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No início do ano de 1933, Laís Netto dos Reys iniciou a organização do serviço de saúde pública de Minas Gerais, e enquanto este era organizado, a criação de uma escola para enfermeiras, que viria a ser a Escola de Enfermagem Carlos Chagas (EECC), era discutida em órgãos colegiados. Na verdade, a criação de uma escola que fosse capaz de formar um corpo de enfermagem qualificado já estava nos planos dos políticos de Minas Gerais há algum tempo. Em 1931, fora baixado, pelo governo estadual mineiro,17 o Decreto 10.160, cujos artigos 10 e 11 tratam da enfermeira visitadora e fazem alusão à futura escola a ser criada em Belo Horizonte:

Art. 10. Os cargos de enfermeiras visitadoras serão preenchidos por senhoras habilitadas em escolas de enfermeiras ou cursos oficiais federais ou estaduais reconhecidos oficialmente.

Art. 11. A situação das atuais enfermeiras visitadoras será regulamentada logo

que seja criada em Belo Horizonte a Escola de Enfermeiras (MINAS

GERAIS, 1931, p. 10, grifos nossos).

Diante desse decreto, percebe-se que o governo estadual levou algum tempo para concretizar a “Escola de Enfermeiras em Belo Horizonte”, uma vez que a EECC foi fundada em 7 de julho de 1933. Porém, a partir do momento em que foi dado o aval para a criação da escola, a articulação do estado, por meio da Diretoria de Saúde Pública, representada por Ernani Agrícola, junto à Faculdade de Medicina da Universidade Minas Gerais aconteceu de forma rápida. Santos (2006) mostra em seu estudo quão veloz foi o processo de criação e liberação para funcionamento da EECC. O Decreto 10.952, que cria a EECC, é do dia 7 de julho, a instalação da escola ocorreu no dia 19 de julho e o curso começou a funcionar em 9 de agosto do mesmo ano de 1933.

O contrato assinado pela Diretoria de Saúde Pública de Minas Gerais e pela Faculdade de Medicina da Universidade de Minas Gerais previa que à Diretoria caberia “custear as despesas para implantação da Escola e funcionamento [...] e fornecimento do corpo de enfermeiras para o ensino das disciplinas que exigem conhecimentos especiais”, e à Faculdade de Medicina coube a “cessão gratuita das dependências de seu hospital de clínicas [Hospital São Vicente de Paulo] e dos professores necessários às diversas disciplinas” (CONTRATO, 1933, p. 1-2).

A rapidez para colocar em funcionamento a Escola Carlos Chagas justificou-se pela enorme necessidade de preencher o campo profissional da saúde com uma mão de obra qualificada para a assistência. Essa necessidade já perdurava há algum tempo, tanto que é manifestada no relatório do diretor de saúde pública, Ernani Agrícola, sobre os trabalhos realizados no estado entre 1930 e 1931. No documento, Agrícola fala sobre sua preocupação com a falta de profissionais devidamente preparados, incluindo as enfermeiras, para a condução dos “múltiplos problemas sanitários” mineiros:

Sem médicos, enfermeiras visitadoras e guardas sanitários perfeitamente instruídos na prática de trabalhos de Saúde Pública e sem o necessário entusiasmo pela profissão, não progredirá a obra sanitária, mesmo que a Diretoria disponha de grandes dotações orçamentárias (AGRÍCOLA, 1932, p. 15, grifos nossos).

A nova instituição viria para atender a “collectividade”, ou seja, os anseios e as necessidades de saúde do povo mineiro. A confiança depositada pelo governo no novo empreendimento “de real valor” é visível nas palavras de Ernani Agrícola em discurso na ocasião da cerimônia inaugural da escola: “A Escola de Enfermagem Carlos Chagas é uma das colunas mestras asseguradoras da saúde e da tranquilidade públicas” (AGRÍCOLA, 1933, p. 7). O governo esperava que a escola ajudasse a sanar os problemas da saúde mineira e confirmava seu apoio à EECC marcando presença nos eventos relacionados à instituição. As solenidades da Escola Carlos Chagas contavam com a presença de dirigentes do estado mineiro e de outras figuras ilustres da sociedade.

