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Esta parte baseia-se na nossa própria experiência, isso é nos erros que cometemos nas primeiras versões da tradução dos contos, e nas questões das quais tivemos que nos ocupar nos oito contos de José Rodrigues Miguéis traduzidos no capítulo anterior. Ao longo do processo da tradução, ao compararmos as primeiras tentativas com as versões finais, emergiram muitos problemas na verdade bastante complexos que tinham de ser resolvidos, assim como muitas vezes eram necessárias certas alterações para que o texto soasse naturalmente no checo. Nos parágrafos seguintes vamos focar os problemas que consideramos os mais importantes para fazer uma tradução apropriada não só em geral, mas vamos levar em conta as diferenças entre o português e o checo que temos de trazer sempre na mente, sendo

isto as informações e orientações adquiridas nomeadamente nas aulas do seminário de Tradução Literária I e II de PhDr. Marie Havlíková.

Vamos dividir este capítulo em três planos no âmbito da linguística: em primeiro lugar, o campo lexical, onde vamos abranger os problemas relativos aos empréstimos de outros idiomas, particularmente do inglês e francês, assim como a problemática relacionada com diferentes camadas da língua. A seguir continuaremos com o campo sintático, centrando a nossa atenção principalmente nas questões de diversas estruturas na língua de partida e na língua de chegada, assim como nos casos de elipse e nas alterações no plano morfológico, quer dizer, das classes de palavras e o uso diferente delas ao traduzir de um idioma para o outro. E, como último, abrangeremos o campo semântico, orientado sobretudo para a problemática da tradução das expressões perifrásticas, rimas e jogos de palavras. Tudo vai ser exemplificado tanto no português, como no checo7. Além da questão linguística, trataremos brevemente de outras qualidades do tradutor, imprescindíveis para fazer uma tradução correta e adequada destes contos, embora não visíveis ao primeiro exame.

Começando pelo plano lexical, em primeiro lugar era preciso resolver um obstáculo típico que surge aos tradutores que trabalham com alguma obra de J. R. Miguéis. Este, passando a maioria da sua vida no estrangeiro, recorre muitas vezes aos empréstimos de algumas palavras, sempre introduzidas em itálico, embora exista um equivalente em português. Concretamente, o autor usa com a maior frequência os termos do inglês e do francês, tendo estudado na Bélgica e vivido desde adulto nos Estados Unidos da América. Outra razão é que nestes países também costuma situar as suas narrações, ou pelo menos os protagonistas são imigrantes, de maneira que o texto com as expressões estrangeiras resulta mais autêntico. Por outra parte, para o tradutor emerge a questão da desigualdade no nível do conhecimento destas línguas entre os portugueses e os checos. Segundo a história, a relação com estes idiomas era muito mais forte em Portugal, sendo durante largo tempo a França o modelo cultural para os portugueses, assim como os ingleses foram várias vezes os seus aliados e ainda por cima têm fronteiras comuns. Ao invés disso, a língua mais «próxima» dos checos sempre era o alemão. No entanto, optámos por não traduzir os estrangeirismos: primeiro, para não eliminar a típica marca do estilo migueisiano, e segundo, atualmente cada

leitor tem muito bom acesso a todas as informações, quer por meio de livros, quer pela internet. Embora se trate de toda oração, o que passa nos contos em questão só uma vez, o próprio autor procede à tradução, sendo também o significado bastante importante para toda a narração: «I never had a chance with a guy! (Nunca tive a sorte de encontrar um tipo com

quem pegasse namoro!)» (p. 144). Para exemplificar algumas expressões emprestadas,

a respeito do inglês, podemos citar coffee-shop, living-room, strip-teaser (os três escritos no inglês sem hífen), waitress, bowl, Danish pastry, drinks, on the rocks, globe-trotter ou guy. No que diz respeito ao vocabulário emprestado do francês, não podemos omitir as palavras usadas repetidas vezes como boutique, tentures, manteau e inclusive um fragmento da letra de uma canção de Chopin que aparece duas vezes no conto O Jardineiro de Almas (p. 307 e 309). Também temos de aludir ao título do conto Tendresse, palavra francesa cujo equivalente português é ternura, mas como no caso de outros empréstimos, conservámo-lo assim como o queria Miguéis.

