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1.2. O processo de modernização e a cultura política

1.2.2 A modernização política e os meios de comunicação

Um dos aspectos relevantes, dentro do processo de modernização na política, diz respeito às dificuldades de encaminhar a legitimidade da dominação política às sociedades integradas de maneira massiva, pela formação de grandes identidades nacionais, no contexto de expansão do modelo de Estado moderno e do capitalismo. Isto trouxe a preocupação de meios técnicos compatíveis à

1 Trechos deste capítulo com acepções de conceitos significativos para a construção teórica do autor, e para

comunicação em grande escala, bem como, a discussão do tipo de linguagem adequada.

Na esteira do processo de especialização em esferas da vida social, nas sociedades ocidentalizadas, um dos efeitos da modernização na política, sob a distinção   objetiva   de   elite   e   públicos   de   massa,   foi   a   necessidade   de   “mediação”   comunicativa. O aproveitamento dos saltos tecnológicos na área da comunicação de massa, durante o século XX, determinou alterações profundas na forma de fazer e ver a política, mexendo no processo de socialização devido à larga utilização dos meios eletrônicos, principalmente a partir do uso massivo do recurso televisivo (SCHMIDT, 2000, p. 72).

A mídia eletrônica passou a ser objeto de consideração como agência de socialização relevante, em países do centro capitalista, a partir da década de 1960. Nas regiões periféricas, pós a década de 1980, embora, no Brasil, a ditadura militar- civil tenha se empenhado em dotar o país com uma rede integrada de televisão, desde os anos 1970, sendo parte de seu projeto de legitimação.

Luís Felipe Miguel (2002) observa a importância da TV pela revolução que causou na vida social, em particular na política, introduzindo, nas relações entre elites   políticas   e   eleitorado,   um   grau   de   intimidade   e   um   “apelo   imagético”   que   já   vinha do cinema e do rádio. Segundo ele, de modo geral, a Ciência Política reconhece a existência do fenômeno, mas não lhe dá importância, tratando os meios de comunicação como elementos neutros. Por outro lado, muitos cientistas da comunicação exagerariam, entendendo a política como totalmente colonizada pela mídia, a ponto de se tornar mero espetáculo. Ele ressalta, ainda, a centralidade da mídia na política contemporânea, por ampliar as possibilidades de exposição dos políticos ao público de massa, inclusive de suas debilidades, devido a abundância de informações. Quanto a um eventual potencial negativo da mídia TV, por isolar as pessoas na sua privacidade e diminuir as possibilidades da confiança interpessoal – logo, de uma vida cívica – e, mesmo, pela exploração demasiada de escândalos, pondera que muito dessas expectativas negativas tem a ver com uma visão elitista da política, vendo a TV como obstáculo   para   uma   “boa   política”,   dos   debates   acalorados e disputa de voto corpo-a-corpo. Segundo Miguel, muitos dos problemas viriam da massificação da sociedade moderna, com dificuldades de expressar demandas coletivas.

Aplicando referenciais de Bourdieu1 (1990) em suas análises, Miguel sintetiza alguns aspectos interessantes de sua visão: (a) a mídia seria um local de representação de diversas manifestações do mundo social na política, havendo o risco dos representantes autonomizarem em demasia suas atuações; (b) apesar das inter-relações, vê o campo político e o campo da mídia – referindo-se a mídia privada – como universos com leis próprias; (c) registra, também, a relação entre mídia e capital político, na perspectiva de capitais que podem ser reconvertidos, determinando possibilidades de sucesso na política, pela celebridade midiática e pela fragilidade dos partidos políticos; (d) chama atenção para as possibilidades de a mídia pautar o que seria importante em política, determinando agenda; (e) outro ponto, seria a busca pelo fato político, como acontecimento que sensibiliza e produz efeitos para os agentes políticos. Numa afirmação significativa para o tema em pesquisa,  Miguel  (2002,  p.  180)  observa:  “como  hipótese  geral,  é  possível  dizer  que,   quanto menor o volume de capital político [de um representante político] – ou quanto mais marginal for a posição no campo político –, maior a dependência em relação à mídia”.  

A equação entre capital político e dependência midiática, aludida por Luis Felipe Miguel, nos remete a questão das performances e do espetáculo como linguagem discursiva da política contemporânea.

