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1.3 A cultura política e o recente ciclo de modernização brasileiro

1.3.3 Os Valores Modernos nos princípios e funções institucionais

A separação das áreas de ação humana na modernidade, que implicou em especialização progressiva e hierarquização de prioridades para agentes públicos, não autoriza um distanciamento absoluto. Conforme Di Pietro (2005), agentes públicos que participam da estrutura de Estado na condição de agente político eleito – como é o caso de vereadores –, precisam observar uma normatividade, que perpassa o exercício de suas funções institucionais, inspirada em princípios que são valores “fundamentais   éticos,   sociais,   políticos   e   de   justiça,   representadores   dos   anseios,  necessidades  e  realidades  sociais  num  determinado  momento  histórico  [...]”   (CARLIN, 2004, p.65). Estes princípios, entendidos como fruto de uma cultura de modernidade, que foi salientada nas discussões do último período de redemocratização, se materializaram em normas, presentes na CF de 1988. Eles transcendem a esfera da Administração Pública e servem, nesta pesquisa, de referenciais para avaliar o comportamento dos membros da elite legislativa local nas interações sociais que desenvolvem com atores, sociais e políticos, diversos, bem como, nas inter-relações de grupo e no cumprimento das funções institucionais.

A racionalidade oriunda do espírito da modernidade, que busca equalizar e universalizar procedimentos nas relações sociais, se manifesta em cinco princípios constitucionais entendidos como valores acolhidos e observados pela CF. Os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência são regras absolutas para todo agente estatal, funcionando, para agentes políticos eleitos, como orientações do tipo de conduta desejável para o aprimoramento da

vida social e política. São princípios da Administração Pública ocidental que atingem o espaço local. No caso dos membros de legislativos locais, os atos administrativos internos, os posicionamentos e avaliações nas inter-relações cotidianas e ações políticas, devem pautar-se pela sua observância permanente, dentro de uma perspectiva de contrato de adesão – simbolizado na cerimônia de posse do mandato – com o sistema democrático moderno que lhes dá legitimidade de atuação, sob pena de descambarem para os vícios de uma cultura política desvirtuada, associados à tradição. Num país onde a modernidade foi sempre levada à sociedade por normatização tutelada pelo Estado, a observação da juridicidade dos atos dos agentes políticos é pertinente para avaliação, quanto a sua adesão, a um determinado padrão de cultura política.

Como principio jurídico básico da Administração Pública, o princípio da legalidade impõe, aos membros de um legislativo local, agir exclusivamente dentro de uma previsibilidade de lei. A preeminência da lei remete a modernidade na sua origem, na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, como uma forma de garantir os direitos individuais e como processo de contenção do poder na confrontação entre o ato de autoridade e a lei. Assim, interpretando Kildare Gonçalves Carvalho (2002), em termos de agente político eleito, a legalidade é

diretriz básica de conduta que impõe a subordinação completa à lei, não podendo o agente agir contra ou além da lei, servindo de referencial de adesão a determinado tipo de cultura política.

Com relação à impessoalidade, os vereadores devem ter em conta que na administração moderna, os atos devem se voltar para o interesse público e não para o privado, vedando-se que sejam favorecidos indivíduos em prejuízo de outros. Para José Santos Carvalho Fo. (2006), a Administração a de ser impessoal, sem ter em mira este ou aquele indivíduo de forma especial. Logo, é uma obrigação que

subordina todo o agente político, como agente público, a buscar nos seus atos finalidade pública, e não a própria ou de um pequeno conjunto de pessoas afinadas consigo, devendo orientar-se por critérios objetivos, no tratamento igual a todos que se encontram em equivalência legal, sem privilégios aos amigos ou tratamento recrudescido aos inimigos (CF, art. 5º, I).

A moralidade, na modernidade, é marcada por um forte ataque aos privilégios particulares. Nesse sentido, não basta a observância jurídica da legalidade, é preciso observar princípios éticos de razoabilidade e justiça, pois pela

CF é pressuposto de todo o ato válido na Administração Pública. À elite legislativa

local implica no permanente reconhecimento dos direitos fundamentais do homem pelos outros homens e pelos poderes públicos, impondo aos agentes públicos eleitos não apenas o cumprimento formal, mas também substancial da lei, com base em princípios éticos de razoabilidade e justiça.

