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1.2 A ENFERMEIRA COMO UMA DAS SOLUÇÕES PARA A SAÚDE

1.2.5 A organização do serviço de enfermagem de saúde pública

1.2.5.2 O serviço escolar

No Brasil, em 1889, foi criado um serviço de inspeção higiênica que foi apontado como uma das primeiras medidas governamentais relativas aos serviços de saúde pública, o qual foi posteriormente estendido ao ambiente escolar, que era, na época, reconhecido como ambiente intermediário e responsável também por ações de saúde (FERRIANI; GOMES, 1997).

Marques e Farias (2010, p. 80) afirmam que em 1920 os escolares eram acometidos por várias doenças, entre as quais se destacavam as verminoses e as epidemias de sarampo e varicelas. Havia uma preocupação com esse grupo por parte dos médicos higienistas, pois acreditava-se que, sem higiene, não haveria condições de saúde adequadas, nem “escola produtiva”, e “os alunos dificilmente se tornariam futuros cidadãos moralizados e úteis ao Estado e à nação, pois até do vigor físico se ressentiam”. Nesse sentido, os professores foram chamados a aprender normas “de bem viver com saúde” em um curso de higiene, a fim de repassá-las aos alunos, ou seja, a tarefa de auxiliar na profilaxia dos alunos foi incorporada ao trabalho pedagógico do professor primário no Brasil.

Machado (1978) destaca as inspeções médicas dos escolares [cabelos, olhos, dentes, mãos, unhas, pés] nas escolas na busca por moléstias e afecções infectocontagiosas. Quando era detectada alguma alteração, a criança era afastada e tratada para prevenir possíveis perigos para a coletividade escolar. Inicialmente, essas inspeções tinham caráter de polícia médica, cuja autoridade intervinha, fiscalizava e punia.

As primeiras referências ao trabalho de enfermeiras no ambiente escolar são de 1910, quando foi criado o primeiro curso de higiene escolar, na Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo (SISTON; VARGAS, 2007). Edith Fraenkel14 entendia que a enfermeira escolar

14 Edith Fraenkel nasceu no Rio de Janeiro em 1889 e, ao contrário de Laís Netto dos Reys, era de origem humilde.

contribuía para a organização do programa de ensino, de forma a assegurar o máximo de saúde e de contribuição inteligente por parte do escolar. Salientava que, nas atividades desempenhadas, a enfermeira escolar não entrava somente em contato com o escolar, mas com toda a família, professores, médicos e associações de assistência, servindo de elo para a comunicação entre eles (RASCHE; SANTOS, 2008).

Belo Horizonte, em 1933, contava com um serviço voltado para a saúde dos escolares, e conjuntamente ao trabalho de conhecimento e organização do serviço de visitação sanitária feitos por Laís Netto dos Reys foi realizado um estudo do serviço escolar belo-horizontino. A superintendente Laís Netto, junto ao médico José Castilho Júnior, então diretor de higiene escolar, visitou alguns grupos da cidade e relata ter “procurado conhecer as enfermeiras escolares, as diretoras dos grupos, o meio escolar e as suas necessidades” (REYS, 1933, p. 1).

Sobre o serviço escolar, Laís Netto lamenta, em seu relatório referente aos dois primeiros meses de gestão na Superintendência de Enfermagem, não ter tido condições de fazer um trabalho mais expressivo em função da falta de local e material para realização de atividades para o grupo de enfermeiras escolares. Assim, ela aproveita para solicitar a instalação de uma sede ao diretor de saúde pública, Ernani Agrícola, “a fim de realizar um eficiente trabalho de enfermagem escolar”. Ainda que com dificuldades, deixa claro que conseguiu organizar o Grupo Escolar Cesário Alvim, pois este já contava “com uma estrutura mais adequada que os demais”. Foram organizados “os livros de matrícula, de materiais, de vigilância, o controle de crianças em tratamento, a técnica para o trabalho da enfermeira quer nos cuidados a serem dados quer na forma de desenvolver sua ação educativa” (REYS, 1933, p. 3).