Os estrangeirismos usados por Miguéis correspondem muitas vezes à nacionalidade de um dos protagonistas ou ao país onde acontece a intriga. Mas aparecem também vários casos nos quais o narrador usa as expressões do francês e do inglês no mesmo conto, até no âmbito de uma página, como em Agnès – Ou o Amor Assexuado: tentures e globe-trotter (p. 170).

Relativamente a outras línguas, igualmente no conto Agnès – Ou o Amor Assexuado aparece uma expressão um pouco truncada de uma palavra italiana: chiaro-oscuro (p. 170) em vez do correto chiaroscuro italiano ou claro-escuro português. Neste caso considerámos necessário traduzi-la, porque o leitor checo provavelmente não fosse capaz de reconstruir a palavra original e perceber assim o significado dela. No entanto, este é o único caso relativamente aos estrangeirismos que, a despeito de Miguéis, optámos por traduzir. Uma situação semelhante acontece também com a palavra propositadamente deformada do inglês, para sublinhar que os falantes são estrangeiros, empregando apartement (p. 126) em vez do correto apartment inglês, não obstante, assim como a aplicação «errada» do hífen exemplificada dois parágrafos acima, é uma modificação tão insignificante que não impede a compreensão.

Outra dificuldade nasce na situação em que o autor emprega as expressões familiares e a linguagem coloquial que têm que contrastar com as palavras do nível formal. Neste caso julgámos muito importante equilibrar a diferença entre os dois estilos; no entanto, neste sentido às vezes apareceram complicações por não existir nenhum equivalente no idioma

checo. Esta alternância das camadas da língua passa com a maior frequência no conto A Bota (p. 273 – 282), para realçar a atmosfera degradada da noite do Natal dos bares e de um bêbado recém-abandonado. No que diz respeito às expressões coloquiais, o autor usa por exemplo o termo senhora com o significado da mãe, filha (traduzido seis vezes por holčička e uma vez por slečinka) em lugar da namorada, velhos como outra designação dos pais. A seguir, ocorrem também algumas palavras abreviadas como pra, paz-d´alma etc. Mesmo que algumas delas não conseguíssemos exprimir em termos da linguagem falada, tentámos pelo menos traduzir assim outras palavras que se encontravam na mesma frase ou parágrafo, como na carta da Elisa (p. 278), onde aplicámos os substantivos checos ţenská, holka, dneska. Entre outros contos, para a exclamação do protagonista «Casado!» (p. 145) utilizámos o equivalente checo „Ţenáč!”.

Um outro problema consiste na tradução dos topónimos, tomando em consideração o facto que o leitor checo os desconhece. Se os nomes dos lugares têm um significado relevante para a narração, é importante traduzi-los, no entanto, isto não diz respeito aos nossos contos. É verdade que J. R. Miguéis serviu-se de muitos topónimos, mas seja não existe nenhum equivalente checo, seja o topónimo foi empregado somente para situar o leitor experiente num lugar concreto para que este pudesse imaginar melhor o ambiente, mas a ignorância deles não impede a compreensão do sentido da narração. Entre os topónimos usados para aproximar os lugares da capital portuguesa, onde se desenvolve por exemplo o conto A Bota (p. 273 – 282), podemos citar o rio Tejo, o centro da cidade designado Baixa, a rua Morais Soares, a praça Cais do Sodré ou uma freguesia chamada Alvalade. Ou, por exemplo, no Simples Conto do Natal, fala-se da região vinhateira Alto Douro (p. 117) situada no norte do país.

A respeito das descrições, muito frequentes nos contos migueisianos, era preciso ter uma grande imaginação para podermos transmitir as imagens de maneira verossímil e tal como as visava Miguéis. Neste ponto surgiu outra complicação, porque não podemos esquecer a variedade limitada de equivalentes oferecida por dicionários bilíngues que também dificulta o trabalho do tradutor, tendo ele que analisar e imaginar o que é que a palavra quer dizer e encontrar assim a expressão mais adequada. Uma outra possibilidade é recorrer aos dicionários de sinónimos para encontrar um termo apropriado; no entanto, nesta segunda opção, ao procurar os equivalentes, existe um grande perigo de nos desviarmos muito do significado na língua de partida. Neste aspeto temos de aludir a um problema específico de

o protagonista-narrador descreve o ventre da menina grávida e interpenetram todo o conto. Alguns exemplos encontram-se em baixo:

«[…] empinar o ventre ostentosamente, quase agressivamente […]» (p. 12) ~ „[…] vystrčit vyzývavě, téměř agresivně, břicho […]”

«Apontei-lhe o ventre que parecia atravancar a cozinha: » (p. 12) ~ „Ukázal jsem na její břicho, jeţ jako by zabíralo celou kuchyň: ”

«[…] ventre tão cedo habitado e palpitante, […]» (p.14) ~ „[…] tak časně obydlené a tepající břicho […]”

«O ventre mostrava a curva alta da gravidez avançada, mas agora, é curioso, menos óbvia

e agressiva.» (p. 16 – 17) ~ „Její břicho se vypínalo ve velkolepé křivce pokročilého těhotenství, ale nyní, to je zajímavé, méně zřejmého a méně agresivního.”

«[…] a tensa proeminência do ventre, […]» (p. 17) ~ „[…] napjaté, vystouplé břicho, […]” «[…] o ventre estirou a saia de lã grossa.» (p. 19) ~ „[…] břicho napnulo sukni z hrubé vlny.”

Também tivemos que dedicar atenção às expressões propositadamente repetidas. Neste caso era preciso encontrar tal equivalente que soasse naturalmente em todos os contextos nos quais aparece em todo o conto, assunto muito frequente em O Jardineiro de Almas (p. 303 – 310), no qual a narradora menciona cinco vezes a palavra «humildes» traduzida como

„neboţáci”. Este fenómeno apareceu também no conto Episódio «Norueguesa», neste caso

três vezes, sempre com pequenas modificações para graduar a excitação do protagonista:

«Mas eu sou um homem casado!» (p. 143), «És um homem casado!» (p. 144) e como último

diz só «Casado!» (p. 145). Em A Bota aparece também um paralelismo:«Essas tuas ideias de

luxo, filho!» (p. 276) e «(Tu, filho, com essas ideias de luxo.)» (p. 281). Ainda por cima, neste

conto figura outra expressão repetida, mesmo que só duas vezes. Não é uma palavra muito frequente, mas é ligada com a infância do protagonista e a sua avó do campo português crente e tradicional: «caraminholas» (p. 281, 282) exprimida por „báchorky”.

E, a última dificuldade que encrenca a tradução enquanto ao plano lexical é relacionada com os títulos. É imprescindível traduzi-los adequadamente, porque é o título que tem que chamar atenção do leitor para que este a seguir leia todo o conto. Por isso, não é necessária uma tradução literal, mas o importante é transmitir a ideia que contém. Por este motivo, o nome do conto Mudança de Posto não foi traduzido palavra por palavra, porque no

checo não soaria muito bem, mas Nový post, o que, ainda por cima, exprime perfeitamente o ambiente de uma prevista partida.