Rubim  (2001)  esclarece  que  o  “espetáculo”,  na  origem  semântica  latina  visto   como algo que atrai, prende o olhar e atenção, tem uma relação histórica com a atividade política, sendo parte constitutiva do processo civilizatório e do agir humano. As pirâmides do Egito seriam um exemplo do esforço pela “espetacularidade”  (realizada  e  possível)  para  legitimar  o  poder  político.  Buscando  a  

1 Para Bourdieu, os condicionamentos materiais e simbólicos agem sobre nós (sociedade e

indivíduos) numa complexa relação de interdependência. Ou seja, a posição social ou o poder que detemos na sociedade não dependem apenas do volume de dinheiro que acumulamos ou de uma situação de prestígio que desfrutamos por possuir escolaridade ou qualquer outra particularidade de destaque, mas está na articulação de sentidos que esses aspectos podem assumir em cada momento histórico. Na sua tese é central o conceito   ‘capital social’, visto como o conjunto dos recursos reais ou potenciais que estão ligados à posse de uma rede durável de relações mais ou menos institucionalizadas de interconhecimento e de inter-reconhecimento mútuos. Para maior entendimento ver BOURDIEU, P. A Economia das Trocas Simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 1974; BOURDIEU, P. Questões de Sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983; BOURDIEU, P. O capital

social – notas provisórias. In: CATANI, A. & NOGUEIRA, M. A. (Orgs.) Escritos de Educação.

atualização do termo, numa sociedade contemporânea estruturada em rede e ambientada   pela   mídia,   o   pesquisador   faz   a   transdução   de   um   “sentido   de   espetáculo”   como   expressão   de   uma   situação   histórica   em   que   a   “mercadoria   ocupou   totalmente   a   vida   social”   (DEBORD,   1997   apud   RUBIM, 2001. p. 2). Espetáculo, mercadoria e capitalismo, seriam elos de um sistema de vida, numa visão contemporânea de sociedade capitalista em que a convergência da comunicação e da informação, pela mídia de ponta, singularizaram o setor como área privilegiada de inserção social. Noutro sentido, espetáculo identifica a separação entre o real e a representação na contemporaneidade, com as imagens tendo lugar privilegiado no âmbito das representações. Para Debord (apud RUBIM, 2001,   p.   2)   “O   espetáculo,   como tendência a fazer ver (por diferentes mediações especializadas) o mundo que já não se pode tocar diretamente [nas distâncias como fato], serve-se da visão como sentido privilegiado da pessoa humana''.

Noutra leitura, como diz Rubim, interpretando Castoriadis e Arendt (RUBIM, 2001, p. 5), a modernização da política pode ser vista como uma interdição ao uso da violência como recurso principal, levando às estratégias de convencimento, sensibilização, argumentação, ou seja, à reivindicação lícita, aceita na busca da hegemonia política. Assim o espetáculo, no passado uma demonstração concreta e suntuosa do poder, experimenta uma nova dimensão: ser produzido como modo de sensibilização política e construtor de legitimidade política. Não sendo estranho à política, portanto, mas parte dela com sentido, hoje, deslocado. Ele ainda chama atenção   para   dimensões   inerentes   da   política   “como   acionamento   sempre   combinado e desigual das dimensões emocionais, cognitivas e valorativas, estéticas e   argumentativas”   (RUBIM,   2001, p. 6), onde o espetáculo aparece como uma possibilidade   de   realização.   Assim,   segundo   ele,   a   “política   não   se   realiza   sem   o   recurso às encenações, aos papéis sociais especializados, aos ritos e rituais determinados”  (RUBIM,  2001,  p.  6).

Só na modernidade, na verdade, o espetáculo passa a ser inscrito nos campos cultural e de mídia, como decorrência de autonomização das esferas sociais, pois antes era concentrado nas áreas da religião e da política, como apanágio da tradição, o que não deixa de constituir-se em ironia quando relacionado ao caso de cassação examinado.

Como se vê, o uso dos meios de comunicação constitui uma ferramenta decisiva na política atual. Desde seu desenvolvimento foi, progressivamente,

assumindo um papel central na definição das elites políticas. Tem ares de institucionalidade, na medida em que define padrões de interação entre eleitores e representantes políticos, sendo que num ano eleitoral, como o do caso em estudo, com acesso a uma TV legislativa local, constitui um recurso de expressão valioso para os membros de uma elite legislativa municipal. Contundo, é necessário atentar para o fato de que o acesso à mídia acaba se comportando como uma variável interveniente, de uso generalizado, que tanto pode ser usado para promover o novo, como para referendar o velho, desqualificar o modernizante e/ou legitimar o tradicional, dependendo do arranjo de forças políticas ou, mesmo, da capacidade de retórica.

