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4.3 Personagem da mulher

4.3.1 Aspeto físico da mulher

Um dos traços que entrelaça todos os contos e que temos de salientar é a descrição detalhada do aspeto físico da mulher em comparação com poucos conhecimentos que temos sobre a figura do protagonista masculino. Começando pela sua maneira de vestir, na maioria dos casos reflete a condição social da mulher. No entanto, naqueles contos nos quais a mulher se despe, o corpo dela é perfeito e muitas vezes até comparado com entidades sobrenaturais, sobre o que vamos versar no capítulo 4.3.5.

O melhor exemplo encontra-se decerto no conto Mudança de Posto. À primeira vista, a Amália chega a casa do Bob quase como uma mendiga: Traz «[…] os trapos ardentes de

humidade: a blusa encardida, a saia remendada, a camisa esburacada… […]» (Rodrigues

Miguéis 1982: p. 16). Mas, ao despir-se, por baixo da roupa tão miserável, o narrador encontra uma beleza inesperada. A respeito do aspeto físico dela, é muito jovem, com a aparência, por assim dizer, infantil e virginal, o que refuta logo a sua gestação avançada. É morena com o cabelo marrom e olhos castanhos que a ele lhe parecem orientais apesar de ela ser portuguesa e por mais em Lisboa, o que é causado pelo facto de ele ser estrangeiro que se encontra em Portugal meramente por um tempo transitório, viajando de um país para outro.

Em Tendresse a protagonista é uma morena com olhos negros assim como a Amália, mas em contraste com ela, ela está muito pálida. O narrador descreve-a como uma mulher linda, esbelta e encantadora.

O físico da empregada de mesa no conto Episódio «Norueguesa» confirma a sua origem escandinava. É loira e com cabelo crespo, com os olhos verdes, alta e esbelta.

A aparência da protagonista do Simples Conto do Natal é diferente, sobretudo por causa da imaginação do narrador versando sobre a sua suposta origem sueva ou visigoda, para frisar a selvajaria e coexistência com a natureza, próprias dela. A brancura da sua pele contrasta com o verde dos olhos que parecem ainda mais expressivos. É loira, com os cabelos crespos. Assim, mesmo que seja portuguesa, assemelha-se muito à norueguesa.

Vale a pena mencionar a Agnès cujo aspeto o conhecemos com mais detalhes graças a um outro conto em que ela aparece e que antecede Agnès – Ou o Amor Assexuado, tanto pela data da edição (oito meses), como com a época em que se desenvolve o enredo (aproximadamente dez anos antes). Trata-se do conto «Boa Viagem, Carlos!» que decorre imediatamente depois da morte do pai da Agnès, relatando também, como é o costume nos contos de Miguéis, o passado. Nesta narração, a Agnès não é protagonista, mas o narrador

revela os princípios do seu encanto por ela, descrevendo também o seu físico: «Agnès era de

uma beleza luminosa, incomum, com uns olhos azuis de esmalte, o cabelo abundante e sedoso de um ouro puro, alta e esbelta, um corpo que se adivinhava flexuoso nos movimentos que ela lhe imprimia ao escutar os ritmos andaluzes.» (Rodrigues Miguéis 1982: p. 161 – 162).

Da mulher de A Bota não sabemos muito, o monólogo interior do protagonista faz umas poucas referências a que é uma menina pálida, gorducha e virgem. Ainda menos, melhor dizer, absolutamente nada do aspeto é revelado sobre a mulher do conto O Jardineiro

de Almas. A razão é evidente: Sendo narradora – como a única mulher de todos os contos em

questão – não fala das suas próprias feições.

Para esboçar também a aparência de algumas outras mulheres do volume, mesmo que, não sendo protagonistas, estejam mencionadas com umas poucas palavras. Vamos analisar cinco contos. Em quatro deles, a beleza da mulher é posta em dúvida – em contraste com as mulheres-protagonistas dos contos nos quais se relata toda uma relação amorosa com os problemas e infortúnios do passado do homem e da mulher.

Em primeiro lugar, em oposição a todas as outras mulheres descritas acima, em

O Fraque aparece uma mulher sem nome que é relativamente mais velha, mais gorda e mais

feia em comparação com o homem, o que não é nada típico para as protagonistas, como vamos ver nos capítulos seguintes: «Como é que um rapaz de vinte e dois ou três anos, sério,

culto, galante, responsável, se pode entusiasmar assim por uma mulher de «loup», comprovadamente vulgar, em estado de trinta avançados anos, pesada e grossa da cintura, que anda pelos clubes em busca de?» (Rodrigues Miguéis 1982: p. 53) No entanto, esta

trintenária não personifica nenhum ideal nem é, segundo o narrador e protagonista ao mesmo tempo, uma mulher para amar nem conviver, ou até para passar com ela o resto de vida, o que vamos esclarecer mais tarde. Não obstante, no aspeto dela revela também alguns traços lindos: «É verdade que ela tinha certo encanto nas feições visíveis, a pele branca e macia,

o cabelo negro ondulado, o sorriso fresco nos dentes perfeitos, o queixo clássico, destes que apetece morder […]» (Rodrigues Miguéis 1982: p. 53).

Para aludir à Concha, é uma prostituta magra, pequena e morena com os olhos negros. O narrador tampouco a considera bonita, não obstante, como acontece no caso da mulher que aparece em O Fraque, tem umas feições simpáticas e parece-lhe muito atraente.

cintura e artelhos, e tudo o que se chama curva bem no seu lugar.» (Rodrigues Miguéis 1982:

p. 297) Trata-se de uma mulher que, mesmo que seja protagonista, foge à caraterística típica da beleza encarnada e a sua aparência aproxima-se mais das mulheres que representam o papel secundário: «Bonita, bonita que se diga a valer, talvez não seja: há mesmo quem

a diga feia.» (Rodrigues Miguéis 1982: p. 297) Pelo seu físico, a Masha é, ao primeiro exame,

uma mulher da Rússia, o que é também confirmado pelo narrador.

Também em O Conto Alegre de Natal Que Não Escrevi aparece uma mulher com algumas feições descritas. Trata-se de uma senhora que o narrador encontra no transporte público urbano e contemplam-se um ao outro. «Ar de inglesa anémica, idade incerta, testa

bojuda, olho azul-gris, queixo longo, o cabelo liso e mal cuidado, sem brilho, caído pelos ombros, o pescoço esguido, no todo uma figura que me intriga.» (Rodrigues Miguéis 1982:

p. 313) De novo, é uma personagem marginal cujo aspeto não é muito atraente, mas tem algo de interessante. No entanto, ela não quer seduzi-lo, somente está curiosaporque vê nele uma suprema semelhança entre ele e William Faulkner. Para além disso, ela é casada e viaja juntamente com o seu marido.

Uma mulher-ilusão que desempenha o papel secundário no conto O Circo da Noite é relatada quase do mesmo modo que as mulheres-protagonistas que são verdadeiras, mesmo que exaltadas pelos homens e comparadas com seres irreais, o que vamos ver mais tarde:

«O seu rosto é fino e triangular, de pometes levemente salientes, os olhos quase-nada oblíquos, negros e líquidos, o cabelo ondulado e luzente.» (Rodrigues Miguéis 1982: p. 94).

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