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2.2.3 – A multiplicidade de escolhas da tradução literária

Na tradução de uma obra literária, o tradutor enfrenta constantemente uma infinidade de escolhas, por vezes todas igualmente válidas, no que toca à seleção de palavras, ao nível de fidelidade ao texto de partida, à ênfase que deve dar a determinada frase, ao uso da pontuação, ao registo de língua a utilizar, à ortografia, entre muitos outros aspetos (veja-se Landers, 2001). Tendo este facto em conta, podemos afirmar que não existe uma tradução definitiva e única, mas antes uma variedade quase infinita de possíveis traduções para a mesma obra. Para ilustrar esta ideia, segue-se um exemplo apresentado por Landers (2001):

 Isto aconteceu há 11 anos.

 Isto ocorreu há 11 anos.

 Este acontecimento teve lugar há 11 anos.

 Já se passaram 11 anos desde que tal aconteceu.

Podemos observar que todas as opções acima apresentadas são igualmente viáveis e válidas, contudo, a sua escolha depende da análise do texto por parte do tradutor em relação ao estilo global da obra, da estética ou, simplesmente, da vontade do tradutor.

Mas, de acordo com alguns autores, antes de se iniciar a tradução de uma obra literária, é necessário seguir certos passos. Landers (2001) apresenta-nos a melhor maneira de traduzir um texto literário, sugerindo os seguintes passos:

 Escolher uma obra a ser traduzida

 Ler atentamente a obra por inteiro, pelo menos uma vez

 Fazer as pesquisas necessárias

 Lidar com possíveis bloqueios

 Negociar um prazo com o cliente ou empresa

Outra das questões referidas por Landers (2001) a propósito da tradução literária é a da proximidade ao autor ou ao leitor. Numa tradução perfeita, o tradutor deveria

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manter uma proximidade igual tanto do autor, ou do texto fonte, como do leitor, ou do texto alvo. Mas, na realidade, esta questão não é assim tão simples, uma vez que o tradutor tende a dar preferência, por vezes inconscientemente, a um dos lados, aproximando-se ou afastando-se do autor ou do leitor. Mesmo esta questão não é consensual entre os académicos e teóricos, pois enquanto uns defendem uma tradução virada para o texto fonte, outros defendem uma tradução virada para o texto alvo. Como afirma Landers (2001), “Academicians tend more toward the sourcerer approach […].” Certos autores, como Umberto Eco – apud Landers (2001) –, por exemplo, defendem uma tradução virada para o texto alvo. Os adeptos deste tipo de tradução virada para o texto alvo consideram que os leitores devem perceber que estão perante uma tradução.

[…] resistance is the concept that a translation should patently

demonstrate that it is a translation.

(Landers, 2001)

Os tradutores que seguem esta via, de acordo com o autor referido, evitam excluir quaisquer elementos identificadores da origem do texto. Para muitos destes tradutores, a suavidade e a transparência do texto podem ser consideradas uma marca de uma mentalidade colonizadora e o facto de a tradução ser de difícil compreensão é uma prova da sua fidelidade à cultura e língua alvo. Inclusive, Nemet-Nejat (1991) – apud Landers (2001) – afirma: “a successful translation must sound somewhat alien, strange,

not because it is awkward or unaware of the resource of the second language, but because it expresses something new in it”.

Tal como muitos outros tradutores e teóricos, consideramos que a tradução deve ser o mais compreensível possível para o leitor. Como afirma Landers (2001), “I

acknowledge the translator’s duty to the author just as I recognize that same translator’s accountability to the TL reader”. O tradutor tem um dever para com os

leitores, bem como para com o autor, e, como tal, deve fazer uma tradução adequada aos seus leitores, divulgando o trabalho do autor, que deseja ser conhecido além- fronteiras, deseja atingir visibilidade numa cultura que não é a sua, numa cultura estrangeira. Savory (1960) – apud Landers (2001) – afirma, ainda a este propósito, que, tal como a obra original se lê como um original, também a tradução deveria ler-se como um original:

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The original reads like an original: hence it is only right that a translation of it should too.

Até porque qualquer desvio do que é considerado normal pode ser visto como uma falha por parte do autor, um trabalho fraco por parte do tradutor ou ambos (Landers, 2001). Aliás, a maioria dos tradutores literários prefere este método, que procura fazer o leitor esquecer que está perante um produto estranho à sua própria língua.