Este crescimento em importância da mídia, na política, experimenta uma situação especial   em   época   de   campanhas   eleitorais.   “Este   novo   cenário   obriga   a   política e as eleições a se deslocarem das ruas, praças, parlamentos, etc., [indo] para  as  telas,  tomadas  como  metáforas  de  espaços  eletrônicos”  (RUBIM;;  COLLING,   2006, p. 03). Porém, para representantes políticos com assento parlamentar, o cuidado com a mídia televisiva e a campanha eleitoral pode começar antes e ser, inclusive, cotidiano, na exposição diária oportunizada em municípios, como Pelotas, que contam com TV legislativa. Nesse caso, tem especial relevância, também, as formas de linguagem discursiva que implementam.

Foi nos anos 90 que a televisão foi incorporada como possibilidade permanente de mediação comunicativa nos legislativos, partindo da TV Assembléia Legislativa de Minas Gerais, em novembro de 1995, seguida pela TV Senado, a partir de fevereiro de 1996, e pela TV Câmara dos Deputados, em 1998.

Conforme Santos (2006), o termo TV Legislativa, TVL, é usado para caracterizar um conjunto de programação áudio visual, cuja produção/ transmissão seja controlada pela mesa diretora de uma casa parlamentar, que tenha as atividades do parlamento como a principal temática de seu conteúdo e seja transmitido em massa para ser recebido de maneira regular por aparelho de televisão doméstico. Em algumas regiões de Estados da federação, há um compartilhamento de um mesmo canal entre as programações do Senado, da Câmara Federal, da Assembléia Legislativa e/ou da Câmara Municipal, em horários alternados, com transmissão por cabo ou livre. Normalmente, o funcionamento das TVL’s,  no  Brasil,  apresenta-se regulado por uma legislação mínima, gerenciamento de conteúdo por agentes pertencentes aos quadros da Casa legislativa, produção e

transmissão de programação terceirizada, com custo médio de até 2% do orçamento do legislativo.

Em tese sobre o impacto dos meios de comunicação sobre o comportamento parlamentar, focando em TV legislativa, Márcia de Almeida Jardim (2008) vê uma relação não mediada entre representantes políticos e massa de telespectadores através   do   conceito   de   “mídia   da   fonte”   (SANT’ANNA,   2006   apud   JARDIM, 2008), ou seja, uma produção e veiculação de mensagens realizada pelas próprias fontes de informação, retirando parte do monopólio informativo da imprensa privada tradicional ou de outros meios, que abrangem revistas, jornais, rádio, televisão comercial, meios de internet. Para ela, essa relação de mediação aproximaria representante e representado, diluindo as fronteiras entre o público e o privado, possibilitando mecanismos de accountability – a necessária prestação de contas aos cidadãos e aos órgãos de controle –, contribuindo na formação do cidadão e no comportamento responsivo dos representantes no exercício do mandato. Contudo, a falta de transparência nos gastos das TVs legislativas, o modelo de gestão, ausência de um conselho editorial e de garantias de continuidade administrativa, além do fato do processo de nomeação para o cargo de diretor ser, geralmente, de confiança do diretor das Casas legislativas e sem exigência de um plano de trabalho, representam limites importantes para o potencial de accountability da TV legislativa brasileira.

Essa reflexão chama atenção para outra dificuldade dos processos de modernização, inclusive os mais contemporâneos: um descompasso entre as possibilidades de formação, mais especificamente, dos públicos de massa e a quantidade de informações que lhes chegam. Esta ausência de sincronia provoca questionamentos sobre a efetivação da modernidade. Postula-se o conceito de modernidade como um tipo ideal que orienta todas as sociedades a ele vinculadas, mas  que  não  se  estabelece  por  inteiro,  antes,  se  dá  por  “saltos  de  modernização”.   Eles mexem com as estruturas sociais. No sentido de compreender os fundamentos maiores que orientam as ações políticas de uma elite legislativa local, é necessário entender como ocorreu o processo de modernização brasileiro, estendido, com particularidades, aos níveis de cada localidade.