Ao nível da sintaxe, o problema omnipresente na tradução do português para o checo o representa a ordem dos constituintes da oração. A discordância produz-se por diferentes regras de composição: no português, idioma carecente de declinações, a ordem de palavras é mais ou menos fixa. Por outro lado, o checo, sendo uma língua flexível, pode brincar mais com a ordem dos seus elementos: «Virei a cara, comovido, e fiquei a ouvir o frufru ligeiro de

sedas arrancadas com pressa.» (p. 171) ~ „S dojetím jsem otočil hlavu a zaposlouchal jsem se do lehkého šustění spěšně svlékaného hedvábí.” A diferente posição do adjetivo em relação

ao substantivo e a existência bastante reduzida dos adjetivos no português em comparação com o checo também dificultam a tradução; mencionemos por exemplo «canções da região» (p. 117) ~ „krajové písně“. Outra diferença é que no português é bastante frequente o uso dos advérbios no começo da oração, muito raro no checo: «Provisoriamente instalado no

moderno e luxuoso apartamento […]» (p. 169) ~ „Bydlel jsem přechodně v moderním, luxusním bytě […]”.

Uma caraterística típica da obra migueisiana são os períodos mistos muito longos, cuja compreensão, ao traduzi-los literalmente, torna-se quase impossível por muitas razões, por exemplo pelo uso repetido das expressões em formas impessoais de verbos não utilizadas no checo ou o emprego muito menos frequente de ponto e vírgula no checo que impede a melhor compreensão do prosseguimento das orações, estudado com mais detalhes no fim desta parte que trata sobre os problemas relacionados com a sintaxe. Por isso, em alguns casos optámos pela divisão em dois períodos:

«Loura, dum louro crespo e queimado dos sóis e dos frios, branca de neve mas tostada da intempérie e da sujidade, batendo o compasso das canções com os pés descalços na rocha dura dos caminhos, ou de cavaquinho a tiracolo para os peditórios pelas quintas,

ela teria pouco mais de quinze anos, e nos olhos verdes uma ardentecintilação, que vinha dos

remotos tempos de Suevos e Visigodos.» (p. 117) ~ „[…], kdyţ obcházeli statky. Mohlo jí být […].”

A seguir, repetidas vezes recorremos ao acrescentamento de termos elípticos ou por outra parte à omissão de palavras redundantes na oração original para conseguirmos a fluidez do texto para o leitor checo. Na maioria dos casos aditámos os verbos em formas pessoais:

Danish pastry.» (p. 144) ~ „Nakonec si dal kávu a kousek Danish pastry.”; «[…] sem sequer o telefonema tranquilizador.» (p. 127) ~ „[…]aniţ bys alespoň zavolala, abys mě uklidnila.“; «Com a minha falta de hábito, […]» (p. 275) ~ „Protoţe jsem nebyl zvyklý, […]“ ou «De amante em amigo, […]» (p. 124) ~ „Z milenců se stávali kamarádi.” Quanto à categoria do

artigo português, inexistente no checo, na maioria dos casos o omitimos; umas poucas vezes substituímo-lo por meio de um pronome demonstrativo: «[…] sem embargo dos seus

passatempos extramatrimoniais.» ~ „[…] nicméně s výjimkou těch jejích mimomanţelských kratochvílí.” (p. 176) e em alguns casos até decidimos especificar e determinar melhor

o substantivo com um pronome demonstrativo, sem que este aparecesse no texto de partida: «[…] tudo me era novidade e tudo me intimidava.» (p. 305) ~ „to všechno pro mě bylo nové

a toho všeho jsem se lekala.“ Em uns poucos casos nos valemos da adicionação de um

substantivo: «[…] depois de ouvir um grande psiquiatra, […]» (p. 176) ~ „[…] kdyţ si

vyslechl názor jednoho věhlasného psychiatra, […]”. Em compensação, também no checo

omitimos alguns elementos que já seriam redundantes, por exemplo: «- Agora deite-se ao

comprido.» (p. 17) ~ „- Teď si lehněte.” ou «(Mas eu só um homem casado!)» (p. 143) ~

„(Ale já jsem ţenatý!)”.

