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A enfermagem de “alto nível” nesse período era ditada pelo padrão da escola oficial, a EEAN, levando as demais escolas a buscarem a equiparação ao padrão Anna Nery para serem reconhecidas, no país, como escolas de enfermagem. A EECC não poderia se comportar de forma diferente, considerando o Decreto 20.109, de 15 de junho de 1931, que regulamentou o exercício da enfermagem no Brasil e fixou as condições para a equiparação das escolas de enfermagem.

Uma escola de enfermagem, para se equiparar, precisava preencher requisitos, tendo como parâmetro o padrão Anna Nery. Esses requisitos encontram-se no art. 7o, alíneas “a” e “b” do decreto:

a) disporem as escolas candidatas à mesma [equiparação] de uma organização moldada na da escola oficial padrão, especialmente no que diz respeito: à direção que será sempre confiada a uma enfermeira diplomada, com curso de aperfeiçoamento e experiência de ensino e administração em institutos similares; às condições para admissão de alunos; à duração do curso; à organização do programa desse curso;

b) disporem de hospital em que possa ser dada instrução prática de enfermagem e inclua serviços de cirurgia, medicina geral, obstetrícia, doenças contagiosas e de crianças, no mínimo de 100 leitos, adequadamente distribuídos pelos serviços mencionados, sendo a teoria e prática de enfermagem sempre dirigidas por enfermeiras diplomadas e por um prazo de tempo igual ao da escola padrão (BRASIL, 1931).46

46 Curiosamente, o Decreto 20.109, de 15 de junho de 1931, não coloca nenhum pré-requisito relacionado a saúde

pública e a estágios nesse campo. Mesmo sendo a saúde pública uma das grandes preocupações do governo, tendo inclusive motivado a criação da primeira escola para a formação de enfermeiras de “alto nível”, a EEAN,

Pelos requisitos, logo se percebe que a equiparação também foi uma luta para as diretoras da EECC. Como o ensino e os campos de prática eram necessários para a equiparação e foram nós para as diretoras Laís e Waleska na condução da EECC, a equiparação também não ocorreria com facilidade.

Para atender ao decreto, as escolas de enfermagem deveriam, após dois anos de funcionamento, solicitar a equiparação junto ao Ministério da Educação e Saúde Pública (MESP), com a descrição detalhada da organização do curso, das instalações materiais, da composição e títulos dos professores, e enviar exemplares de seus estatutos, regulamento e regimento interno. A diretora da EEAN iria, então, indicar uma enfermeira para realizar a inspeção e emissão do parecer, que poderia ser favorável à equiparação ou não (SANTOS; CALDEIRA; NASCIMENTO, 1999).

O primeiro pedido de equiparação feito pela EECC ocorreu em 1937. Em um ofício destinado ao Ministro da Educação e Saúde Pública, a diretora Laís fez a solicitação de inspeção para a equiparação. No texto desse ofício, Laís tenta mostrar que os requisitos discriminados nas alíneas “a” e “b” do art. 7º do Decreto 20.109 de 1931 foram atendidos pela EECC:

Considerando que a Escola de Enfermagem Carlos Chagas, de Belo Horizonte, Estado de Minas Geraes, a primeira Escola de Enfermagem estadual brasileira, creada pelo decreto 10.952 de 7 de julho de 1933 e inaugurada a 19 do mesmo mês e anno, vem desde essa época funccionando regularmente sem interrupção até a presente data;

Considerando que seu corpo de professores é o mais selecto que se poderia obter pois compoe-se dos illustres catedraticos e docentes das cadeiras identicas da Faculdade de Medicina da Universidade de Bello Horizonte e dos Inspetores tecnicos da Diretoria de Saúde Pública do Estado ao qual pertence a Escola;

Considerando que a Escola é dirigida por enfermeira diplomada pela Escola de Enfermeiras Anna Nery a escola padrão, com curso de aperfeiçoamento nos Estados Unidos e viagem de estudos a Europa;

Considerando que o seu corpo de enfermeiras chefes instrutoras é todo em número de 6, de enfermeiras diplomadas também pela escola padrão;

Considerando que o tempo do curso geral de enfermagem é de 3 anos obedecendo o que reza o decreto que regula o tempo mínimo dos cursos de enfermagem; […]

Considerando que a Escola funciona no Hospital S. Vicente de Paula da Faculdade e tem para uso de suas alunas os laboratórios e as instalações materiaes e didáticas dessa mesma Faculdade;

Considerando que a Escola tem ainda para pratica de suas alunas os hospitais de Pronto-Soccorro, de molestias contagiosas, os ambulatórios, dispensarios e lactarios da Diretoria da Saude Publica do Estado; [...]

escola oficial do país, o decreto de Getúlio Vargas não aborda em nenhum item a necessidade de qualquer contato com a estrutura da saúde pública no ensino da enfermagem.