Como categoria típica da contemporaneidade, o princípio da publicidade

impõe, aos atos do legislativo local, atenção ao direito do povo de conhecer as ações praticadas na Administração Pública – passo a passo – para o exercício do controle social, derivado do exercício do poder democrático e modernizador. Envolve acompanhamento, cumprimento de ritos, e controle de todas as problemáticas que gravitam em torno da municipalidade. A divulgação oficial, e oficiosa, de todos os atos dos agentes públicos legislativos é requisito de eficácia e moralidade para produção de efeitos não só externos, mas como prática que equaliza as inter- relações das diferentes orientações políticas do próprio legislativo.

Como agência que compõe a estrutura de Estado, o legislativo local deve levar  em  conta  o  princípio  da  eficiência  como  o  “mais  moderno  princípio  da  função   administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com suposta legalidade”  (HELY  LOPES  MEIRELLES,  2004,  p.  96),  mas   deve buscar concretizar

suas atividades visando extrair o maior número possível de efeitos positivos, em termos de relação custo-benefício, no sentido da excelência dos recursos. É princípio orientador que as receitas do Estado sejam canalizadas para o melhor aproveitamento, cabendo aos representantes políticos não apenas fiscalizar gastos do Estado, mas contribuir para que seus custos sejam otimizados.

Estes cinco princípios são referenciais de adesão, ou não, a uma cultura de modernidade por parte dos membros da elite legislativa local, servindo para confrontar suas atuações no exercício das funções institucionais de vereança. A não observância deles, aqui tomados como valores de modernidade, é entendida como manifestação espelhada, ou reversa, de sentimento patrimonial em relação aos domínios político-administrativos. O mesmo é válido para atitudes e comportamentos, nas suas funções institucionais e interações políticas.

Visando a melhoria de desempenho dos parlamentos locais, órgãos públicos como a Controladoria Geral da União (CGU), tem produzido documentos que objetivam fornecer orientações sobre papel dos vereadores no tocante à aplicação dos recursos públicos municipais. Na cartilha O vereador e a fiscalização

dos recursos públicos municipais (CGU, 2011) se têm um referencial do que esperar

de parlamentares locais, em termos de obrigações como agentes públicos, que além de preocupações políticas, tem compromissos com a gestão moderna do Estado. Com relação às funções institucionais de vereadores, aponta um compromisso ético com o aprimoramento do sistema político, dividindo-se   em   “funções   típicas”   e   “atípicas”.  

Nas  funções  típicas,  a  ‘função  legislativa’  consiste  em  elaborar,  apreciar,  ou   alterar, as leis de interesse para a municipalidade oriundas da própria Câmara de Vereadores, de projetos vindos do executivo local, ou da sociedade, através de iniciativa  popular;;  quanto  à  ‘função  fiscalizadora’,  refere-se ao controle parlamentar, na fiscalização do executivo local e da burocracia.

Em   relação   às   funções   atípicas,   a   ‘administrativa’,   diz   respeito   ao   gerenciamento interno do orçamento, patrimônio, pessoal, e organização de seus serviços;;   na   função   ‘judiciária’,   à   possibilidade   de   processar   e   julgar   o   prefeito   por   crimes de responsabilidade, além de julgar os próprios vereadores, incluso o presidente da Câmara, em caso de irregularidades, desvios éticos ou falta de decoro parlamentar. Todas estas funções (típicas e atípicas) são delegadas. Na inspiração cidadã de organização do Estado, consagrada na CF, o poder popular é uno e indivisível. Na verdade, o povo, único titular legítimo do Estado, apenas atribui competências para cada um dos três poderes da república.

Na perspectiva modernizadora das funções institucionais de agentes estatais, a fiscalização, função típica do legislativo local, não deve ficar circunscrita ao executivo local. Na verdade, a auto-fiscalização, também, integra os processos de gestão patrimonial de legislativos, porém, é menos evidenciada. O controle dos recursos públicos aplicados no legislativo envolve o seu melhor aproveitamento – em todas as instâncias e permanentemente – na realização de gastos para objetivos determinados, sem desvios de normas e princípios que orientam a forma de controle institucional. Todos os possíveis desvios de função, ou extravios, devem ser acompanhados pelos vereadores como parte de suas atribuições orgânicas.

Como se vê, a atuação política de um agente político estatal, enquanto membro de um legislativo local, exige posicionamento em todas as áreas de ação social. No entanto, este ideal de democratização, que é apregoado pela modernização, sofre impacto de elementos contrastantes de cultura política tradicional, parte da referida cultura política dual. Tais elementos precisam ser

detalhados porque é, basicamente, no confronto dos valores de ambas as porções de cultura política que será analisado o episódio de cassação do vereador Cláudio Insaurriaga.