Uma outra diferença que não podemos omitir é a frequente utilização dos verbos em formas impessoais. Primeiro, o gerúndio no idioma português é bastante abundante enquanto que no checo é uma expressão já arcaica. Como esta forma costuma abreviar as orações subordinadas, eventualmente as orações coordenadas em relação aditiva, na tradução para o checo recorremos precisamente a estas: «[…] e dos vales se erguiam as vozes das «rogas»

entoando seus cânticos pagãos.» (p. 117) ~ „[…] a z údolí se zvedaly hlasy prosebníků, kteří pěli své pohanské zpěvy.“ A seguir, uma função semelhante pertence também aos particípios

e infinitivos, abreviando na maioria dos casos também as orações subordinadas: «Lavada

a louça, […]» ( p. 14) ~ „Kdyţ bylo umyté nádobí, […]” ou «Como era possível desistir assim de tudo?» ( p. 308) ~ „Jak je moţné, ţe jsi všechno opustil?”, «É melhor sair […]»

(p. 19) ~ „Bude lepší, kdyţ odejdete […]”.

No que diz respeito à morfologia, para conseguirmos a naturalidade da tradução, em alguns casos tivemos que substituir uma classe de palavras por outra, conservando o significado original: «com sofreguidão» (p. 13) ~ „lačně“, «revoltada» (p 125) ~

Tampouco podemos esquecer a enorme riqueza dos prefixos no checo que contrasta com o português, facto evidente dos exemplos seguintes: fiquei a ouvir (p. 171) ~

zaposlouchal jsem se; chorei (p. 309) ~ rozplakala jsem se; dei-lhe (p. 17) ~ podal jsem jí;

(p. 169): corri ~ rozběhl jsem se, esperei ~ vyčkal jsem, cedera ~ přenechal, entrava ~

prostupovala, crer ~ uvěřit.

E vamos fazer também umas poucas referências à utilização distinta da pontuação, sendo na língua portuguesa abundante o uso de dois pontos, à diferença do checo para indicar uma pausa breve o esclarecer um significado, e de ponto e vírgula, para marcar uma pausa mais longa ou para delimitar as frases subordinadas com uma relação menos fixa; nestes casos, no checo emprega-se quase sempre a vírgula ou o ponto: «[…] a chuva persistia:

ligeira, monótona e tranquila.» (p. 11) ~ „[…] déšť neustával, lehký, monotónní a klidný.” ou «[…] com quem te identificaste: mas os «humildes», que querem eles […]» (p. 309) ~ „[…] se kterými ses ztotoţnil. Co ale chtějí „neboţáci“[…]”.

Quanto ao nível semântico, ao longo do processo da tradução é impossível transmitir o significado literal das palavras, como dissemos no capítulo 3.1, o que chegámos a confirmar também nas nossas traduções. Primeiro era preciso conhecer todo o texto, perceber o seu significado complexo e depois empenhar-se por atingir o mesmo efeito, para que o leitor da nossa tradução pudesse perceber tudo o que o leitor do texto na linguagem do autor. Por conseguinte, muitas vezes eram necessárias certas alterações para que o texto soasse naturalmente no checo e não perturbasse a fluidez da leitura.

Uma seguinte dificuldade nasce das expressões perifrásticas, jogos de palavras e frases feitas. No caso destas, era preciso procurar uma expressão idiomática correspondente no checo, por exemplo no caso de «Isto enche-me a cova de um dente» (p. 144) que traduzimos