Vem essa Escola de Enfermagem Carlos Chagas de Belo Horizonte, Minas Geraes, juntando inclusos os decretos e regulamentos comprovantes de sua existencia e funcionamento, de acordo com o artigo 4º do alludido decreto n 20.109, de 15 de junho de 1931, solicitar a V. Exa. sua equiparação a Escola padrão Anna Nery precedida da necessária inspecção confome preceitua o parágrafo 1o do supra aludido decreto (SOLICITAÇÃO DE

EQUIPARAÇÃO, 1937).

A inspeção ocorreu em 1938 e a equiparação foi negada. O indeferimento foi justificado por falhas e irregularidades no “corpo docente, corpo técnico, campo de aprendizagem, material didático, seriação das cadeiras, dos programas dos cursos, das fichas e histórico” (CORRESPONDÊNCIA, 1940, p. 1).

O processo registrado por escrito referente ao pedido de equiparação da EECC não discrimina as falhas e irregularidades encontradas pela enfermeira da EEAN que realizou a inspeção. De fato, a EECC não dispunha de todos os campos de prática com os critérios exigidos, e passou por dificuldades para manter o ensino teórico, mas possuía uma diretora diplomada pela escola oficial do país e instrutoras diplomadas também pela EEAN, como apontou Laís no ofício de solicitação da equiparação.

Santos (2006) discute que os critérios exigidos para a equiparação das futuras escolas de enfermagem eram extremamente rigorosos diante da situação dos serviços de saúde do Brasil, bem como do reduzido número de enfermeiras diplomadas nas décadas de 1920 e 1930. As instituições hospitalares, particularmente, encontravam-se em processo de criação e/ou de reorganização, e a maioria não possuía 100 leitos e muito menos todas as especialidades médicas exigidas.

Três anos depois, Laís Netto, já diretora da EEAN, enviou correspondência ao diretor do Departamento Nacional de Educação a fim de questionar o primeiro parecer emitido sobre a equiparação da EECC, e justificou que “a Escola poderia ter sanado [as falhas e irregularidades] se tivesse tido acesso ao parecer” (CORRESPONDÊNCIA, 1940, p. 1). Esse parecer ficou na obscuridade, e a EECC, com diversas dificuldades em seus campos de estágio, adiou a solicitação de equiparação (CORRESPONDÊNCIA, 1941). Finalmente, em 24 de março de 1942, nova inspeção foi feita e a EECC foi equiparada pelo Decreto 9.102. Com a equiparação, as egressas da EECC poderiam assumir cargos de enfermeira em qualquer localidade no Brasil, pois até então a atuação se restringia a Minas Gerais. A equiparação da EECC ocorreu com um atraso de 5 anos em relação ao que era pretendido. Santos (2006) defende que o que certamente causou a morosidade desse processo, apesar das adequações às materialidades das práticas escolares promovidas pela EECC, foi a dissonância entre, de um

lado, as representações construídas sobre a escola e suas práticas, e de outro, as exigências legais.

Segundo Waleska Paixão, Laís Netto foi a incentivadora da equiparação: “Quando D. Laís me viu Diretora da Escola, me telefonou e disse: ‘Agora você peça inspeção outra vez que eu vou mandar uma pessoa aí e vocês vão conseguir’. Então, assim fizemos e a Escola foi reconhecida” (PAIXÃO, 1988, p. 6). A fala sugere que Laís teria ajudado ou mesmo privilegiado sua sucessora na conquista da equiparação enviando “uma pessoa” que provavelmente seguiria os seus comandos em favor da equiparação da EECC.

Waleska relata ainda que a EEAN “era muito ciosa de sua... [...] capacidade, de seu... de sua altura... de... seu nível e não favorecia muito se abrisse outras Escolas” (PAIXÃO, 1988, p. 4).47 Assim, na primeira tentativa de equiparação, em que a EECC não obteve êxito, as causas podem ter sido as muitas dificuldades enfrentadas, mas também a equiparação pode não ter ocorrido pelo fato de a EEAN não ter interesse em equiparar outras escolas, a fim de se conservar como a única escola com alto padrão de ensino de enfermagem no país.

Entende-se que não há apenas um fator que culminou no atraso da equiparação da EECC. Além de um padrão difícil de ser seguido para aquela época, havia a falta de posicionamento do governo do estado de Minas Gerais em relação aos problemas enfrentados pela EECC e o possível interesse da EEAN em não ceder a equiparação a outras escolas de enfermagem.

3.4 LAÍS NETTO, WALESKA PAIXÃO E O GOVERNO DO ESTADO DE MINAS GERAIS: