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Cenário da saúde pública em Minas Gerais anterior à criação

1.2 A ENFERMEIRA COMO UMA DAS SOLUÇÕES PARA A SAÚDE

1.2.3 Cenário da saúde pública em Minas Gerais anterior à criação

Segundo Teixeira (2012), apesar de ter tido início em fins do século XIX, a organização do serviço sanitário no estado de Minas Gerais se prolongou por vários anos. Em 1891, ficou estabelecido, na Constituição de 24 de fevereiro, que os serviços de higiene passariam para a responsabilidade dos estados, cabendo a eles a organização daqueles (SALLES, 2004).

No ano da promulgação da nova Constituição, o estado de São Paulo, importante no cenário econômico do país, organizou o seu serviço sanitário, que, conforme informa Ribeiro (1993), era composto por Conselho de Saúde Pública e Diretoria de Higiene. Nesse mesmo período, em Minas Gerais, foram criados alguns órgãos e instituições para gerir a saúde no estado e regulamentar as ações nessa área. Um importante passo nesse contexto diz respeito à criação, ainda na cidade de Ouro Preto, da Secretaria do Interior, à qual se subordinariam as questões relacionadas à higiene, à segurança pública, à instrução pública e à justiça (MINAS GERAIS, 1895a). Uma vez criada a Secretaria do Interior, o próximo passo foi a regulamentação do serviço sanitário do estado de Minas Gerais. Isso ocorreu em 1895, e esse serviço seria o responsável pelas ações de saúde pública em todo o território mineiro. O serviço sanitário era composto pelo Conselho de Saúde Pública, pela Diretoria de Higiene, pelas Delegacias de Higiene e de Vacinação, subordinadas à Diretoria de Higiene e responsáveis pelas ações de saúde nos municípios, e pelos engenheiros, comissários de higiene e desinfectadores (MINAS GERAIS, 1895b).

Conforme mostra Teixeira (2012), a legislação estava organizada em torno da doença, com estabelecimentos voltados para o combate e controle das moléstias. A legislação também não fazia referência específica ao profissional enfermeiro como força de trabalho na saúde pública mineira, porém havia a atuação deste nos hospitais de isolamento e hospedarias, prestando serviços temporários quando necessário.

Como parte das atribuições da Diretoria de Higiene, coube ao governo a organização da polícia sanitária, que tinha por finalidade a observância das disposições do Regulamento Sanitário quanto à prevenção e repressão dos abusos que poderiam comprometer o andamento da saúde pública. Esse serviço deveria ser realizado por meio da fiscalização de habitações particulares ou coletivas, de estabelecimentos comerciais e de saúde e de abrigo de animais, para a avaliação das condições sanitárias desses locais, com a tomada das providências cabíveis, se necessárias, incluindo a desinfecção, a intimação de proprietários e/ou inquilinos e o

estabelecimento de multas (MINAS GERAIS, 1895c). Rosen (1980) relata que a ideia de uma polícia médica, desenvolvida inicialmente para o Estado alemão do século XVIII, remete às obrigações do Estado no que se refere aos assuntos de saúde e doença da população, com a criação e implementação desse serviço por meio da regulamentação administrativa.

Como complementação da legislação sanitária existente até então, em 1898 foi promulgado o Decreto 1.145, contendo o Regulamento dos Serviços de Defesa Sanitária e Higiene Profilática (MINAS GERAIS, 1898). Essa legislação contribuiu para caracterizar e detalhar o trabalho que deveria ser feito para o combate às doenças em cada uma das instituições destinadas a esse fim, dando indícios da atuação dos enfermeiros (TEIXEIRA, 2012).

A Diretoria de Higiene foi transferida para Belo Horizonte em 1897, e em 1898 foi extinta. Como relata Salles (1997), no âmbito da administração estadual houve um longo período suprido pela contratação de médicos apenas para tarefas esporádicas, tais como vacinação na ocorrência de surtos de varíola, o que indica que a saúde ainda não era uma prioridade do Estado. Em relação à higiene na cidade de Belo Horizonte, Silveira (2007) comenta que o então presidente do estado, Silviano Brandão, nomeou Cícero Ferreira10 para o posto médico da capital. No ano de 1900, Ferreira assumiu a Seção de Higiene e Assistência Pública da prefeitura, que passou a ser o órgão responsável pelas questões referentes a salubridade e higiene na capital, tais como vacinação e revacinação da população, controle da mendicância e das manifestações epidêmicas, com determinação, inclusive, de desinfecções e de isolamento de doentes.