„Toto mě jen tak pošimrá v ţaludku.“ No conto Mudança de Posto apareceu também uma

locução nominal «[…] quando as crianças fazem olhos-de-mocho.» (p. 18) da qual a língua checa carece, e por isso escolhemos as palavras „výrazem vyjeveného dítěte […]”, ou a locução «Pudera não!» (p. 13) traduzida „Bodejť by ne!“. Da mesma maneira podemos citar «de mão beijada» (p. 276) que exprimimos por meio de um equivalente checo „za

hubičku“. Também tínhamos que prestar atenção às citações famosas que já foram traduzidas

anteriormente, de maneira preponderante relacionadas com a bíblia, concretamente com o Novo Testamento: «E quem for justo ou se julgar sem culpas que te atire a primeira

resto dos casos, se não existe nenhum equivalente no checo, como nos versos, nos empenhámos por manter a cadência da ideia, muitas vezes conseguida por meio de outras palavras, não obstante, com um mesmo significado ou, pelo menos, muito semelhante. Como exemplo podemos aludir à frase que aparece imediatamente debaixo do título Agnès – Ou

o Amor Assexuado: «Não de posse, este amor, mas de carícias feito!» (p. 167) ~ „Nikoliv z násilného zmocnění, ale z pohlazení, je utkána tato láska!” Num dos contos, em O Telefonema das Oito, aparece até um anagrama relacionado com o nome do protagonista, Venâncio, que infelizmente não era possível transmitir para o checo: «Alguns, rindo, chegaram mesmo a chamar-lhe «Vesânico» (pelas costas): era uma espécie de anagrama».

(p. 139) ~ „Někteří mu dokonce začali (za zády) posměšně říkat „Vesânico – Pomatenec”

(byl to tedy jakýsi anagram).”

Do mesmo modo era importante ter noção do emprego diferente dos verbos ter e ser no checo e no português. Para exemplificá-lo, citemos o conto Mudança de Posto: «Que

idade tem?» (p. 12) em contraste com „Kolik je vám let?“; «Os dentes eram brancos e perfeitos.» (p. 13) diferente de „Měla bílé a dokonalé zuby.“ ou «A água em repouso tinha a transparência luminosa […]» (p. 16) exprimimos por „Klidná voda byla na bílém smaltu jasně průhledná […]“.

Outra dificuldade que, entretanto, não encaixa em nenhuma das categorias relacionadas com a língua, representam os factos históricos, sociais e geográficos. Relativamente a todos estes, não sendo nós portugueses, era preciso enfrentar o desconhecimento dos elementos da cultura e vida em Portugal. Isso quer dizer, para traduzir de modo adequado não basta conhecer o vocabulário, mas é imprescindível saber orientar-se em todo o contexto histórico e sociocultural para entender as ambiguidades e alusões e, por conseguinte, para não cometer erros graves. Da mesma forma, era preciso conhecer a geografia de Portugal para não traduzirmos mal os nomes de árvores ou vegetais em geral. No conto Mudança de Posto, a menina senta-se num banco de pinho (p. 12). Neste caso, a palavra pinho tem mais equivalentes no checo (smrk e borovice), mas tivemos que aperceber-nos de que em Portugual quase não existem pinhos com o significado de smrk, sendo Portugal um país mediterrânico,e por isso escolhemos borovice. Como outro exemplo citemos a palavra caraminholas (p. 281, 282) do conto A Bota. A tradução dela teria que apreender o uso desta expressão por uma mulher que reage ao que diz a sua mãe, uma velhota supersticiosa de uma aldeia portuguesa tradicional. Deste modo, optámos pelo equivalente

báchorky. Não podemos esquecer a palavra copa (p. 169) que aparece em Agnès – Ou o Amor Assexuado que no contexto checo não era possível traduzir spíţ, o único equivalente que

encontrámos no dicionário, mas tivemos que pensar na cultura checa, na qual, para designar o móvel onde costumamos conservar o álcool, utiliza-se „bar”.

Verificámos também que o conhecimento do tradutor não se limita só à língua e cultura, mas idealmente teria que abranger o saber de cada autor cujo texto traduz. Por isso, falando Miguéis de «pessoas» (p. 173) mencionadas no contexto de Jung, cujo nome aparece meia página mais baixo, era preciso percebermos que tivemos de optar pela variante checa

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