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4.3 Personagem da mulher

4.3.2 A mulher jovem

Há um facto incontestável: que se saiba, nenhuma das protagonistas dos oito contos terá ultrapassado trinta anos, de tal forma que todas contrastam com os seus opostos masculinos com os quais têm, ou pretendem ter, uma relação, podendo ser eles os seus pais ou até avôs. Nos contos em questão, este aspeto é ou salientado como o problema principal que impede a relação, ou o leitor conhece somente a idade da jovem-mulher, enquanto que há outra contrariedade por causa da qual os protagonistas não podem passar a vida lado a lado.

Começando pela idade como uma barreira intergeracional, detalhemos a relação dos personagens de Mudança de Posto. Desde o começo do conto o leitor sabe que a Amália é uma adolescente que vai nos dezoito anos. No decorrer de todo o conto, o Bob luta com a sua ânsia para não se apoderar dela. Parcialmente pode ser por causa do seu estado de

homem casado. Mas no fim chegamos a saber outra razão, ao ele responder à pergunta da Amália: « – O senhor tem filhas? […] – Tenho duas. Uma é quase da sua idade.» (Rodrigues Miguéis 1982: p. 20) Daí se infere que o que o retém de não se deixar seduzir é a idade da Amália, porque lhe faz lembrar as suas filhas e pensar que destino poderiam ter se tivessem nascido e vivido noutras condições. Nunca ele quereria que terminassem pagando os favores dos homens com o seu corpo.

Se nos concentrarmos na protagonista do conto Tendresse, o narrador está consciente, desde o primeiro momento que a conheceu, do facto que entre eles não é possível nenhum tipo de relação amorosa, sendo ele quarenta anos mais velho do que ela. Por isso, nem uma vez lhe fala do amor que sente por ela para não a perder para sempre. Deste modo consegue que ela compartilha o seu apartamento e finalmente ela própria chega a compreender que ele é o único quem a pode fazer feliz. Assim, neste caso, a barreira formada pela idade é destruída a favor dos protagonistas, mesmo que a diferença entre eles seja a maior de todos os contos analisados.

Quanto à Agnès e o protagonista-narrador, estes conseguem ultrapassar a barreira da idade, sendo ele mais que trinta anos mais velho, só para uma noite, depois da qual cada um volta à sua vida normal como se nada passasse entre eles, o que vamos detalhar mais tarde.

Também no conto O Jardineiro de Almas aparece uma relação desequilibrada relativamente à idade. O «Jardineiro» é vinte anos mais velho do que a narradora. No entanto, isso não lhes impede de manter uma relação ocasional, contra o desejo da narradora que quereria passar ao lado dele cada segundo da sua existência. Neste caso, o obstáculo principal não é a idade, mas sim alguns compromissos do «Jardineiro» que ficam dissimulados tanto à narradora, como ao leitor. Quando o homem morre, ela encontra-se na flor da idade e no pico da sua carreira.

No conto A Bota estamos familiarizados com a idade de ambos, isso é, do Joaquim e da Elisa, são entre eles só dois anos de diferença. No entanto, o problema que a Elisa não é capaz de superar consiste na pobreza. Por isso ela separa-se do Joaquim porque encontrou um homem rico e, como na maioria dos contos, muito mais velho do que ela, com quem tenciona ser feliz.

A seguir vamos pôr em foco duas mulheres com papel secundário. Primeiro, a Concha é também uma mulher jovem, de vinte e poucos anos, o que não é nada surpreendente, mas

que é egoísta e machista, não é nada maduro nem honesto. Para abreviar, não é o homem para toda a vida. Podemos compará-lo, por exemplo, com o ex-marido da Agnès, da narradora de

O Jardineiro de Almas ou da protagonista do conto Tendresse, assim como com todos os

amantes fugitivos delas, o que vamos pôr em foco no capítulo 4.3.7.

Quanto à açoriana Maria do conto Estranha Vida e Morte do Professor Reineta, ela torna-se a sua amante, apesar de ser casada. Está, consoante as palavras do narrador, «no

zénite da vida» (Rodrigues Miguéis 1982: p. 76), enquanto que o professor Reineta, de acordo

com alguns indícios do conto, já é um homem idoso. Mantêm uma relação segreda até que um dia, como a Maria envelhece, o professor começa a sair com uma mulher muito mais nova e aprofunda assim a típica relação intergeracional. «Tinha arranjado uma secretária para

todo o serviço, uns trinta anos mais nova do que ele […]» (Rodrigues Miguéis 1982: p. 84).

4.3.3 A mulher do meio pobre

O que as mulheres dos contos submetidos à análise têm em muitos casos comum é o traço de uma condição social mais baixa do que a do homem, e precisamente por isso nos parágrafos subsequentes vamos dedicar a nossa atenção a esta temática.

