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1.5 Pelotas e os fatores histórico-estruturais

1.5.2 Cururu: de fenômeno de mídia a vereador

Cláudio Roberto dos Santos Insaurriaga, o Cururu, artista popular e restaurador de móveis, ganhou notoriedade nacional nas eleições para o legislativo pelotense,   em   2004.   Rotulado   de   candidato   “bizarro”   pela   imprensa,   sem   apoio   financeiro para a campanha a vereador, soube utilizar os poucos recursos de mídia que dispunha. Recorrendo a uma linguagem que misturava críticas às práticas políticas tidas, pelo senso comum, como normais na política brasileira, muito humor, e exposição de suas necessidades materiais imediatas, conseguiu identificação com uma parcela significativa do eleitorado. Cururu foi o quinto candidato mais votado para a Câmara Municipal de Pelotas, concorrendo pela coligação formada pelo Partido da Frente Popular (PFL) – que, em 2007, passou a denominar-se Democratas (DEM) – e pelo Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB). A filiação, e candidatura, pelo PFL causaram estranheza para quem o conhecia como pioneiro do movimento ambientalista na cidade, desde o começo da década de 1980, identificando-o como militante do PT, legenda pela qual chegou a ser candidato a vereador.

O pensamento acadêmico, instado pela imprensa à época da eleição, reagiu com ceticismo aos 4.643 votos de Cururu, o mais votado de sua coligação. Para Renato Della Vechia, cientista político e professor da Universidade Católica de Pelotas   (UCPel),   “ele   teria   recebido   votos   de   protesto e de ironia, criando um personagem, teria conseguido competentemente explorar o descrédito da população para  com  a  classe  política”  (DP,  5/10/2004).  Na  mesma  linha,  o  também  professor  e   cientista político do Instituto de Sociologia e Política da Universidade Federal de Pelotas (ISP-UFPel), Álvaro Barreto, foi mais duro:

Sua estratégia foi inteligente, mas talvez o eleitor é que não tenha sido o mesmo, embora honesto[...]. O eleitorado dele não espera nada, não tem expectativa alguma com seu desempenho na Câmara. Acreditou na afirmação de que ele pretende resolver os próprios problemas. (BARRETO, DP, 5/10/2004)

É importante ressaltar que as avaliações dos dois especialistas foram feitas no calor dos acontecimentos. Numa opinião provocada pelo imediatismo da informação jornalística, podem ter se detido na valorização da mensagem midiática

de Cururu, que, por outro lado, pode ser interpretada como tendo a finalidade específica de driblar as dificuldades, se fazer reconhecer, e conquistar votos.

Em manifestações nas sessões da Câmara Municipal de Pelotas, e pela imprensa, o próprio vereador Cururu recuperava um pouco de sua trajetória pessoal, profissional e política. Apresentava-se como um dos oito filhos de um motorista pobre que, em 1976, teria tido aquilo que, para muitos, seria a grande oportunidade da vida: ser funcionário da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), como gráfico, recebendo 16 salários mínimos da época.

Desgostoso com o trabalho deixou Pelotas, indo para o Rio de Janeiro tentar a carreira de artista, já que era músico. Lá, no final da década de 1970, iniciou sua trajetória política militando no MDB. Desde 1976, segundo suas palavras, se interessava pela causa ambiental. Em Magé (RJ) teve participação ativa na Associação Mageense de Proteção Ambiental, chegando a entrar em conflito com madeireiros da região.

De volta a Pelotas, em 1982, ajudou a fundar o PSB na cidade, sendo que de 1984 a 1992, foi presidente da Associação Pelotense de Proteção ao Ambiente Natural. Em 1985, assumiu a presidência do Conselho Municipal de Controle Ambiental. Dizendo-se discípulo do ecologista José Lutzemberg, com ele fez diversos cursos de preservação ambiental e manuseio de plantas.

Em 1987, filiou-se ao PT e foi candidato a vereador em 1988, militando no partido até 1999. Em protesto pelos rumos políticos da agremiação, principalmente em Pelotas, saiu do partido e afastou-se da política partidária. Em 2004, aceitou o convite para concorrer pelo PFL, segundo ele, sem nenhum vínculo maior com as propostas da legenda. Depois de atritar-se com lideranças do partido por diversas vezes, e chegar a concorrer a deputado federal pelo PFL, em 2006, deixou o partido. No mesmo ano, no começo de novembro, ingressou no Partido Verde (PV). Mesmo após a cassação, concorreu sob recurso jurídico nas eleições de 2008 à CMP, sendo o quarto candidato mais votado, com 5692 votos1. Só não conseguiu uma

cadeira pelo fato de sua legenda não atingir o coeficiente eleitoral.

Assim, o resumo da trajetória política do vereador Cururu revela um agente político institucional que, antes de sê-lo, já era um militante político com um histórico de lutas em movimentos sociais dentro, e fora, de Pelotas, de vinculação e atuação

em agremiações político-partidárias, apesar de repetidos rompimentos. Não casa, portanto, com um possível qualificativo de político outsider, ou mesmo, de apenas um   “candidato   bizarro”   promovido   pela   mídia   nacional.   Quanto   à   questão   da   representação política, a complexidade da política contemporânea, o descrédito de instituições típicas da modernidade, como partidos políticos, permite postular um quinhão representativo, de descrentes no atual processo político, que pode amparar uma voz destoante. Esta leitura não seria extemporânea, nem inédita. José Murillo de Carvalho (1987), ao referir-se sobre a participação política da população do Rio de Janeiro do início da República – tida  como  apática,  alienada,  “bestializada”  – via traços de astúcia, de atitude pragmática e cínica diante do poder. A “omissão por opção”,  segundo  Carvalho, revelaria a sabedoria de quem desconfiava do formal, de quem perceberia que os direitos da cidadania não existiriam de fato, justificando a “carnavalização”   da   política.   Quem   sabe,   numa atualização local, materializada no espetáculo, e no palhaço.

As noções e categorias, desenvolvidas até aqui, procuraram mapear os condicionantes que estruturaram a possibilidade do legislativo pelotense reunir juízos para chegar ao ato de expurgar, de seu convívio, um de seus membros. Para tal, o grupo legislativo acionou a figura do decoro parlamentar, entendido como reflexo de um conjunto de normas e valores que regulam o comportamento do individuo político em sociedade e, também, em relação aos demais indivíduos.