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A missão de Laís Netto dos Reys em Minas Gerais

1.2 A ENFERMEIRA COMO UMA DAS SOLUÇÕES PARA A SAÚDE

1.2.4 A missão de Laís Netto dos Reys em Minas Gerais

No início do ano de 1933, Ernani Agrícola, diretor de Saúde Pública de Minas Gerais, conseguiu que uma enfermeira se responsabilizasse pela organização do Serviço de Saúde Pública do estado. Assim, em 22 de janeiro do referido ano, a enfermeira Laís Netto foi colocada à disposição da Secretaria de Educação e Saúde do estado de Minas Gerais, para organizar e dirigir, como superintendente, o serviço de enfermeiras daquela diretoria (NASCIMENTO, SANTOS, CALDEIRA, 1999).

Sauthier e Barreira (1999) informam que, no final da década de 1920, muitas enfermeiras e alunas da EEAN não desejavam mais o domínio das norte-americanas. Elas julgavam que já tinham pagado alto preço para que as enfermeiras da “missão Parsons” fizessem a organização da escola, pois somente disso a missão estrangeira havia sido incumbida pelo governo brasileiro. Entre essas enfermeiras encontrava-se Laís Netto.

Laís Moura Netto dos Reys nasceu em Rezende, Rio de Janeiro, em 1894, e faleceu no Rio de Janeiro, em 1950. Pertencia a uma tradicional e politicamente influente família fluminense, que, ao contrário do padrão vigente, permitiu que ela estudasse. Cursou o ensino primário em sua terra natal e a Escola Normal no Rio de Janeiro. Laís era católica convicta e nacionalista. Quando ficou viúva, entrou para a primeira turma da EEAN, diplomando-se enfermeira em 1925. Por seu destaque como aluna na Escola Anna Nery, ganhou um curso de aperfeiçoamento nos Estados Unidos. Ao retornar ao Brasil, em 1927, foi trabalhar no aparelhamento de defesa sanitária, que estava sendo organizado pelo diretor de Saúde Pública, Carlos Chagas. Em 1928, foi à Europa, onde conheceu o serviço de enfermagem de vários países e fez cursos de pedagogia e psicologia na Universidade de Paris – Sorbonne – e na Universidade Católica de Paris (REYS, 1936a).

Em 1929, organizou e chefiou o serviço de enfermagem do Hospital São Sebastião do Rio de Janeiro, e nesse mesmo ano foi nomeada assistente da diretoria da EEAN. Em 9 de março de 1931, após desentendimentos com a diretora americana Bertha Pullen, foi colocada à disposição da Secretaria de Educação e Saúde Pública de São Paulo para organizar o serviço de enfermagem de saúde pública do estado (SAUTHIER; BARREIRA, 1999).

A ida de Laís Netto para São Paulo chama atenção, uma vez que a proposta também era a organização do serviço de saúde pública daquele estado. Sobre tal fato, Almeida Filho e Santos (2003) apontam que foram encontradas referências sobre a participação da EEAN na Revolução Constitucionalista de São Paulo, em 1932, em que a corporação de enfermeiras voluntárias liderada por Rachel Haddock Lobo, diretora daquela escola, desfrutou de grande consideração junto ao governo de Getúlio Vargas.

Há referências, também, de que Laís Netto dos Reys, quando foi comissionada pela Secretaria de Estado de Educação e Saúde Pública de São Paulo

[...] organizou para as senhoras da sociedade paulista, na Cruz Vermelha daquele estado, um curso de emergência de três semanas para atender às necessidades da Revolução; terminado este curso, ela dirigiu um corpo de voluntárias, assumindo a chefia do hospital de sangue da Cruz Vermelha (BARREIRA, 1999, p. 132).

Não há indícios do que teria acontecido para que Laís Netto se transferisse para Minas Gerais em 1933. Entretanto, Santos (2006, p. 79) aponta que o fato de ela ter se colocado “ao lado da luta do governo de Getúlio Vargas pode ter contribuído para a transferência para Minas Gerais”. Laís Netto dos Reys tinha afinidades políticas com o governo Vargas e isso é confirmado pela fala da enfermeira Waleska Paixão (1988, p. 9), sua sucessora na EECC: “D. Laís tinha um irmão que estava muito envolvido na política de Getúlio Vargas”, o que pode ter favorecido ainda mais os acordos políticos entre os órgãos governamentais. Almeida Filho (2004, p. 63) também se refere à “presença de um familiar de Laís Netto dos Reys no centro do poder político do país”, o que teria estabelecido “relações de cordialidade entre esta e o então presidente Getúlio Vargas, concorrendo para aumentar seu prestígio pessoal e, por conseguinte, da enfermagem brasileira”.

A missão de Laís Netto em Minas Gerais em muito se assemelha à missão de Ethel Parsons no Brasil. Assim como aconteceu com Parsons no Rio de Janeiro, Laís Netto chega ao solo mineiro com a função inicial de organizar o serviço de saúde pública, produzir recursos humanos de forma urgente e criar uma escola para provimento de enfermeiras “de alto nível”. Sua intenção de implantar em Minas a enfermagem moderna, com enfermeiras diplomadas, é

tão clara como foi na “missão Parsons” (REYS, 1936a). Santos (2006) também faz essa observação em seu estudo, apontando que o projeto da enfermagem padrão ou “de alto nível” foi uma aventura de seus idealizadores que teria dado certo, pois, de acordo com a historiografia da enfermagem brasileira, ocorreu a implantação de um modelo de formação de enfermeiras no país, em concordância com o projeto inicial da missão de cooperação técnica de enfermeiras norte-americanas.

Glete Alcântara mostra o cenário da “aparição” da enfermeira diplomada no Brasil:

A enfermeira diplomada não apareceu no cenário brasileiro para atender à necessidade de melhorar o padrão do serviço hospitalar moderno, como ocorrera na Inglaterra e nos Estados Unidos. Foram as exigências dos sanitaristas do Departamento Nacional de Saúde, empenhados na obtenção de pessoal especializado para funcionamento dos novos e modernos serviços, que determinaram a emergência da nova categoria profissional (ALCÂNTARA, 1966, p. 21-22).

A intenção do Estado com a formação de enfermeiras no Brasil fica clara nessa fala: prover os campos da saúde pública com enfermeiras diplomadas. Percebe-se que o campo hospitalar naquele momento não era o foco do governo.

Alcântara (1966) relata que a expectativa do Estado era que à medida que as enfermeiras fossem se diplomando nas escolas de enfermagem oficiais, substituiriam as visitadoras de higiene, que haviam sido preparadas em cursos emergenciais. Assim, pode-se afirmar que as visitadoras foram as primeiras pessoas chefiadas por Laís Netto quando esta assumiu o cargo de superintendente de enfermagem do serviço de saúde pública de Minas Gerais.