Comecemos pela Amália, a personagem do conto Mudança de Posto. É uma pobre poderíamos dizer exemplar. A sua situação social contrasta totalmente com a do Bob que tem bom emprego e bastante dinheiro. A pobreza da jovem emana de todo o seu aspeto e das reações aos objetos que vê no apartamento do Bob: Depois de entrar na casa de banho, «Ela

ficou a olhar os esmaltes e os niquelados, as porcelanas, os vidros reluzentes; passou um dedo vagaroso na bacia do lavatório, mirou-se um instante no espelho […] Depois contemplou a mesa de toilette […]» (Rodrigues Miguéis 1982: p. 15). Trata-se de uma

menina de poucos recursos que não tem outro remédio que fazer tudo o possível para sobreviver, e mais ainda no seu estado de gravidez. Ela vende cautelinhas para ganhar algum dinheiro e para despertar o compadecimento: « – Compre-me uma cautelinha – disse. – Não

jogo. – Então dê-me alguma coisinha pelo amor de Deus.» (Rodrigues Miguéis 1982: p. 12),

que também consegue. O narrador e o protagonista ao mesmo tempo quereria melhorar o nível da vida da Amália, mas como ela não está acostumada a um bom tratamento por parte de outras pessoas, quer corresponder à gentileza do Bob com o único que pode – com a atratividade do seu corpo: «– Como é que eu lhe hei-de pagar isto? Não quer nada de mim?

– A sua boca prendeu-se de repente à minha, com a força duma ventosa; os seios comprimiram-se contra o meu peito.» (Rodrigues Miguéis 1982: p. 18, 19) No entanto, o que

ela não espera é a rejeição, embora com uma enorme abnegação do Bob. Em consequência disso, ao aperceber-se da razão do comportamento dele, o único que perdura nela é a sensação agradável que não ficou degradada e que alguém uma vez a estimou, porque o benefício material dele tem um efeito muito breve: a roupa molha-se logo depois de ela sair da casa do Bob, assim como ela vai ficar suja pela chuva e a lama.

A menina do Simples Conto do Natal é a mais pobre de todas. O seu aspeto físico geral corresponde ao da Amália, no entanto, esta menina não tem emprego. Nas Montanhas convive com a natureza e é bem capaz de sobreviver. Anda descalça por ser acostumada e ele, o seu amante, poeta, quer fazer dela uma «Princesa». Ele promete-lhe o seguinte: «Hei-de

coroar-te de rosas e brilhantes, vestir-te de sedas e arminhos. Os teus pés calçarão sandálias douradas…» (Rodrigues Miguéis 1982: p. 117). Mas, em contraste com outras mulheres-

protagonistas, ao mudar para a Cidade com o seu namorado, a «Princesa» acaba por ficar numa situação ainda pior em comparação com as circunstâncias nas quais se encontrava no início do conto: «Em vez de prometida coroa, entanto, tinha apenas os caracóis de ouro dos

cabelos; e nos pés, em lugar das sandálias douradas, modestos sapatos de trança.»

(Rodrigues Miguéis 1982: p. 118); e, ainda por cima, quando não têm absolutamente nada para comer, ela decide resolver a situação da única maneira possível – vir a ser prostituta.

A mulher que aparece no conto A Bota, a Elisa, também está acostumada à relativa pobreza, mas não é capaz de imaginar viver assim o resto da vida com o Joaquim, o que já mencionámos no capítulo 4.3.2. Por isso, toma uma resolução de mudar esta situação de acordo com as suas necessidades, de modo que também acaba por viver com um homem de uma classe social mais alta em comparação com à qual pertence: «Deus mandou-me um bom

homem de idade, que me adora e me oferece tudo, casa posta, criados, o sossego.»

(Rodrigues Miguéis 1982: p. 278).

Pondo em foco a protagonista de Tendresse, esta nasce no meio pobre, mas graças à sua aplicação consegue transformar a loja da sua mãe morta num boutique. Não tem tanto dinheiro como o personagem principal masculino, mas não se trata de uma relação tão desequilibrada socialmente como no caso dos outros contos.

Embora não saibamos nada sobre o meio do qual provém a Agnès do conto epónimo, através de «Boa viagem, Carlos!» é evidente que, apesar do seu pai ter começado de nada, durante a sua vida veio a ser bastante rico. E ela, além de ter um trabalho excelente,

é abastecida muito bem, assim como a protagonista do conto Tendresse, à diferença das outras mulheres.

No conto O Jardineiro de Almas encontramos um processo de evolução dos protagonistas muito interessante. Ao passo que no começo da narração ela trabalha como uma simples secretária com um salário ruim, ele é um homem consagrado que costuma ir aos melhores restaurantes. Também as roupas de gala compradas numa liquidação e as jóias falsas acentuam a diferença material entre a narradora e o «Jardineiro». De surpresa, no decorrer da narração, como se intercambiassem os estatutos sociais, de maneira que ela chega a ser uma escritora reconhecida e ele acaba por morrer em absoluta pobreza e esquecimento, embora voluntário.

No que diz respeito à personagem do Episódio «Norueguesa», está «[…] ali a ganhar

o seu pão […]» (Rodrigues Miguéis 1982: p. 144). Daí se deduz que se encontra nos Estados

Unidos porque ali existem melhores condições para uma vida mais agradável em comparação com o seu país natal, mas não sabemos nenhuns detalhes.

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