Em 1910 foi feita nova proposta de organização do serviço de saúde em Minas Gerais. O serviço sanitário passou a ser subdividido em uma seção estadual e outra municipal. Ao estado, cabia o estudo das questões relativas à saúde pública. Quanto à direção do serviço sanitário do estado, esta passou a ser realizada por uma repartição central, subordinada à Secretaria do Interior, compreendendo a Diretoria de Higiene (TEIXEIRA, 2012).

O século XX se inicia com sinais de que a saúde estará mais em pauta. Entre os efeitos produzidos pelo movimento em favor da saúde pública, pode-se mencionar o estabelecimento, em Minas Gerais, em 1918, com apoio da Fundação Rockefeller, do Regulamento de Saneamento Rural, que instituiu o Serviço de Profilaxia Rural no estado. Pelo acordo, a Fundação ajudaria o estado por 10 anos, com apoio decrescente ano a ano e o consequente

10 Cícero Ferreira era mineiro de Oliveira e estudou medicina no Rio de Janeiro. Veio para Belo Horizonte para

trabalhar na Comissão Construtora, tornando-se o primeiro médico da nova capital e ocupando diversos cargos na administração pública. Integrou o grupo que criou a Faculdade de Medicina de Belo Horizonte e foi o seu primeiro diretor (CAMPOS, 1961).

aumento da participação do estado, até ele assumir o controle total sobre a saúde. Chaves (2011, p. 50) informa que

[...] o Regulamento deixou clara a tentativa de mapeamento do quadro endêmico mineiro. Os serviços contemplavam a profilaxia das doenças endêmicas ou epidêmicas das zonas rurais, as aplicações de medidas de higiene, a engenharia sanitária, a difusão de preceitos de higiene e a distribuição de medicamentos necessários ao combate às endemias.

A partir desse momento, pode-se identificar um processo no qual o estado de Minas Gerais, em articulação com o poder municipal, passou a perceber a importância das medidas profiláticas na atuação contra as endemias, encarregando-se, além dos estudos e da elaboração de estatísticas, da distribuição de medicamentos e do estabelecimento de recomendações aos poderes locais, principalmente no que tange às habitações e ao padrão das edificações públicas e privadas (CHAVES, 2011).

Em Belo Horizonte, foram criados serviços para atender às demandas de saúde da população. Em relatório apresentado ao Secretário de Estado dos Negócios do Interior de Minas Gerais, o então diretor de Higiene, Samuel Libânio, apresentou o serviço permanente de higiene municipal em suas diversas atribuições. Este englobava a profilaxia de doenças transmissíveis, a inspeção médico-sanitária nas escolas, o saneamento, a estatística vital, a educação, a propaganda e a higiene infantil e escolar (LIBÂNIO, 1922).

Em 1926, foi criada a Secretaria de Segurança e Assistência Pública, que passou a ser responsável pelos serviços de segurança pública, polícia civil e militar, higiene, saúde e assistência pública, sendo transferida para essa secretaria a Diretoria de Higiene (MINAS GERAIS, 1926). Assim, a saúde saiu da esfera da Secretaria do Interior e foi criada uma nova secretaria na qual segurança e saúde estavam juntas, mais um sinal de que a saúde ainda era tratada como “caso de polícia”, mesmo com os avanços.

No final do ano de 1927, foi promulgado o Decreto 8.116, que aprovou um novo Regulamento de Saúde Pública (MINAS GERAIS, 1927) e, nessa nova estrutura, a legislação mencionava os enfermeiros e as enfermeiras, como se pode conferir na tese de Teixeira (2012, p. 166). Pelo novo regulamento, a Diretoria de Higiene passou a ser chamada de Diretoria de Saúde Pública, subordinada à Secretaria da Segurança e Assistência Pública, e para as ações de saúde pública na capital mineira foi estabelecido o Centro de Saúde da Capital (MINAS GERAIS, 1927).

Sobre a presença de enfermeiros na nova legislação, destaca-se o depoimento da enfermeira Clytemnestra Pessanha. Ela mostra que a enfermagem de saúde pública teria sido

criada quando da reorganização da saúde pública em Minas Gerais: “Em Minas, glorioso e fecundo estado brasileiro, a enfermagem de saúde pública foi criada em 1926 pelo Dr. Raul Magalhães, então Diretor de Saúde Pública. Sucedeu-lhe Dr. Ernani Agrícola, que, com seu espírito clarividente continuou a obra iniciada” (PESSANHA, 1935, p. 1).

Entre os anos de 1926 e 1930, a saúde mineira fez parte da Secretaria da Segurança e Assistência Pública. Em 1930, ela é realocada na Secretaria do Interior e o ideal de educar o povo para ter e manter a saúde começa a se fortalecer, buscando-se outras formas de atuação além do modelo impositivo policial.