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CAPÍTULO I – Enquadramento Teórico Conceptual

4. A morte e os seus aspectos antropológicos

4.2. A morte no desenvolvimento humano

O desenvolvimento humano significa o desenvolvimento do ser no seu todo, Morin (2000)destaca nesse processo a unidualidade biológica e cultural e os circuitos: o cérebro/mente/cultura, em que a mente é o surgimento do cérebro que suscita a cultura, que não existiria sem o cérebro, sendo que cada um é necessário ao outro; a razão/afecto/pulsão, em que as relações entre as três instâncias não são apenas complementares, mas antagónicas. Nesta tríade a razão não é suprema e pode ser dominada, submersa ou mesmo subjugada pela afectividade ou pela pulsão; o indivíduo/sociedade/espécie que interagem na autonomia individual, na participação na sociedade e no sentimento de pertencer à espécie humana.

As interacções entre indivíduos concebem a sociedade, que leva ao surgimento da cultura, que interage sobre os indivíduos. Sendo assim, o desenvolvimento humano do ser como um todo, dá-se na sociedade, para a sociedade, influenciada pela cultura e no indivíduo, para a sua espécie, na sociedade e cultura. De facto, para Morin (2000, pp. 58-59)o ser humano não vive: somente: de: “(): racionalidade: e: de: técnica: ele: se: desgasta: se: entrega: se: dedica: a: danças, transes, mitos, magias, ritos; crê nas virtudes do sacrifício, viveu frequentemente para preparar sua outra vida além da morte” Durante esse percurso para o desenvolvimento e preparação, associam-se os processos de adaptação às perdas, a aceitação e compreensão da morte, que diferem em cada etapa da vida.

A realidade do conhecimento do fim da vida humana começa muito cedo no desenvolvimento individual, na criança pré-operacional, antes dos acontecimentos a terem lugar para com o seu próximo, conectado com o desaparecimento de objectos e entes queridos. Deste modo vai configurando essa sua ideia do que é o ‘morrer’: No: entanto: em: termos: piagetianos: o: conceito: ou: ideia: do: que: está: ‘morrendo’: no: indivíduo: dependerá: basicamente: o nível de maturação; do factor de experiência relacionado com as situações relativas à morte de entes queridos, ao longo do ciclo vital de vida; do papel dado pelos ‘outros’:das:informações sociais:e:culturais:sobre:o:mais:ou:menos:num:sentido:‘pré-lógico’: de explicação e/ou factos verazes que ocorrem relacionados com a morte.

Rebelo (2004, p. 25) sintetiza o modo como aceitamos a morte nos diversos níveis de maturação: ao: relatar: que: “(): no: início: da: vida: desconhecemo-la; mais tarde, temos dificuldade em atribuir-lhe um significado; na adolescência, quando queremos vincar a nossa personalidade, desafiamo-la até; enquanto adultos, tentamos ignorá-la; e na velhice, preparamo-nos:para:ela”

A compreensão do indivíduo sobre os meandros da morte, para Kóvacs (2010), acontece desde a mais tenra infância e considera que toda a experiência de morte que se adquira é fundamental para as nossas vidas. A autora defende a importância da abordagem do tema com crianças e adolescentes, isto porque tentar esquecer, ignorar ou fingir que nada ocorreu, que não existe, pode desencadear um comportamento problemático, conflituoso. Há medo!

O medo da morte é uma defesa, é ancestral. É a resposta psicológica mais comum. Tanto o medo como a ansiedade perante a morte são mecanismos importantes e necessários para que o indivíduo se desenvolva emocionalmente, principalmente quando confrontado com a mesma. Fiefel e Nagy (1981), citado por Kóvacs (2010), referem que todos os nossos medos estão relacionados de alguma forma ao medo da morte e que nenhum ser humano está livre dele.

