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1.5 Pelotas e os fatores histórico-estruturais

1.5.1 O legislativo pelotense e a dualidade político-cultural

Já na redemocratização de 1946, mais precisamente nas eleições de 02 de dezembro de 1945 para a Câmara Federal, os candidatos pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB) receberam em Pelotas, o dobro de votos, percentualmente, em relação à votação no Estado, ou seja, 12,2 % contra 6,4 % no montante estadual (FETTER JR., 1985; p. 121). Num salto para a década de 1970, demarcando

inclinações democratizantes, na última eleição com bipartidarismo e sob regime autoritário, o partido de oposição (MDB) fez 11 cadeiras (maioria no legislativo local), além de eleger o prefeito municipal, Irajá Andara Rodrigues. (BARRETO, 2009a, p. 5)

Na virada dos anos 1980, o clima de redemocratização, vivido à época, produziu seus efeitos no legislativo pelotense. Araújo (2008), em Sistema Partidário

em Pelotas (RS): organização, eleições e trocas de legenda (1979-2004), fala do

processo de reorganização partidária entre 1979 e 1982, recuperando a história dos efeitos da reintrodução do pluripartidarismo na CMP. O texto, de modo geral, revela as preocupações e incertezas, com relação ao futuro político, determinando a escolha de novas legendas partidárias pela elite legislativa local. Na mesma obra, Lima (2008) em A Dança das Cadeiras: a migração partidária na Câmara de

Vereadores de Pelotas, no período 1982-2004, aponta que a maior parte das

migrações partidárias ocorreu dentro do mesmo espectro ideológico, ou seja, entre vereadores caudatários da herança política do bipartidarismo, excetuando um vereador que deixou o bloco oriundo da antiga Aliança Renovadora Nacional (ARENA) para ingressar no Partido Socialista Brasileiro (PSB).

Uma forma de observarmos os efeitos democratizantes de uma cultura política dual seria identificar na produção legislativa, por exemplo, os eventuais avanços produzidos pelo contexto de retorno da democracia e, em especial, os avanços inspirados pela cultura de igualdade e soberania popular materializada na Constituição  “cidadã”  de  1988.  

Neste sentido, em lei de nº 3272, de 26 de dezembro de 1989, foi extinto o Fundo de Previdência da Câmara Municipal de Pelotas, sendo que o art. 2º da lei determinava que 50 % do fundo depositado deveriam retornar aos cofres públicos. Os outros 50 % seriam destinados a entidades que aprouvessem aos titulares das cotas; já, em 13 de outubro de 1995, a Lei Orgânica Municipal (LOM) foi alterada, no seu art. 69, para disciplinar as sessões ordinárias em três sessões semanais, no mínimo, instituindo que as sessões extraordinárias, convocadas regimentalmente, não seriam remuneradas; no mesmo ano, em 8 de dezembro de 1995, a LOM foi emendada no seu art. 70, determinando, no parágrafo 3º, que todas deliberações da CMP seriam feitas por voto aberto, não sendo permitida a votação secreta. Este último registro representa um avanço democrático que não encontra eco em

diversos parlamentos brasileiros, inclusive no Congresso Nacional, que ainda mantêm votações secretas.

Na lógica do dualismo cultural é necessário observar, também, elementos que, de alguma maneira, possam predispor à manutenção de traços de cultura política tradicional.

Barreto (2009) ao analisar fenômenos da reeleição, renovação, desistência e reapresentação de vereadores para a Câmara de Pelotas, entre 1982 e 2008, recupera aspectos importantes relativos à elite legislativa pelotense, em particular, da legislatura em que ocorreu o processo de cassação do vereador Cururu. Referido-se a parlamentares que buscam de maneira continuada um novo mandato – reapresentação –, Álvaro Barreto salienta que a grande maioria dos vereadores de Pelotas se ‘reapresenta’ (80 % ou mais, para 68 % na Câmara dos Deputados), e a redução das cadeiras naquela legislatura (de 21 para 15) não tinha alterado o quadro. Observa que, para Figueiredo e Limongi (1996 apud BARRETO, 2009) a proporção de candidaturas à reeleição pode ser tomada como indicador do valor do mandato parlamentar. Porém, o pesquisador acredita que no caso pelotense, mais do que apreço, se trata de menor elenco de opções para continuidade da carreira e maior dificuldade para alcançar a ascensão política. Afinal, as perspectivas, para um vereador, são limitadas em termos de nomeação de cargo público em esfera estadual ou federal, já que está no chamado  “marco  zero  da  política”.  

Apoiado em dados empíricos, Barreto é categórico ao dizer que a reapresentação se dá em função da dificuldade que os vereadores de Pelotas têm de ascender politicamente, pois a maioria deles não consegue fazer a transição a etapas superiores na carreira política, sendo colocados ciclicamente entre a possibilidade de continuar, ou não, na esfera política. (BARRETO, 2009, p. 189). Assim,

A decisão estratégica que os legisladores fazem em relação ao cargo [...] é orientada principalmente por uma auto-avaliação do desempenho no cargo e das chances de ter êxito nas eleições [...] não são apenas pelas compensações. (LEONI, PEREIRA, E RENNÒ, 2003 apud BARRETO, 2008)

Outra questão apurada, pelo pesquisador, refere-se ao fato de que a quase totalidade dos que deixaram a CMP, ao tentarem retornar, não lograram um novo mandato. Logo, não renovar o mandato pode significar o término da carreira política

para os vereadores pelotenses (BARRETO, 2009, p. 198). Daí, ele conclui ser esta uma das razões para a Câmara de Pelotas ter carreiras tão longevas, valendo, inclusive, para a legislatura alvo da pesquisa. Naquele período, mais da metade dos vereadores estava, no mínimo, no terceiro mandato consecutivo. Senão, vejamos: por ordem decrescente, Mansur Macluf do Partido Progressista (PP) tinha nove mandatos, 40 anos de Câmara; Adalim Medeiros do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) estava no sexto mandato; Milton Martins do Partido dos Trabalhadores (PT) e Otávio Soares (PSB) exerciam o quinto mandato; Ivan Duarte (PT), Pedro Godinho (PMDB) e Ademar Ornel do Democratas (DEM), já contavam com quatro mandatos e Idemar Barz, do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), estava no terceiro. Todos se enquadram na definição de vereador profissional, segundo categorização de Carine Leal (2010).

A permanente reeleição, de um número significativo de vereadores, revela um grupo que controla recursos eleitorais seguros. Capitais políticos que os manteria a salvo de um possível aumento de espaço político ocupado, por exemplo, por eventuais outsiders ou, relembrando, pretendentes a mandato parlamentar sem carreira política prévia, ou muito curta, segundo Marenco (1997; 2000 apud BARRETO, 2009).

Nesse controle das possibilidades de reeleição, um fator importante, para os já membros do legislativo local, foi o espaço de mídia criado pela TV Câmara de Pelotas, em 1998. Matéria do Diário Popular de Pelotas, de 22 de julho de 2013, reafirmava um problema comum a emissoras institucionais, presente na TV Câmara local: não ter um quadro diretivo de carreira, o que possibilita o atrelamento político dos cargos da equipe de coordenação, que são de escolha da Mesa Diretora da Casa. Na CMP, a cada nova legislatura, uma equipe nova assume a coordenação comprometendo a continuidade e identidade da emissora, o que pode se refletir em termos de aprimoramento democrático, sentido maior da mídia legislativa.

A questão do uso da mídia, por um pretendente à elite legislativa sem acesso a TV institucional do legislativo local, foi muito bem trabalhada, em 2004, pelo então candidato a vereador Cláudio Insaurriaga.