Laís Netto menciona que o grupo de mulheres que fazia parte do serviço de enfermeiras mineiro15 era composto de “em sua totalidade, exceção de uma,16enfermeiras leigas, sem curso” (REYS, 1933, p. 1). Nota-se a aproximação entre as falas de Ethel Parsons e Laís Netto em relação à enfermagem brasileira, apontando para uma enfermagem que cuidava sem o devido preparo educacional. Assim, diante de profissionais que necessitavam de capacitação, Laís Netto dos Reys tratou de organizar um “curso rápido” que daria às enfermeiras “as noções imprescindíveis ao bom desempenho de seu elevado mister”. Esse curso contaria com os médicos do Centro de Saúde e tinha os seguintes temas e professores: higiene social e

do Departamento Nacional de Saúde Pública, ingressou na Escola de Enfermagem do Philadelphia General Hospital. Lecionou na EEAN, auxiliou na criação da Associação Brasileira de Enfermagem e, no ano de 1939, foi convidada pela Fundação Rockefeller para organizar e dirigir a escola de enfermagem a ser criada em São Paulo. Mais informações sobre a enfermeira Edith Fraenkel podem ser conferidas em Mancia e Padilha (2006).

15 Sobre a enfermagem hospitalar nesse período, Santos (2006, p. 80) esclarece que “a assistência aos doentes ficava a cargo dos práticos de enfermagem, leigos e religiosos, sob a supervisão das religiosas”.

tuberculose, ministrado por Eugênio Muller, diretor do Centro de Saúde; puericultura, com Gentil de Salles, médico higienista do Centro de Saúde; epidemiologia, oferecido por Moreira, também médico higienista do Centro; e ciência de enfermagem, ministrada pela própria Laís Netto (REYS, 1933, p. 1).

Sobre o tema ciência da enfermagem, Laís Netto destaca que, em suas aulas semanais, as enfermeiras receberiam “ensinamentos especiais da Ciência da Enfermagem”. Com esses ensinamentos, a superintendente pretendia lhes transmitir “não só a técnica necessária como a verdadeira concepção da enfermagem moderna”, contribuindo para a formação do espírito profissional (REYS, 1933, p. 1). Em relação ao curso para as enfermeiras escolares, ela relata que havia solicitado ao inspetor de higiene escolar “a organização pelos médicos escolares de uma série de aulas sobre esse ramo da Higiene de forma a fornecer às enfermeiras, que trabalham nesta especialidade, as noções precisas para a execução do importante trabalho de Higiene Escolar”. Porém, ela registra mais adiante que apenas uma aula chegou a ser ministrada em função da mudança de sede do dispensário, local em que a única aula ocorreu (REYS, 1933, p. 1).

Em 1936, Edith Fraenkel publicou um artigo em que defendia a ideia de que para a “perfeita execução” de um curso para formação da enfermeira escolar, eram necessários um curso teórico e um prático, por ser esta uma “delicadíssima missão”. No curso teórico, os conteúdos desenvolvidos seriam: história, princípios fundamentais, organização, problemas e técnicas de saúde pública; também administração, legislação e objetivos da saúde pública; sociologia e, em relação à “criança normal”, higiene mental e psicologia; pedagogia e nutrição aplicada ao escolar. No curso prático, as atividades desenvolvidas seriam: enfermagem em saúde pública; enfermagem escolar em zona urbana e suburbana e a prática em assistência social (RASCHE; SANTOS, 2008).

Percebem-se pontos de consonância entre o curso de Laís e o de Edith, como a preocupação em relação ao estudo da criança (puericultura) e da higiene, uma vez que estes seriam, respectivamente, o público-alvo e a questão-alvo a serem trabalhados pelas enfermeiras escolares.

Acredita-se que Laís Netto, recém-chegada a Belo Horizonte, com o desejo de expandir a enfermagem moderna para além do Rio de Janeiro e tendo em sua bagagem cursos realizados no exterior, quisesse mostrar em curto espaço de tempo a eficiência e o diferencial do trabalho desenvolvido pela enfermeira diplomada, a fim de legitimar o trabalho de sua classe. Ela precisava mostrar seu potencial como “chefe”, superintendente, enfermeira diplomada, e as marcas disso estão em sua preocupação de mostrar quão modernas eram as suas iniciativas,

com a introdução da estatística e propostas de estudos que pudessem comprovar esse diferencial, suscitando no governo a intenção de apostar em um projeto ainda maior que o de organização da saúde pública do estado: uma escola para enfermeiras.

2 DO IDEAL À CRIAÇÃO: A TRAJETÓRIA DA ESCOLA DE

ENFERMAGEM CARLOS CHAGAS

“Quem dera eu achasse um jeito de fazer tudo perfeito, feito a coisa fosse o projeto e tudo já nascesse satisfeito.” Mário Quintana