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C I NIBIDORES I NFLAMATÓRIOS

1.6. D IAGNÓSTICO

1.6.4. A NÁLISE DO LÍQUIDO SINOVIAL

A análise do líquido sinovial é a ferramenta mais importante e útil no diagnóstico de sinovites infeciosas. Fornece informações valiosas sobre a inflamação e distingue entre sinovites sépticas e sinovites não sépticas. Apresenta na variabilidade individual de valores e na ocorrência de, em cultura bacteriológica, um número de falsos negativos relativamente elevado, os principais desafios na chegada a um diagnóstico definitivo (Ludwig & van Harreveld, 2018; Steel, 2008). A sua recolha deve ser efetuada de forma asséptica e sempre o maior volume possível pois não só drena a estrutura sinovial, como também permite recolher quantidade suficiente para a realização de todos os testes e ainda cultura bacteriana, que é de grande importância e conveniência. O animal não deve ter recebido qualquer tratamento antibiótico ou anti-inflamatório antecedente à recolha pois irá influenciar e alterar os resultados da mesma, assim como, diminuir a probabilidade de uma cultura positiva (Bertone, 1995).

Macroscopicamente devemos avaliar o fluido sinovial pela sua viscosidade, turbidez e presença de detritos e sangue. Com efeito, o líquido normal apresenta uma coloração transparente a amarela pálida, elevada viscosidade e não apresenta fibrina, coágulos ou outro tipo de detritos. A inflamação sinovial leva a que o líquido sinovial se apresente com turbidez aumentada devido ao aumento da celularidade, viscosidade diminuída pela clivagem do ácido hialurónico (teste da qualidade precipitante da mucina), e ainda contendo fibrina e aglomerados celulares, assim como apresentar-se sanguinolento devido a trauma e disrupção da membrana sinovial (figura 7) (Bertone, 1995; Ludwig & van Harreveld, 2018). As sinovites inflamatórias, não infeciosas, como por exemplo por reação a injeções intra-articulares, causam alterações semelhantes no líquido sinovial sendo por isso necessária a sua avaliação microscópica a parâmetros como contagem de células nucleadas totais, proteínas totais, pH, lactato e diferença entre glicose sanguínea e sinovial, assim como realização de citologia e cultura bacteriana (Ludwig & van Harreveld, 2018).

Figura 7. Fluido sinovial séptico. Aparência serosanguinolenta, opaca e túrbida (adaptada de Ludwig & van Harreveld, 2018).

A contagem de células nucleadas total e de proteínas totais vai ser tanto maior quanto maior for o grau e duração da inflamação. Ambos os parâmetros cursam simultaneamente e apresentam uma elevação mais abrupta nas primeiras 12-24h. Como em sinovites sépticas o grau inflamatório é maior que nas sinovites não sépticas, os valores destes dois parâmetros, principalmente as proteínas totais, podem apresentar-se também superiores (Ludwig & van Harreveld, 2018; Tulamo et al., 1989). Especificamente, o líquido sinovial de estruturas saudáveis apresenta valores de contagem de células nucleadas total inferiores a 500 células/µL e de proteínas totais inferiores a 2 g/dL. Por outro lado, no fluido de estruturas sépticas, a contagem de células nucleadas total apresenta valores superiores a 30,000 células/µL e as proteínas totais ultrapassam as 4 g/dL (Ludwig & van Harreveld, 2018; Steel, 2008).

Uma das partes mais importantes desta análise é a citologia, beneficiando da dificuldade em realizar culturas bacterianas positivas. A citologia é realizada diretamente em amostras com alta celularidade e com a ajuda de uma centrifuga caso a celularidade seja baixa. São utilizados vários tipos de coloração, como por exemplo a “Diff-Quick”. Com esta análise avalia-se não só a celularidade total, tipo celular e a morfologia das mesmas, mas também o número de eritrócitos e a presença de microrganismos (figura 8) (Steel, 2008). O líquido sinovial normal apresenta predomínio de células mononucleadas, ao contrário do que acontece em casos de sépsis onde existe neutrofilia marcada (90%) e com moderado nível de degeneração dos neutrófilos, principalmente em infeções por Staphiloccoccus aureus (Steel, 2008; Tulamo et al., 1989). A presença de eritrócitos no fluido não é normal e está muitas vezes relacionada com contaminação da amostra, apesar de poder ser devida a hemorragia sinovial devendo por isso ser investigada. Um dos sinais que se trata de contaminação da amostra é a presença de agregados plaquetários (Steel, 2008). A realização de colorações Gram na análise citológica possibilita a identificação de microrganismos apesar de possuir baixa sensibilidade e poderem, por conseguinte, ocorrer falsos negativos. A coloração Gram apresenta baixas taxas de sucesso com apenas 25% de resultados positivos (Ludwig & van Harreveld, 2018; Steel, 2008).

