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Religiosas no poder: os seis primeiros meses da gestão de irmã Villac

3.6 E SCOLA DE E NFERMAGEM C ARLOS C HAGAS : REORIENTAÇÃO

3.6.2 Religiosas no poder: os seis primeiros meses da gestão de irmã Villac

Sobre a ascensão das irmãs de caridade à direção da EECC, deve-se notar que elas tinham um lugar cativo na saúde nesse período. Por um lado, seja por tradição no cuidado ou por cuidar por caridade, sem ônus financeiros para o estado mineiro, as irmãs ocupavam precioso campo da saúde em Minas Gerais, sobretudo o hospitalar, e a inserção da enfermeira diplomada neste parece ter sido dificultada pela presença das religiosas. Por outro lado, a diplomação de religiosas, pela própria EECC, reforçou ainda mais a imagem de excelência que as irmãs ostentavam.

Na EECC, em 25 de junho de 1949, iniciou-se um período de direção de irmãs que duraria até 1968. A primeira irmã de caridade a assumir o cargo de maior poder na EECC foi Helena Maria Villac. Em seu relatório sobre os primeiros seis meses de direção da escola, irmã Villac apresenta uma fala mais dócil e tranquila do que as encontradas no relatório de Rosa de Lima e Waleska Paixão. Ela o inicia com a seguinte frase: “Aos 25 de junho de 1949 tive a grande honra de tomar posse do cargo de Diretora da Escola de Enfermagem Carlos Chagas” (VILLAC, 1949, p. 1, grifos nossos).

Em seguida, irmã Villac destaca Cid Ferreira Lopes, diretor da Escola de Saúde Pública, à qual a EECC estava subordinada. Ela ressalta que o diretor seria uma “pessoa fina e educada, de um trato social inigualável”, e que estava “prestando à nova Diretora o seu valioso auxílio”.

Se irmã Villac queria aparentar uma situação confortável e amistosa com a sua direção, ela o fez iniciando o seu relatório com elogios à chefia. Logo depois, ela disserta sobre o corpo docente, exaltando os catedráticos e os demais professores da Faculdade de Medicina da Universidade de Minas Gerais, outros diretores da saúde pública e chefes de centro de saúde, “que com dedicada assiduidade e interesse na formação de enfermeiras de alto padrão, não poupam esforços para, em suas aulas, tornarem a matéria atraente e compreensível” (VILLAC, 1949, p. 1).

A ex-diretora Rosa de Lima Moreira também foi lembrada. Irmã Villac chama a atenção dizendo que Rosa era o “protótipo mais perfeito em sua dedicação e desinteresse pessoal”. Mas ao fim de sua fala sobre Rosa, irmã Villac fala da dificuldade enfrentada pela antecessora em sua gestão: “Não tenho palavras para descrever até que ponto chegou seu heroísmo, no período de 15 de maio de 1948 a junho de 1949, lutando quase só, contra os cataclismos que sobre a Escola desabaram, ameaçando sossobrá-la” (VILLAC, 1949, p. 1).

A princípio tem-se a ideia de que a paz e a ufania dos primeiros anos da EECC teriam voltado a reinar, mas na segunda página do referido relatório, a irmã inicia sua fala sobre os “negrumes” da EECC. O primeiro ponto abordado pela irmã Villac é a conhecida falta de instrutoras:

No funcionamento da Escola, apenas encontrei em exercício não dez instrutoras, como é de regulamento, mas seis, sendo que uma se acha à disposição do secretário de Saúde e Assistência, outra à disposição do Secretário de Agricultura e uma terceira em licença, por motivo de saúde. As outras três são muito boas, mas nelas se faz sentir a necessidade urgente de completarem a sua formação num estágio especializado nas Escolas do Rio ou São Paulo, até que tenham possibilidades de ir aos Estados Unidos. À minha chegada recebi mais três, das quais uma necessita também do estágio acima mencionado. No atual momento o quadro foi diminuído de duas por ter uma sido posta à disposição do secretário de Saúde e Assistência e outra entrado em licença. Desses dados se conclui que a Escola Carlos Chagas luta, ainda com a falta de quadro de suas instrutoras para o serviço (VILLAC, 1949, p. 2, grifo nosso).

Villac afirma que a escola estava “lutando” para se manter de pé. Sobre a necessidade de continuação dos estudos das instrutoras, Renovato (2009) mostra que era o SESP54 quem

54 O SESP, criado em 1942, planejou e executou projetos de saúde e saneamento no Brasil. A organização do SESP

seguiu-se às recomendações do Terceiro Encontro de Ministros das Relações Exteriores das Repúblicas Americanas, realizado no Rio de Janeiro como resposta a Pearl Harbor. Nesse encontro, recomendou-se que os países do hemisfério mobilizassem recursos para o esforço de guerra, rompessem relações com a Alemanha e implementassem políticas de saúde pública por meio de acordos bilaterais. O “Acordo Básico” que criou o SESP estabeleceu as seguintes funções: o saneamento do vale amazônico e o treinamento de profissionais de saúde, especialmente médicos, enfermeiras e engenheiros sanitários. Para o governo norte-americano, o SESP seria uma

oferecia as bolsas de estudos em universidades americanas, canadenses e brasileiras. Renovato e Bagnato (2008) informam que a EECC teria recebido assistência técnica e financeira, cessão de duas enfermeiras do SESP para as atividades de ensino e suplementação financeira dos salários de algumas enfermeiras docentes. Os uniformes da EECC também foram inteiramente modificados com apoio do SESP, mas Villac ressalta que isso foi feito a fim “de obedecer às normas usuais das Escolas de Enfermagem” (VILLAC, 1949, p. 2). Nesse ponto ela mostra mais uma vez a falta de repasse de verbas do estado de Minas Gerais:

Não tendo conseguido a necessária verba pelo Estado, apresentei uma petição ao SESP [Serviço Especial de Saúde Pública] que prontamente nos enviou a importância suficiente para a confecção de dois uniformes de trabalho para cada aluna, tendo ainda prometido o auxílio de seis peças de cretone para os aventais das referidas alunas (VILLAC, 1949, p. 2, grifos nossos).

