• Nenhum resultado encontrado

2.2 O ENSINO NA E SCOLA DE E NFERMAGEM C ARLOS C HAGAS

2.2.2 Os campos de estágio

Para ser uma escola modelo em formação de enfermeiras, a EECC deveria contar com campos de estágio que satisfizessem as demandas do mercado da saúde. A saúde pública necessitava de profissionais de enfermagem, mas as décadas de 1930 e 1940, em Belo Horizonte, são também marcadas pela eclosão dos hospitais, gerando crescente especialização e expansão desse mercado no período (MARQUES et al., 2011).30 Assim, os estágios deveriam auxiliar esses campos em suas necessidades imediatas e, ao mesmo tempo, permitir que as alunas aprendessem a cuidar do paciente quer no campo da saúde pública quer no campo hospitalar, conferindo às mesmas as habilidades técnicas necessárias. Os estágios hospitalares aconteceram em diversos campos belo-horizontinos, como o Hospital São Vicente de Paulo, a Santa Casa de Misericórdia, o Pronto Socorro Policial e o Hospital Municipal. O Hospital da Sociedade Anônima Metalúrgica Santo Antônio, em Rio Acima, também foi usado como campo de estágio.

No Hospital São Vicente, as alunas, em média 7 a 12 discentes, eram distribuídas nos setores de clínica médica, urologia, pronto socorro e clínica cirúrgica, e na Santa Casa, em média 6 a 10 alunas estagiavam nos setores de clínica médica, ginecologia e maternidade. Os horários dos estágios em 1937 abrangiam os três turnos: de 7h30 às 12h15, 12h15 às 18h15 e 18h15 às 21h15 (ESCALAS DE PLANTÕES EECC, 1934-1937).

As necessidades expressivas do campo hospitalar são facilmente identificadas por meio das escalas de plantão das alunas nesses hospitais. As alunas e as instrutoras eram escaladas inclusive aos fins de semana e também para cobertura de feriados (ESCALAS DE PLANTÕES EECC, 1934-1937). Essa carência de profissionais para o cuidado hospitalar, somada à dificuldade por parte das religiosas de atender a toda a demanda hospitalar em Belo Horizonte, contribuiu para que aos poucos a enfermeira diplomada entrasse no campo hospitalar mineiro.

30 As mudanças no âmbito hospitalar em Belo Horizonte são notáveis, principalmente, na década de 1940. Até

então as edificações hospitalares se organizavam em um padrão pavilhonar, que procurava atender a ideia de tratar os doentes pela terapia do isolamento. Nesse modelo, há longos corredores e essas linhas horizontalizadas demandavam gastos elevados de manutenção e grande volume de funcionários. Alguns exemplos: prédio antigo da Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte, Hospital Militar, Instituto Raul Soares. Esse padrão manteve sua hegemonia até o início do século XX, sendo então questionado, revisto e modificado. A especialização das doenças impôs a necessidade de instalações cada vez maiores para satisfazer a crescente demanda de espaços hospitalares. Surge então o padrão monobloco de edificação hospitalar, que consistia num bloco compacto, verticalizado, com vários andares. Esse modelo reduziu os gastos com a aquisição de terrenos e a possibilidade de organização em unidades funcionais comuns, como os serviços de nutrição e esterilização, enquanto no modelo anterior havia a necessidade de ter uma estrutura dessas para cada um dos pavilhões. Alguns exemplos dos hospitais criados em Belo Horizonte na década de 1940 com padrão monobloco: Hospital Vera Cruz (1944), prédio novo da Santa Casa de Misericórdia (1938-1946), Hospital Felício Rocho (1937-1942), Maternidade Odete Valadares (1944) e Hospital São Lucas (1940) (MARQUES et al., 2011).

Destaca-se aqui que os responsáveis médicos por esses setores hospitalares eram, em geral, docentes da Faculdade de Medicina da Universidade de Minas Gerais e também da EECC, o que poderia facilitar a inserção das alunas nesses campos. Entre esses chefes médicos estavam Melo Teixeira, Zoroastro Passos, Davi Rabelo, Osvaldo Melo Campos, Otto Cine e Hugo Werneck (ESCALAS DE PLANTÕES EECC, 1934-1937). Conforme mostra Marques (2011), Hugo Werneck havia passado algum tempo no exterior, onde fora se tratar da tuberculose, e de lá trouxe conceitos e técnicas modernas para o atendimento às mulheres. O ginecologista estava certo de que a principal causa da mortalidade materna estava ligada à falta de socorros obstétricos, lutando, assim, pela criação de uma maternidade em Belo Horizonte e pela extensão dessa assistência a todas as mulheres. A maternidade seria um importante e expressivo espaço para as egressas da EECC que foram atuar no campo hospitalar belo- horizontino.

O investimento nos estágios hospitalares era alto por parte da EECC. A própria diretora Laís Netto dos Reys se escalou para a chefia de estágios no Hospital São Vicente e na Santa Casa. Há registros da diretora acompanhando 6 alunas no Hospital São Vicente, em um domingo no ano de 1936, o que demonstra a seriedade e o compromisso que a EECC tinha com os campos hospitalares assumidos para estágios (ESCALAS DE PLANTÕES EECC, 1934- 1937).

Paralelamente a isso, os estágios de saúde pública também aconteciam, pois o relatório de produção do serviço de enfermagem de saúde pública do estado de Minas Gerais menciona a presença de discentes (PAIXÃO, 1943). As alunas estagiavam no lactário, no serviço de higiene pré-natal e infantil, no preventório São Tarcísio e no serviço de visitação sanitária. O horário era de 7h às 12h e de 13h às 18h. Nesses campos, encontraram-se até 7 alunas da EECC estagiando (ESCALAS DE PLANTÕES EECC, 1934-1937). Compreensível haver alunas inseridas nos campos de saúde pública, afinal, além da alta demanda da população por saúde pública, o serviço de Superintendência de Enfermagem de Saúde Pública ficou subordinado à diretoria da EECC de 1933 a 1946.

A Escola Carlos Chagas se equilibrou entre atender as demandas políticas em saúde pública e, ao mesmo tempo, prover o campo hospitalar com estágios, auxiliando o trabalho do médico e, aos poucos, angariando para a enfermeira diplomada o espaço dos hospitais, que, até então, como comentado, estava, em geral, sob o domínio das religiosas. Daí mais um motivo para que a EECC investisse em sua orientação católica.