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4.3 Personagem da mulher

4.3.8 A mulher procurando o verdadeiro amor

Todas as mulheres andam à procura de um amor que seja verdadeiro, que persista para sempre e que se baseie na ternura, no respeito e na estima mútua, embora na sua procura tenham de passar por muitas experiências desagradáveis; uma delas, a personagem de

Tendresse, com êxito, mas as demais caindo no fracasso ou na resignação. Este amor ideal

contrasta fortemente com o machismo português que já foi descrito no capítulo 4.3.4 que tratava sobre a emancipação da mulher. Por uma parte, elas detestam a maioria dos homens e estão completamente decepcionadas, tipicamente se trata dos imaduros que se mostram grosseiros e às vezes até cruéis; mas por outra, procuram Um, quase deificado, para quem fariam tudo o possível para poderem passar o resto da vida ao seu lado, que costumam ser, sem que as mulheres o intencionassem, homens prudentes e geralmente idosos, aos quais sentem muita gratidão.

Examinemos primeiro a narradora de O Jardineiro de Almas. Apesar de ter, depois do divórcio, muitas relações efémeras, nunca se esquece do seu «Jardineiro», verdadeiro amor da sua vida. Sente-se muito grata ao seu mestre e amante, é ele quem lhe mostrou todas as suas possibilidades e capacidades. Muitos anos está à espera dele, que vão viver juntos e assim felizes, mas de repente ele falece. Para encontrar uma saída desta loucura, imediatamente depois da morte dele, ela escreve uma peça teatral retratando a vida do «Jardineiro», e depois, no dia da centéssima representação desta obra, escreve-lhe uma confissão autobiográfica para reconciliar-se com a vida futura sem ele sendo este texto ao mesmo tempo o conto que lemos.

Podemos encontrar uma situação semelhante no conto Tendresse cuja protagonista, não querendo viver na solidão e indiferença, procura o amor de maneira tão intensiva que quase até o fim do conto não se apercebe que o melhor homem mora ao lado dela, tendo

próprio título, que no francês significa exatamente «ternura», – princípio supremo que podemos encontrar numa relação amorosa.

Se compararmos estes dois casos com a Agnès, esta não encontra o amor nem no princípio, nem no fim, mas sim no meio das suas aventuras, procurando-o depois em outras relações, sem que o leitor saiba se acertou ou não. Mas este amor foi tão verdadeiro e intenso como os dos dois contos anteriores. A importância desta história consiste nos diálogos que se ocupam precisamente de dois tipos de amor; aquele que aqui chamamos o verdadeiro, que é profundo, cheio de carinho e baseado na igualdade e mútua compreensão, e aquele totalmente oposto, isso é, o amor bruto e centrado no homem machista. Por isso, Agnès diz que «Quando não é grosseiro, e até brutal, o amor dos homens é, pelo menos, quase sempre

egoísta. […] Ao passo que entre duas mulheres que se estimam e conhecem, livres de escolher, a união é feita de carinho, de sensibilidade, entendimento, igualdade, ternura e afecto, e sobretudo de mutuação!» (Rodrigues Miguéis 1982: p. 174). Daí se deduz que

é melhor amar uma mulher do que o homem com pensamentos conservadores, sendo esta ideia confirmada também nas narrações insertas. Em soma, para a Agnès é fundamental a fusão espiritual entre o homem e a mulher muito mais do que a relação corporal. Neste ponto, temos de admirar a capacidade de Miguéis de descrever com tanta precisão os sentimentos femininos, embora o narrador diga no final do conto: «…tenho sido tudo, só me

falta ser mulher!» (Rodrigues Miguéis 1982: p. 178). Infelizmente, a Agnès consegue isto

somente com o protagonista, quase quarenta anos mais velho do que ela, e só uma vez, por causa de a narrativa desenvolver em Nova Iorque, cidade progressista na qual nada é estável e tudo muda com uma vertiginosa rapidez, como no caso de Episódio «Norueguesa».

A «Norueguesa», como todas as mulheres, também anda à procura de um homem ideal: «Nunca tive a sorte de encontrar um tipo com quem pegasse namoro!» (Rodrigues Miguéis 1982: p. 144). Podemos fazer referência à ideia de Julçara Cavalcante Cruz. Como esta narração também desenvolve nos Estados Unidos, pela frase proferida pelo protagonista

«América, que depressa mudas» (Rodrigues Miguéis 1982: p. 145), expressa-se a «[…] fluidez das relações, dos contactos, da convivência […]» (Cavalcante Cruz, 2011: p. 48), que

costuma caraterizar este país capitalista, onde o estilo de vida difere muito do em Portugal com as relações ou tradições que mudam muito lentamente.

