, como também apontam Geraldes e Sousa:

Além disso, outro risco possível é reproduzir e legitimar as relações de dependência. A comparação de países e regiões, por exemplo, demanda mais cautela. Nesse sentido, é fundamental a percepção que a comparação não pode levar em consideração somente o momento presente. Ela, certamente, parte dele, mas se alimenta e se desvenda na perspectiva histórica. (GERALDES; SOUSA, 2011, p. 08)

Sartori (1999), italiano que deu grandes contribuições para o método comparativo na Ciência Política, defende que “ ‘Por que’, ‘que aspectos’ e ‘como’ comparar?” são as três perguntas-chave para guiar o trabalho do pesquisador comparatista.

Se entiende que comparamos por muchísimas razones. Para situar, para aprender de las experiencias de los otros, para tener términos de parangón (quien no conoce otros países no conoce tampoco el propio), para explicar mejor, y por otros motivos. Pero la razón que nos obliga a comparar seriamente es el control. (SARTORI, 1999, p.31- 32)

Para Sartori (1999) como também para Morlino (1999) o método comparativo é um método de controle, no entanto, autores de diferentes abordagens da comparação discutem, com algumas divergências, quais seriam mesmo os objetivos do uso do método comparativo.

Na visão de Przeworski e Teune (1970)107 apud González (2007), por exemplo, compara-se para explicar.

Para além deste ponto, Panebianco defende que a pergunta sobre o “por que comparar” implica uma questão anterior: “Que é uma explicação aceitável em Ciências Sociais?” (PANEBIANCO, 1999, p. 92, tradução nossa). De acordo com a sua tese, “a experiência das Ciências Sociais mostra que é impossível chegar a um acordo geral sobre como responder este problema crucial” (PANEBIANCO, 1999, p. 92, tradução nossa).

Sobre o “como comparar”, Sartori (1999, p. 40) direciona a outra pergunta para clarear a elaboração do método da pesquisa do comparativista: qual será a estratégia comparativa a adotar?

A veces el comparatista subrayará las similitudes, a veces las diferencias. Prestará atención a las diferencias em los contextos que son similares, o... buscará analogias em sistemas diferentes (Dogan y Pelassy, 1984, 127). Paralelamente se dan dos enfoques: elegir sistemas más semejantes, o bien elegir sistemas más diferentes [...]. (SARTORI, 1999, p. 40, grifo do autor)

Para Franco (2000, p. 207): “A comparabilidade emerge da capacidade humana de conhecer fazendo analogias, singularizando os objetos, identificando suas diferenças e deixando emergir as semelhanças contextualizadas, suas particularidades históricas.” Pontuando essas considerações, o nosso trabalho se guiará nessa busca pelas diferenças, semelhanças, presenças e ausências.

Sendo assim, quais serão os critérios de comparação adotados nesta pesquisa? Trazendo a interpretação de Panebianco (1999, p. 97): “se compara para alcançar explicações causais, no sentido de identificar mecanismos causais”, pontuamos que o nosso caminho não será pela busca por explicar quais mecanismos causam resultados relevantes ou irrelevantes para a produção cinematográfica nos dois países. Mas sim, um caminho pela busca de uma iluminação recíproca, uma busca por contextualizações econômicas, políticas, culturais e históricas.

Primeiramente, a estratégia será explicar fatos e acontecimentos na história da coprodução cinematográfica internacional no Brasil e na Argentina, aliados a outros fatos históricos, culturais, econômicos e políticos. Analisaremos como os mecanismos de apoio à coprodução de cada um dos dois países influenciaram a atividade cinematográfica, especificamente, por meio da verificação dos resultados de uma amostra contendo os filmes

107 PRZEWORSKI, Adam; TEUNE, Henry. Logic of comparative social inquiry. Minnesota: John Wiley &

feitos em coprodução (ver tabelas 5, 6 e 7), tanto em coproduções brasileiras quanto coproduções argentinas, no período de 2005 a 2012.

González (2007) conclui a sua análise sobre o Método Comparativo e a Ciência Política chamando atenção para a importância da conexão entre método e quadro teórico: “Boas teorias sem dados e sem um método adequado se fragilizam, porém a abundância de dados, variáveis e resultados de pacotes estatísticos é inútil sem um corpo teórico que lhe dê sentido. Essa integração continua sendo um desafio da construção do conhecimento” (GONZÁLEZ, 2007, p.11).

Com essas ponderações, iremos recorrer a alguns trabalhos comparativos como auxílio ao nosso entendimento sobre o contexto histórico que envolve os dois países, por exemplo: Brasil e Argentina – Um ensaio de história comparada (1850-2002), de Boris e Devoto (2004), no qual os autores observam que as relações entre o Brasil e a Argentina têm se modificado substancialmente nos últimos tempos, anteriormente marcadas pela rivalidade e desconfiança. Outro referencial interessante é Fazer a América - A imigração em massa para a América Latina, livro organizado por Boris Fausto (1999), que traz resultados de pesquisas de vários historiadores e sociólogos sobre a imigração em massa para a Latinoamérica, especialmente os que tratam dos casos do Brasil e da Argentina. Trazendo enfoques diversos, nos interessa o aspecto das construções de novas identidades, bem como os implícitos aspectos do multiculturalismo e da interculturalidade.

Esta pesquisa não tem uma ambição nomotética, no sentido de que não irá propor uma lei geral. Isso tanto por conta da complexidade dos fatores, da riqueza interdisciplinar que o objeto requer, como pela dificuldade de obter dados empíricos reais e, não apenas, aproximações. Por exemplo, não é porque pretendemos conceituar melhor o termo coprodução cinematográfica internacional no contexto latino-americano que vamos resolver o problema prático da produção, distribuição e exibição de cinema no continente.

Nossa intenção é adotar uma postura apropriada ao contexto político, cultural, histórico e econômico do cinema nos dois países, isso dentro da perspectiva dos Estudos Culturais, que faz justamente uma crítica ao positivismo. Assim, reafirmamos a nossa ambição: fazer um estudo comparado com o objetivo de problematizar a prática das coproduções no Brasil e na Argentina, no contexto da indústria cinematográfica “mundial”, questionando também as políticas públicas de incentivo e fomento às coproduções cinematográficas nos dois países.

Fazendo essas pontuações, apresentamos a seguir o roteiro de trabalho adotado para a realização das entrevistas; a apresentação dos bancos de dados e fontes empíricas de pesquisa;

bem como um breve comentário sobre as limitações que enfrentamos e com as quais esse trabalho final confronta-se