A abordagem do tema da morte na infância é complexa. O estudo de Oliveira, Freitas e Rodrigues (2011)pretendeu perceber como a vida e a morte são compreendidas pelas crianças, entre 8 e 11 anos de idade. Conclui que as representações sociais de crianças sobre a morte variam de acordo com sexo e idade, em que as meninas mostram maior consciência da morte do que os rapazes, associando-a a estados de decomposição do corpo, rituais fúnebres e o lado escuro da vida; os rapazes revelam mais medo da separação e da inevitabilidade da morte; as crianças dos 8 aos 9 anos enfatizaram a morte como algo que provoca desconforto, enquanto as dos 10 aos 11 anos, tendem a representar a sua dimensão ritual.

No que diz respeito aos sentimentos expressos, verificaram-se sentimentos ou emoções negativas (tristeza perante a morte, tristeza, melancolia, insatisfação, desconforto e medo), associadas a um sentimento de perda, saudade, alienação, dor e medo do que pode acontecer após a morte, para os filhos, deixados sozinhos em sua vida, ou para os seus mais significativos, de quem eles podem sentir-se separados (ibidem, 2011). Estes autores sugerem ser necessário ouvir as crianças para explicar ou ajudá-las a discernir a razão para essa tristeza, para fazê-las sentirem-se seguras e capazes de entender o que está a acontecer com elas e ao seu redor. Aspecto também realçado por Strech (2010, p. 11) ao estudar crianças e adolescentes, em que:

A morte torna o dia mais difícil de viver e a noite uma eternidade de sonhos a suportar. Relembra o silêncio, mas não um silêncio que se usufrua com o gosto, que se desfrute por prazer, houvesse assim muitos momentos de fuga. Antes trás um silêncio que não se dilui, um suor que percorre o corpo e arrepia, um frio aguçado que esventra, rasga com dor e deixa, durante muito tempo, o coração a sangrar.

Nas idades mais avançadas Tornstam (2005) descreve mudanças de atitude em relação à vida, há redefinição no modo de ver e de estar na vida, denominando-a de ‘gerotranscendência’: Este:processo: é: uma: alteração: gradativa e natural, que promove uma espécie de sabedoria e leva o idoso a uma ruptura com a visão do mundo materialista e racional. Verificou a existência de vários graus de sinais característicos de desenvolvimento, como: a dimensão do mistério da vida é aceite; a alegria de viver relaciona-se muitas vezes com pequenas experiências na natureza; dedicação à meditação; aumenta o sentimento de afinidade com o passado e gerações futuras; o desinteresse pelas coisas materiais; compreende a vida como um todo, o que exige tranquilidade e solicitude; mudança no significado e importância das relações, sendo mais selectivo e menos interessado em relações superficiais; capacidade de transcender as convenções sociais desnecessárias; o medo da morte desaparece e há uma nova compreensão da vida e da morte.

O medo da morte é intrínseco a cada um de nós, para Kastenbaum (1983), citado por Kovács (2010), cada pessoa teme um aspecto da morte e descreve duas concepções: 1) a morte do outro como o medo do abandono, que envolve a ausência e a separação; 2) a própria morte que envolve a consciência da própria finitude, de como será o seu fim e quando este ocorrerá. Aos que acresce outros três: o medo de morrer - surge o medo do sofrimento

quanto à sua própria morte e sentimentos de impotência quanto à morte do outro; o medo do que virá após a morte - surge o medo do julgamento, da rejeição e do castigo divino quanto à sua própria morte e o medo de retaliação e perda da relação quanto à morte do outro; o medo da extinção - surge a ameaça do desconhecido, o medo do não ser e da própria extinção quanto à própria morte e a vulnerabilidade pela sensação de abandono quanto à morte do

outro.

À medida que vamos caminhando pelas diversas fases da vida, aproximamo-nos cada vez mais do seu final, que é a morte. Esta torna-se mais presente, entretanto a sua aceitação dependerá dos vários confrontos ou não que tivemos com a morte, do modo como os aceitamos, a nossa compreensão mediante as perdas e as diversas fases de maturidade psico- emocional. Entretanto as perdas mais sentidas, não há dúvida de que são as dos que nos são mais próximos, mais queridos.