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As relações mútuas de coprodução entre ex-colonizados e seus ex-colonizadores

CAPÍTULO 3 O CONTEXTO DAS RELAÇÕES MÚTUAS DE INCENTIVO À COPRODUÇÃO CINEMATOGRÁFICA ENTRE BRASIL E ARGENTINA

3.2 As relações mútuas de coprodução entre ex-colonizados e seus ex-colonizadores

3.2.1. A relação cinematográfica entre Brasil e Portugal

Em 2015, completaram-se 120 anos de história do cinema mundial e 93 anos de relações cinematográficas luso-brasileiras. Desde 1922, cineastas dos dois países únem-se para realizar filmes conjuntamente. Gerando um interesse cada vez maior ao longo dos anos, o tema das coproduções cinematográficas internacionais ganhou maior importância no campo das políticas públicas audiovisuais brasileiras no início do século XXI, principalmente a partir de 2008. Nesse ínterim, Portugal tem sido o principal parceiro do Brasil em coproduções de longas-metragens. Segundo a Agência Nacional do Cinema (ANCINE, 2015), de 2009 até 2015, registrou-se o lançamento de 14 filmes compartilhados entre os dois países, representando 17% das coproduções brasileiras lançadas em salas de exibição no Brasil nesse período.

Fazendo um passeio pela história da relação cinematográfica entre Brasil e Portugal, observamos que a primeira obra cinematográfica realizada entre os dois países foi um curta- metragem documentário, que representa a primeira coprodução no Brasil, segundo dados da

Cinemateca Brasileira (2016): O Raid Aéreo Lisboa - Rio de Janeiro, em 1922, feito pelos aviadores portugueses Sacadura Cabral e Gago Coutinho, realizado por Henrique Alegria, brasileiro que foi um dos pioneiros do cinema mudo português (RAMOS, 2000).

Entre a Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), Portugal tem sido o único país lusófono com o qual o Brasil mantém uma relação consolidada no âmbito da política de fomento direto. Longe de formar um bloco com vasta troca de experiências e movimentação contínua entre os atores da cadeia cinematográfica, a trajetória de cooperação construída até então, entre os países da CPLP, no período analisado, ainda não conseguiu atingir os mercados endógenos: Ilha da Madeira, Arquipélago dos Açores, Moçambique, Angola, Guiné-Bissau, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, e Timor Leste. Da mesma forma, as coproduções entre Brasil e Portugal não tem conseguido chegar mutuamente às salas de exibição dos dois países.

No entanto, em 2013 e 2014, as coproduções luso-brasileiras ganham maiores alcances internacionais. Em 2013, Tabu - uma coprodução entre Portugal, Brasil, França e Alemanha, terceiro longa do realizador português Miguel Gomes, trama em preto e branco ambientado numa África recriada - foi lançado nas salas brasileiras atingindo um público de 22.060 espectadores. O filme conquistou vários prêmios e até o momento é a coprodução envolvendo os dois países com maior repercussão internacional. Da mesma forma, do lado brasileiro, em 2014, o destaque foi o filme Getúlio, do diretor brasileiro João Jardim, que atingiu a segunda maior bilheteria em dez anos de coproduções, com 508.901 ingressos vendidos. Atrás de Getúlio, o segundo recorde de público entre as coproduções luso- brasileiras foi atingido em 2011, com o filme Capitães de Areia, com 166.071 espectadores.

Ao analisar as coproduções luso-brasileiras, notamos que a maior dificuldade é fazê- las chegar ao mercado internacional, e até mesmo aos mercados dos países parceiros, supostamente garantidos por esse modelo de produção. O que também ocorre frequentemente com relação aos investimentos em filmes nacionais. Temos por um lado a ocupação das janelas de exibição pela cinematografia hegemônica e, por outro, a globalização econômica e cultural que homogeneíza os gostos e nivela as identidades.

No entanto, a hegemonia é dinâmica e suscetível a mudanças. Talvez funcione ocupar as brechas existentes no interior do sistema e, caso elas não existam, criá-las. Um interessante caminho pode ser o modelo operacionalizado desde 2015, no Brasil, pelo “Programa Brasil de Todas as Telas”, que incentiva produtores audiovisuais independentes a produzirem para o campo público de televisão.