Durante a resposta inflamatória aguda, os neutrófilos, os microrganismos e as células sinoviais utilizam a glicose para fornecimento de energia. Deste processo de glicólise, cujo produto final são o ácido lático e ácido acético, resulta um aumento dos mesmos e uma diminuição da glucose e do pH do fluido sinovial (Tulamo et al., 1989). Em condições normais o pH sanguíneo é apenas um pouco mais ácido que o sinovial (aproximadamente 7.3), ao contrário do que se passa em situação de sépsis onde ocorre uma descida acentuada do pH do fluido sinovial. De igual modo, a diferença entre glicose sanguínea e sinovial, normalmente mínima (aproximadamente 0.85 mmol/L), acentua-se com o desenvolvimento do processo infecioso/inflamatório principalmente na sua fase aguda. Pode atingir valores superiores a 2.2 mmol/L sendo estes considerados altamente sugestivos de sinovite séptica, apesar de poderem ser influenciados por vários fatores como o grau de dor, necrose sinovial e celularidade, assim como, a nutrição do animal. Por último o lactato sinovial apresenta elevações dos 3.9 mmol/L, em condições normais, para valores superiores a 4.9 mmol/L em casos de infeções sinoviais. As infeções causadas por bactérias Gram-negativas apresentam níveis superiores de lactato em relação a infeções por Gram-positivas (Steel, 2008; Tulamo et al., 1989).

A cultura de microrganismos é o parâmetro de eleição na deteção de sinovites sépticas pois assume-se, até ao momento, como o único cuja positividade estabelece o diagnóstico definitivo da doença e ainda auxilia na escolha do tratamento antibiótico (Ludwig & van Harreveld, 2018). Vários fatores contribuem para a baixa eficácia desta técnica como por exemplo o manuseamento e transporte da amostra, a virulência do microrganismo, o tempo Figura 8. A- Inflamação séptica por Streptococcus zooepidemicus (centro da imagem). Morfologia celular fraca indiacndo degeneração celular secundaria a toxinas bacterianas; B- Artrite inflamatória. Presença de macrófago a realizar fagocitose (centro inferior da imagem) e de macrófago reativo (centro superior da imagem). Observam-se, também, macrofagos menos reativos e neutrófilos, boa morfologia celular; Coloração Giemsa e ampliação X1000 (adaptada de Steel, 2008).

entre a colheita e a cultura, e a administração prévia de antibióticos. Adicionalmente, existe a hipótese de as bactérias se encontrarem na membrana sinovial e pannus (tecido composto por fibroblastos, macrófagos, e outras células inflamatórias) e não no líquido sinovial (Ludwig & van Harreveld, 2018; Steel, 2008; Tulamo et al., 1989). A realização do método tradicional de cultura em placa de agar tem revelado pouca eficácia com resultados falsos negativos de aproximadamente 50%. Uma solução para este problema é a realização previa de cultura em meio sanguíneo, que aumenta a eficácia do método principalmente em animais que receberam tratamento prévio. Uma das suas desvantagens é o tempo de incubação necessário que em alguns organismos pode chegar a 7-10 dias (Ludwig & van Harreveld, 2018; Steel, 2008; Tulamo et al., 1989).

Nas últimas duas décadas os estudos sobre o potencial das proteínas de fase aguda como indicadoras da presença, grau e duração da inflamação intensificou-se, uma vez que estas proteínas são libertadas em resposta à inflamação e agressão tecidular, aumentando a sua concentração no plasma em aproximadamente 25%. Estas proteínas formam um grupo amplo e altamente heterogéneo onde a SAA se figura como um marcador extremamente sensível de inflamação em equinos (Jacobsen & Andersen, 2010). A SAA varia entre <0.5-20 mg/L. As pequenas variações relacionadas com a idade e gestação não parecem ter importância estatística e não existem variações entre géneros. Apresenta elevações rápidas, 36-48h, e um tempo de semivida baixo, 24h, o que a torna ideal para monitorizar o tratamento. Em particular, a SAA parece aumentar de forma mais marcada na presença de infeção sinovial do que em sinovites não sépticas e a sua mensuração no soro sanguíneo apresenta alterações mais cedo do que no fluido sinovial. Estas característica permite ao clínico detetar e diferenciar sinovites infeciosas mais cedo e de forma mais fácil e rápida visto que apenas necessita de recolha e análise sanguínea, não devendo excluir os outros exames para auxiliar e aumentar a veracidade do diagnóstico (Jacobsen & Andersen, 2010; Ludwig et al., 2016). Por outro lado, a medição da concentração de SAA no líquido sinovial é ideal para avaliar a progressão do tratamento pois ao contrário de outros parâmetros, como por exemplo a contagem de proteínas e células nucleadas totais, apresenta um tempo de semivida curto e não sofre alterações com procedimentos como artrocentese, administração intra-articular de amicacina, lavagens por artroscopia ou lavagens “through-and-through” repetidas (Jacobsen et al., 2006; Sanchez-Teran, 2016).