O tradutor tem ainda de ter mais cuidado e atenção ao discurso utilizado pelo autor, aos recursos estilísticos, à expressividade, às intenções do autor e ainda ao público-alvo. Caso seja necessário, e dependendo, sobretudo, do público ao qual o texto se dirige, o tradutor pode fazer certas alterações no texto, fazendo uso de algumas estratégias de tradução, de modo a que a mensagem seja completamente recebida pelo leitor. Entre essas estratégias, contam-se, por exemplo, a conversão de pesos e medidas, a adição de notas de rodapé ou a substituição de nomes de pessoas e lugares por outros mais familiares, sobretudo para a tradução de livros infanto-juvenis. Como apontado por Landers (2001), a linguagem utilizada deve corresponder ao original, quer isto dizer que, perante um texto do século XIX, como o que foi traduzido no âmbito do estágio, o tradutor deve adequar a linguagem e as formas de tratamento às utilizadas na altura. Por outro lado, num texto contemporâneo destinado a um público juvenil, fará mais sentido utilizar formas de tratamento e linguagem “mais modernas”, como o uso do calão, por exemplo. Gutt (1991) – apud Hassan (2011) –, como poderemos ver pela seguinte citação, é da mesma opinião, acrescentando:

Because literature allows multiple interpretation, there should be freedom in literary translation to consider a wide range of implicatures. Thus, rendering the equivalent effect of the original requires freedom to explore different interpretations.

House (1981) – apud Gonçalves (1999) – apresenta alguns critérios que têm como função avaliar a tradução literária, entre outros tipos de tradução. Alguns desses critérios dizem respeito a problemas relacionados com “dimensões situacionais”, termo que o autor utiliza para designar as várias circunstâncias do texto. Essas, como iremos

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ver, podem ajudar o tradutor na tradução de textos literários, já que “a tradução será

tanto mais fiel quanto mais se preservarem as dimensões situacionais” (Gonçalves,

1999). Os critérios propostos por House são: a origem geográfica, a classe social, o tempo, o meio, a participação, a relação de papéis sociais, a atitude social e a área de comunicação.

1. Origem geográfica: este critério refere-se a dialetos locais, que devem ser de alguma forma transpostos para a tradução.

2. Classe social: diz respeito, como refere o autor, a uma variante, mas que que é própria de cada grupo social. Está relacionada com o modo como as pessoas de diferentes estratos sociais se exprimem.

3. Tempo: este critério está relacionado com a indicação de aspetos que caracterizam a definição temporal no texto.

4. Meio: também denominado de canal, onde a autora classifica este critério como simples ou complexo. Simples se o texto permanecer numa categoria apenas (por exemplo, um texto escrito que irá ser lido ou falado que irá ser ouvido) e complexo se apresentar mais do que uma categoria (por exemplo, um texto escrito que será lido e falado).

5. Participação: este critério também pode ser dividido em duas subcategorias, simples e complexa. Simples se o texto for escrito por alguém representando uma pessoa apenas. Complexo quando é escrito por uma pessoa para caracterizar mais do que uma pessoa ou personagem. Ou seja, está relacionado com a manutenção de diálogos que ocorrem num texto.

6. Relação de papéis sociais: House divide este critério em simétrico ou assimétrico. O simétrico mostra um nível de igualdade entre o emissor e o recetor. O assimétrico apresenta uma relação de autoridade entre o emissor e o recetor. Como refere Gonçalves (1999), “a escolha de palavras

conotativas no discurso literário do texto traduzido deverá refletir fielmente a relação social entre os personagens entre si, entre o narrador e os personagens e também entre o narrador e o leitor”.

7. Atitude social: este critério relaciona-se com o grau de distanciamento ou proximidade social e pode dividir-se em frígido, formal, consultivo, casual e íntimo, dependendo do nível de proximidade entre o emissor e o recetor.

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8. Área de comunicação: diz respeito à atividade ocupacional e profissional descrita e ao campo ou tópico do texto.

Para além dos critérios acima descritos, House (1981) – apud Gonçalves (1999) – diferencia ainda aspetos textuais, sintáticos e lexicais presentes em cada dimensão situacional Nos aspetos textuais, os mais significativos para a tradução literária, House defende que a tradução deve manter, entre outros, as repetições, as referências anafóricas e catafóricas, as pró-formas, as elipses, a sinonímia, o tema e o rema presentes no original.