Do ponto de vista do realizador português Tino Navarro, a regularidade de lançamentos de coproduções luso-brasileiras é fruto do protocolo de cooperação entre ANCINE E ICA. Diante da pergunta: “Eu gostaria que o senhor falasse sobre a sua experiência na coprodução de filmes com o Brasil. No caso, sei que o senhor trabalhou [por exemplo] em Capitães da Areia e em Call Girl. Como foi essa relação com o Brasil? Houve alguma dificuldade?”, Tino Navarro dá o seguinte depoimento:

Eu fiz seis filmes em coprodução com o Brasil, sendo três filmes minoritários brasileiros e três minoritários portugueses. Minha experiência foi uma experiência normal. Eu já fiz coprodução com inúmeros países no mundo inteiro, principalmente na Europa, entretanto, não foi diferente dos outros países, foi uma coprodução normal. O Brasil tem, tal como em Portugal, seus problemas, suas características e suas políticas, portanto, depende um bocadinho disso. Agora, o fato de haver coproduções entre Portugal e o Brasil com alguma regularidade é porque existe um convênio entre Portugal e o Brasil que financia ou pode financiar quatro longas- metragens por ano: dois minoritários brasileiros e dois minoritários portugueses. O fato de haver esse instrumento, como é evidente, facilita a existência, pelo menos, de quatro filmes em coprodução entre Portugal e Brasil todos os anos. (NAVARRO, 2015, em entrevista à pesquisadora)

3.2.2 A relação cinematográfica entre Argentina e Espanha

Analisando os dados dos anuários do INCAA, de 2009 a 2015, observamos que entre os 40 filmes argentinos domésticos ou em coprodução internacional de maior bilheteria nas salas na Argentina a cada ano, a Espanha figura, ao longo do período pesquisado, como o país com o qual a Argentina realizou o maior número de coproduções e como o país parceiro cujas obras obtiveram maior sucesso nas bilheterias das salas argentinas entre os filmes nacionais ou em coprodução internacional.

Por exemplo, em 2013, entre os 40 filmes argentinos domésticos ou em coprodução internacional de maior bilheteria nas salas na Argentina, seis obras são coproduções com o país com o qual há um maior número de coproduções. São elas: Metegol, o filme nacional mais visto do ano, com 2.119.601 espectadores, representando 4,38% do total de espectadores; Tesis Sobre Un Homicidio, com 1.045.357 espectadores; Septimo, com 967.568; Wakolda, com 419.572; Pense Que Iba A Haber Fiesta, com 32.913; e Sola Contigo, 13.545.

Na fase da realização das entrevistas da pesquisa, questionamos sobre os por quês da relação cinematográfica consolidada da Argentina com a Espanha, aliança que se destaca em comparação à relação da Argentina com a maioria dos outros países. Os entrevistados citaram

várias explicações, entre elas: um motivo econômico, argumentaram que é mais barato produzir filmes na Argentina; e um motivo artístico e técnico, na Argentina tem mais gente qualificada trabalhando no setor. Durante entrevista no dia 24 de setembro de 2014, após o Seminário Coprodução Brasil-Argentina: experiências e possibilidades, que ocorreu no 3º BIFF – Brasília International Film Festival, o cineasta brasileiro Beto Rodrigues, que já realizou vários filmes brasileiro-argentinos, respondeu o seguinte:

Produzir na Argentina ficou mais barato que produzir no Brasil de uns anos pra cá. No auge da coprodução Espanha-Argentina (entre a segunda metade dos anos 90 e a primeira metade dos anos 2000, de 1995 a 2005) produzir na Argentina não era mais barato, aqui [Brasil] era praticamente o mesmo valor da Argentina. Era até mais barato realizar um filme no Brasil nesse período, não era por essa razão que os espanhóis iam pra lá, iam porque tinham mais cabeças criativas, com projetos de filmes mais interessantes que o Brasil podia propor; além de uma identidade cultural mais forte com a Argentina. (RODRIGUES, 2014, em entrevista à pesquisadora)