Como o governo estadual já não arcava com boa parte das necessidades da escola, a alternativa era apelar para o SESP,55 que auxiliava “prontamente”, oferecendo ajudas além das que foram pedidas, como as “seis peças de cretone para os aventais” (VILLAC, 1949, p. 2). Com esse dinheiro a escola começa a se federalizar.

A primeira estratégia do SESP em seu projeto de qualificação e normatização profissional foi a de enviar médicos, engenheiros sanitários e enfermeiras aos Estados Unidos, para realizar cursos de graduação, pós-graduação ou especialização. A partir de 1944, o programa de qualificação profissional reorientou sua estratégia, passando a enfatizar o treinamento de médicos e engenheiros no Rio de Janeiro e em São Paulo, enquanto as enfermeiras eram enviadas para as novas escolas que o SESP organizou em algumas capitais do país. O treinamento nos Estados Unidos tornou-se restrito aos cursos de curta duração para profissionais altamente qualificados. Essa reorientação já traduzia uma progressiva “nacionalização” do SESP, ou melhor, uma reorientação de sua ênfase original – que recaía sobre o saneamento de áreas produtoras de matérias-primas estratégias – para a construção de

agência temporária. Entretanto, em 1944, houve uma “nacionalização” crescente da agência, pois o governo do

Brasil passou a investir mais recursos que os norte-americanos. Para o Brasil, as políticas do SESP adequaram- se perfeitamente àquelas elaboradas pelo Ministério da Educação e Saúde e ao processo de state and nation

building do governo Vargas (CAMPOS, 2006).

55 O programa de enfermagem do SESP, proposto para o Brasil, pautava-se em uma proposta que visava a ampliar

o número de enfermeiros, incluir homens na profissão, perceber as dinâmicas regionais atinentes à diversidade social do brasileiro e construir redes de serviço médico-assistencial capazes de disseminar a qualificação nos serviços. Para que o programa de enfermagem atingisse os objetivos esperados, era necessário que se formasse um contingente profissional capacitado, oriundo das diferentes regiões do Brasil, interessado e conhecedor das dificuldades sociais enfrentadas, capaz de disseminar conhecimentos apreendidos e administrar os programas em curso (CAMPOS, 2013).

saúde pública básica em regiões onde se implementavam planos de desenvolvimento no interior do Brasil, priorizando-se a formação de infraestrutura sanitária e a capacitação de pessoal (CAMPOS, 2008).

Outras 13 escolas de enfermagem também receberam auxílio do SESP. Algumas delas: a EEAN (concessão de bolsas de estudos nos Estados Unidos para instrutoras), a Escola de Enfermagem de São Paulo (o SESP responsabilizou-se por 60% do custo total da construção do edifício-sede), a Escola de Enfermagem de Manaus (construção da sede), a Escola de Enfermagem de Porto Alegre (organização e estruturação da escola e sustento financeiro de algumas docentes-enfermeiras) (RENOVATO; BAGNATO, 2008).

Outra reclamação é que os campos de prática eram muito distantes de onde acontecia o ensino teórico. Irmã Villac aponta que se a escola tivesse um hospital com os diversos serviços clínicos, as dificuldades com campos de estágio poderiam deixar de ser um problema por longos anos. Ela comenta que “a participação das alunas nos serviços do Hospital São Vicente resolviam apenas em parte o problema dos estágios” (VILLAC, 1949, p. 3). Pode-se, então, afirmar que o ensino prático foi um obstáculo para a EECC de 1933 a 1950, e nem com a gestão de uma irmã de caridade, que poderia ter mais facilidade de entrada no campo hospitalar, isso foi resolvido.

Por fim, irmã Villac fala sobre as verbas destinadas à escola:

Tendo sido a verba destinada ao ano de 1950 reduzida das quotas referentes às despesas de força, luz e água (CR$5.000,00) e combustíveis, lubrificantes e acessórios (CR$12.000,00), peço para que elas sejam restabelecidas, visto serem imprescindíveis as referidas despesas (VILLAC, 1949, p. 4).

Nota-se na fala da irmã Villac a evidência do descaso do governo estadual de Minas Gerais para com a Escola Carlos Chagas. O estado chega a reduzir a verba destinada para “luz e água”, insumos sem os quais qualquer estabelecimento perde as condições mínimas de funcionar. Com a Escola de Saúde Pública e suas visitadoras sanitárias atendendo as demandas do governo estadual na saúde pública, a EECC deixa de ser importante para estado mineiro. Assim, para que não se fechassem as portas daquela que havia sido o grande orgulho do governo de Minas Gerais, a alternativa seria a federalização. E como se poderá ver mais à frente, isso também fazia parte dos planos do governo federal.