• Nenhum resultado encontrado

1.3 A cultura política e o recente ciclo de modernização brasileiro

1.3.1 O último ciclo de modernização política: a redemocratização

O último ciclo de modernização política brasileira, que culminou no contexto dos anos oitenta do século passado com a redemocratização e a formulação da Constituição Federal de 1988, pode ser interpretado como resultado de uma síndrome de fatores externos e internos de modernização, na política e na Administração Pública, que ensaia uma proximidade fronteiriça à ideia de modernidade. Afinal, houve uma preocupação de modernização estendida a todas as esferas da vida social. No resgate da dimensão social como preocupação efetiva do último ciclo de modernização política, a cultura de modernidade se manifesta na estruturação do Estado Democrático de Direito, através do art. 1º da CF, a chamada “Constituição   cidadã”,   que   expressa   a   soberania   do   povo   a   ser   observada pelos representantes   políticos.   Uma   constituição   escrita   que   reflete   o   “contrato   social”   estabelecido pelos membros de toda a coletividade e que, para agentes políticos estatais, serve de orientação imperativa em todo o seu agir, em todos os momentos e, em particular, nas funções designadas normativamente pelo sistema político. A essa   “torrente   democratizante”   se   teria   que   opor   uma   resistência   político-cultural tradicional, sobrevivendo, muitas vezes, de maneira velada numa cultura política de orientação dúbia, dual.

Segundo José Álvaro Moisés (1995), a cultura política dos brasileiros, contemporaneamente, seria mais bem caracterizada como ambivalente. Fruto, por um lado, do amadurecimento político pela experiência com o regime autoritário recente, revelando, em variados momentos, um claro apoio a democracia; no entanto, a manutenção das desigualdades econômicas, a incompletude do processo de modernização e, até mesmo, a insuficiência de resultados das ações de lideranças políticas, teriam conduzido, por outro lado, a uma descrença nas instituições democráticas por parte da população. Esta ambivalência temperaria a cena política nacional. Porém, em ações políticas de elite, como no caso em pauta, os atores políticos fazem opções que definem matizes político-culturais claras, associadas a referenciais, predominantemente, modernos ou tradicionais.

Afora isso,   a   noção   de   “dualidade   cultural”   em   disputa   nos   ciclos   de   modernização que atingem o Brasil, pode ser apreciada na revisão de trabalhos interpretativos sobre a última redemocratização, feita por Schmidt (2000), que buscavam avaliar o apoio da população ao sistema democrático. O pesquisador, a partir   de   um   conjunto   de   estudos   que   entende   como   “otimistas”   relativamente   ao   padrão atitudinal dos brasileiros com relação ao regime (LAMOUNIER;SOUZA, 1991;;   MOISÉS,   1995),   e   outro   visto   como   “cético”   (AVRITZER,   1995;;   BAQUERO,   1994;;  SANTOS,  1993),  conclui  que  “temos  hoje  no  Brasil  uma  cultura política híbrida ou dualista, em que se mesclam atitudes democráticas, autoritárias e atitudes de apatia   e   distanciamento   das   instituições   políticas”   (SCHMIDT,   2000,   p.   167),   não   tendo um padrão atitudinal e valorativo congruente sob o ponto de vista de apoio à democracia. Existiria um apoio difuso ao sistema democrático e, ao mesmo tempo, um sentimento de desconfiança com relação às instituições políticas ou às possibilidades de protagonismo político da sociedade, bem como, de mudança no padrão das relações políticas do cotidiano.

Para as elites políticas, o dado mais relevante é a desconfiança atitudinal dos cidadãos comuns recolhida nas pesquisas de maneira, praticamente, consensual. Elas, necessariamente, consideram esse referencial em seus processos de atuação nas múltiplas dimensões da vida social.

Outro ponto interessante, que emerge das discussões anteriores, seria de natureza, aparentemente, semântica. Schmidt equipara a ideia de dualidade, ou equivalência entre um todo formado por duas partes, à de hibridismo, mistura de elementos diferentes que formam um terceiro. Numa adequação à proposta de

trabalho, opta-se pela ideia de dual, entendida como a coexistência de princípios opostos, de tradição e de modernidade, numa mesma cultura política. Entende-se que no caso em análise, não caberia, também, o conceito de ambivalência de cultura política, de Moisés, porque os agentes políticos ao agirem em situações cruciais fazem opções de porções, ou campos distintos, de cultura política (moderna ou tradicional). Eventualmente, se pode referir cada uma destas porções como cultura política moderna, ou cultura política tradicional, para demarcar a sua essência. Assim, um exame mais prolongado de situações nos permite concluir se o comportamento de determinado agente político foi, predominantemente, moderno ou tradicional.

Ambientar politicamente o caso de cassação do vereador Cururu, na contemporaneidade, significa resgatar a época que contribuiu decisivamente para formulação do modelo político hoje dominante no país e, na medida do possível, o espaço regional que, de acordo com o histórico de vivências estruturais e institucionais, configura a subcultura política que o envolve. Praticamente, todos os analistas políticos destacam o período da redemocratização, em meados da década de 1980, como fundamental para construção do ambiente político-institucional que hoje vige, considerando a promulgação da Constituição brasileira de 1988, um momento singular de inflexão nas formas de repensar a sociedade brasileira. No tocante à política, correspondeu à institucionalização de novos atores políticos, com o protagonismo da sociedade civil através de movimentos sociais, Organizações Não Governamentais (ONGs), Conselhos Gestores Municipais (CGMs), elevados estes à condição de parceiros do Estado na condução das políticas públicas, influenciando direta, ou indiretamente, na administração. Segundo Pinto (2011), há uma vasta literatura que discute a ocorrência de novos espaços públicos pós- Constituição de 1988, com possibilidades de empoderamento de camadas populares, nas chamadas esferas públicas, onde a participação da sociedade com protagonismo é a tônica (SOUZA SANTOS; AVRITZER, 2002; DAGNINO; TATAGIBA, 2007 apud PINTO, 2011). A ideia central era inverter a lógica da gestão pública, democratizando-a através da discussão com os novos atores políticos, exigindo participação maior da sociedade e descentralização decisória. Tudo isso conduzindo a uma administração mais transparente e eficiente, que ouviria as demandas da população e precisaria prestar contas de seus atos. A temática de participação e descentralização aparecem como símbolos dessa nova gestão

pública a ser buscada por todos, em especial, no âmbito local. Para isto, colaborava a influência de debates que ocorriam, à época, em países centrais – e que aqui repercutiam – sobre o fim dos modelos clássicos de participação política e de Estado propositivo de políticas públicas, dando base para formulação de novos mecanismos de intermediação de interesses entre Sociedade e Estado.

Para muitos, no entanto, estas transformações teriam sido concebidas num quadro de crise. Diante da incapacidade em resolver a crise social e econômica, as pressões, exercidas sobre os últimos governos autoritários, conduziram a uma convicção de que era preciso mudar o perfil da gestão pública, de inspiração centralizadora e hierarquizada.

Para os municípios, o novo desenho institucional trouxe novas atribuições. O nível local ganhou importância, não só por ser um ente federado à União e aos Estados subnacionais, com relativa autonomia política, jurídica e administrativa, mas por ser palco da efetiva materialização das políticas públicas, guindado a promotor do desenvolvimento, seguindo uma tendência internacional no sentido da, como já se disse, descentralização e da promoção da eficiência local. Assim, ganharam importância os parlamentos locais, pois estes tornaram-se responsáveis, por exemplo, por fiscalizar políticas públicas de impacto direto na vida dos cidadãos.