Quanto à apontada maior flexibilidade da Argentina nos acordos bilaterias de coprodução internacional, Beto Rodrigues assinalou que:

Eu diria que o instituto de cinema da Argentina é mais ágil, às vezes demora um ou dois meses para reconhecer uma coprodução; enquanto aqui demora essa quantidade de meses. Apesar deles se queixarem da burocracia, é uma burocracia menor que a do Brasil, os projetos tramitam mais rapidamente. Então, isso é um estímulo para que quando você comece a falar em coprodução as coisas sigam andando e não fiquem paradas. (RODRIGUES, 2014, em entrevista à pesquisadora)

Por outro lado, no cenário do período da pesquisa (2009-2015), o Brasil ficou mais atrativo para novas coproduções devido a um conjunto de mecanismos públicos de apoio à realização cinematográfica nacional e de incentivos específicos para coproduções internacionais. Quanto a esse novo cenário, colaborando com o nosso pensamento, Beto Rodrigues aponta que:

No cenário atual, o Brasil tornou-se um parceiro muito mais atraente para coproduções do que a Espanha. A quantidade de projetos da Argentina que eu recebo... Na Panda Filmes, eu tenho sete propostas de coproduções. Eu sou uma única produtora no Brasil já com sete projetos, imagina outras centenas de produtoras no Brasil que também recebem propostas de coprodução. Os argentinos sabem que o Brasil tem recursos, embora as políticas de audiovisual no Brasil ainda tenham coisas a serem aperfeiçoadas, por exemplo: criar uma linha específica de financiamento para a coprodução, não só com a Argentina, mas coprodução em geral no Brasil; criar, dentro do Fundo Setorial, um edital específico para projetos de coprodução. Isso não foi feito ainda, acho que deve ser feito. (RODRIGUES, 2014, em entrevista à pesquisadora)

Também cooperando com esse raciocínio, Liliana Mazure, ex-presidente do INCAA e que, antes de ocupar o cargo político, coproduziu alguns filmes no Brasil, argumenta que:

A Espanha produzia muitíssimo na Argentina, com diretores espanhóis ou diretores argentinos, no entanto, muitíssimo com diretores argentinos. A crise na Europa, a partir de 2008, começou a marcar forte e agora, com esta última crise, tem sido um golpe muito duro. São muito menos coproduções com a Espanha. E os produtores vão buscando os lugares onde possam produzir melhor e mais barato. Muitos têm buscado a Colômbia também, que tem muitas leis de promoção, então a Colômbia está produzindo muito bem agora. Argentina coproduz bem com França, com Espanha, e na América Latina creio que está coproduzindo muito com Brasil, por conta deste fundo criado em 2011 que foi assinado entre o INCAA e a ANCINE. Tem crescido muito a coprodução com o Brasil, antes não coproduzia com ele. (MAZURE, 2014, em entrevista à pesquisadora)

Ricardo Freixa (2014), cineasta argentino - que já coproduziu filmes como O Amigo Alemão (2012), coprodução entre Argentina e Alemanha; e Metegol/ Um time show de bola (2013), um filme argentino-espanhol - destaca a importância da fama dos atores argentinos diante do público espanhol como a melhor resposta para o êxito da relação cinematográfica entre Argentina e Espanha.

Com a Espanha, o que mais contribui é, fundamentalmente, que haja atores que têm cruzado a fronteira dos dois países. Há atores argentinos que são mais populares na Espanha que na Argentina; há atores espanhóis que são mais populares na Argentina que na Espanha. Por isso, é mais fácil conceber uma coprodução com a Espanha. As ajudas são as mesmas na Argentina. E na Espanha, tem apoios muito importantes. Os produtores sempre pensam nos subsídios, não há produtor que pense somente no êxito de público. Em outro momento da história do cinema sim, pensava-se no êxito de público e, quiçá, nesse momento, os filmes eram melhores. (FREIXA, 2014, em entrevista à pesquisadora)