Relativamente à Amália, não somos capazes de deduzir o que espera da vida, porque parece ser muito indiferente. Pode ser por causa da sua proveniência de uma família pobre

e além disso tradicional, porque a mulher pertencente a este meio não era acostumada a expressar os seus sentimentos ou necessidades.

A «Princesa» de Simples Conto do Natal é feliz com o poeta. Ainda que se tem que tornar prostituta para que os dois possam sobreviver, fá-lo do amor puro que sente pelo seu namorado.

A seguir, vamos mostrar dois casos específicos de amor que se refletem na Elisa e na Concha. Para a Elisa, o único amor «verdadeiro» que ela se mostra capaz de sentir é o desejo ardente pelo dinheiro e pela vida de alto nível, ao afastar-se dos pais e do Joaquim que a ama tanto. E, no caso da Concha, não sabemos com certeza se ela anseie pelo amor intelectual ou pelo amor carnal, sendo tão deformada pela sua profissão. Quer dizer, à diferença da Agnès, a Concha procura o amor por meio de relações sexuais. Não obstante, não sabemos se o amor dela é puro, se é ainda capaz de amar verdadeiramente depois de tantas noites passadas com os clientes, ou se os sentimentos que tem pelo Credo se relacionam somente com o sexo: «Foi

também a primeira vez que eu vi uma mulher executar a «ponte», prova suprema da paixão que ela – mas não só a da «vida»! – quando no auge da festa, pode dar ao homem a quem quer deveras, pelo menos na cama.» (Rodrigues Miguéis 1982: p. 184). Mas este não lhe

paga com a mesma moeda e desaparece sem nunca mais voltar. Por isso, ao encontrarem-se depois por acaso, ela contempla-o com ironia. Decerto achava que o Credo poderia ser uma possibilidade de uma vida melhor, noutra condição social, e talvez imaginava que pudesse ser feliz e amada por um homem que sempre sonhava de «monogamia», como ele dizia com frequência. Mas depois desta desilusão, apercebe-se da realidade à qual está destinada.

Em contraste, temos de falar de uma mulher insensível que parece ser a Masha. Quando chega a saber que o narrador está apaixonado por ela e não é capaz de dominar os sentimentos, ela aceita os seus convites, fá-lo pensar que são namorados, ela até mora duas semanas na casa dele. Mas de repente, para uns três ou quatro dias mergulha na leitura e não percebe outra coisa. Depois, pergunta ao narrador com um tom irónico: « – E então, missiú,

passou-lhe a febre? Matou a fome? Eu tenho de voltar à Química Industrial. Au revoir! […] Como se nada tivesse passado. Ficámos amigos, eu desesperado. Sonhando com o amor enterno.» (Rodrigues Miguéis 1982: p. 300, 301). Apesar de saber que não quer namorar com

ele, desperta nele uma esperança porque não acredita que os sentimentos do narrador pudessem ser tão fortes. Queria curá-lo do amor, mas em vez disso, magoou-o ainda mais, talvez para vingar-se por tantas lisonjas involuntárias da parte dele. Como no caso da mulher

que fere o Carlos no conto «Boa viagem, Carlos!», Miguéis mais uma vez nos mostra o outro lado da medalha advertindo que nada no mundo é só branco ou preto.

Neste capítulo encaixa também a francesa do conto Galbo, O Terrorista. Apesar de já terem decorrido um ou dois anos desde a sua separação do Maurício, as suas memórias e sentimentos continuam sendo vivos. Por isso, ao ver o Galbo, o homem que se parece muito com o seu ex-namorado, o seu grande amor, ela acha que, visto que ainda por cima os dois homens pertencem à mesma nação – são portugueses –, poderia reencontrar com ele o amor perdido: «Era pois esta a fiel amante que procurava agora no Galbo a reencarnação do seu

perdido amor. Ninguém quem já tivesse amado lho poderia levar a mal.» (Rodrigues Miguéis

1982: p. 290). Infelizmente, tudo fracassa depois de uma só noite e ela fica outra vez sozinha, sem felicidade ao alcance.

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