Antes mesmo de sua criação, a EECC já era reverenciada pela mídia como um grande feito do estado mineiro:

Uma modelar Escola de Enfermagem

É um empreendimento de real valor a ser ajuntado às iniciativas de interesse para a collectividade que a actual directoria de Saúde Pública vem tomar (UMA MODELAR, 1933, p. 8).

Na inauguração da escola estavam presentes: Ernani Agrícola (diretor da Saúde Pública), Antônio Aleixo (diretor da Faculdade de Medicina), J. A. Sousa Campos (chefe da Assistência Dentária Escolar de Belo Horizonte), Zoroastro Passos (inspetor geral da Assistência Hospitalar) e irmã Boutin (diretora do Hospital São Vicente de Paulo de Belo Horizonte), além de “elevado número de representantes da imprensa” (A INAUGURAÇÃO, 1933, p. 8). Todos os ramos da saúde mineira àquela época estavam presentes: saúde pública, hospital e educação/ensino, o que também mostra a importância da instituição que estava sendo inaugurada.

A pompa da EECC era tamanha que até a visita do político e cientista ilustre, Carlos Chagas, foi recebida em 1934. Chagas compareceu a uma solenidade da escola e em seu discurso confessou quão lisonjeado se sentia “em ser o patrono da Escola”, e felicitou cada uma das alunas pela “nobre missão” que tinham abraçado (COMO DECORREU A CERIMÔNIA, 1934, p. 4).

Como se sabe, o médico Carlos Chagas foi sanitarista e teve relevante atuação na saúde pública brasileira. Destacou-se ao descobrir o protozoário chamado de Tripanosoma cruzi, causador da doença de Chagas (CHAGAS FILHO, 1993). Foi, ainda, o responsável pelo movimento de criação da Escola de Enfermagem do Departamento Nacional de Saúde Pública no Rio de Janeiro, na década de 1920, que foi o embrião da enfermagem moderna no país. Sua importância na enfermagem foi reconhecida pela Escola de Enfermagem de Minas Gerais em 1933, quando esta adotou o seu nome.

A EECC foi a primeira escola de enfermagem no Brasil situada fora do Rio de Janeiro e também a primeira escola de enfermagem estadual criada no país. Seguiria os moldes da escola oficial, a Escola de Enfermagem Anna Nery (EEAN), buscando a equiparação,18 a fim de se consolidar como instituição modelo de formação de enfermeiras.

Convém destacar que de 1923 até a criação da EECC, o Brasil contou apenas com duas escolas para a formação de enfermeiros: a Escola de Enfermagem Alfredo Pinto e a EEAN. Depois da EECC, a próxima escola seria criada apenas em 1939, a Escola de Enfermagem do Hospital São Paulo (COSTA et al., 2012). Assim, inaugurar uma escola de enfermagem fora dos limites da então capital do país era mesmo um pioneirismo para o estado mineiro.

Como se pode notar, a EECC foi criada a partir de um projeto envolto em muitas expectativas e prestígio. À sua frente, estava a diretora Laís Netto dos Reys, enfermeira pioneira

da EEAN, e que já havia mostrado seu poder de liderança e seu conhecimento na organização do serviço de saúde pública mineiro. Diante da alta expectativa do governo estadual depositada nos futuros feitos da Escola Carlos Chagas, era de se esperar que o ensino ofertado nessa instituição fosse suprir a necessidade de formação de profissionais demandados pelas autoridades mineiras; que contasse com o mais gabaritado corpo de docentes e os melhores campos de estágio; e que suas alunas, após a formatura, fossem preencher os campos que requeriam profissionais qualificadas para o trato da saúde dos mineiros.