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CAPÍTULO II – PARTE PRÁTICA

ENQUADRAMENTO TEÓRICO

2. Adições 50 anos após a década de

2.1. Quarenta anos de drogas: um fenómeno pós revolução de Abril

2.2.1. Epidemiologia das drogas ilícitas

2.2.1.2. A nível Europeu

O cenário do consumo de drogas na União Europeia [UE] está claramente a mudar, e a complexidade e a dinâmica do mercado de droga, associada às dificuldades económicas que muitos países atravessam, constituem-se como um dos maiores desafios da luta contra a droga na UE (Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência [OEDT], 2012).

Apesar da heroína e da cocaína continuarem a ser as drogas com maior associação à mortalidade e morbilidade, a emergência das drogas sintéticas estão a alterar o panorama do consumo Europeu, que regista uma tendência de substituição das drogas “tradicionais” por concorrentes sintéticas facilmente fabricadas em laboratórios domésticos. Contudo, a canábis continua a ser substância ilícita mais consumida em toda a Europa, e no cenário de mercado atual ela acarreta uma preocupação acrescida relacionada com a alteração do tipo de produto de canábis. Presentemente a maior distinção entre os produtos de canábis recai sobre a canábis herbácea e a resina de canábis. A alteração do maior consumo de resina para a canábis herbácea aumenta a preocupação, não do consumo em si, mas da produção ilegal de canábis herbácea na UE, já que a resina é um produto importado. Este facto aumentou a vigilância de muitos

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países, que redesenharam as suas estratégias de luta contra a droga, dando maior prioridade a medidas direcionadas para a luta contra o tráfico e oferta desta substância (OEDT, 2012). Para além disto, os mercados e forma de obtenção das substâncias ilícitas também estão a mudar. A internet está no centro destas alterações, proporcionando uma difusão mais rápida e globalizada das novas tendências de drogas e de consumos, funcionando concomitantemente como um novo mercado anónimo, sem fronteiras e de difícil monitorização (Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência [EMCDDA], 2013).

Seguidamente sintetizamos a situação da Europa em matéria de consumo de drogas. As estimativas apresentadas referem-se à população adulta (15-64 anos) e baseiam-se nos mais recentes dados disponíveis (inquéritos realizados entre 2004 e 2010-2011, principalmente em 2008-2010).

Opiáceos

Num contexto de aumento global da disponibilidade de tratamento para os consumidores de heroína, os dados indicam que o consumo e a disponibilidade desta droga tendem a diminuir. Contudo, alguns países referem que, ao longo da última década, a heroína foi sendo substituída no mercado por outros opiáceos (OEDT, 2012).

Relativamente ao consumo, estima-se que na Europa existam 1,4 milhões de consumidores problemáticos de opiáceos. As mortes induzidas pela droga, apesar de terem decrescido nos últimos anos, representam 4% de todas as mortes de europeus com idades compreendidas entre os 15 e os 39 anos. A heroína é a droga principal em cerca de 50% do total de pedidos de tratamento da toxicodependência. Em 2010, cerca de 710 mil consumidores de opiáceos receberam tratamento de substituição. No entanto, o número de consumidores de heroína que iniciam o tratamento pela primeira vez continua a diminuir e, em termos globais, as pessoas em tratamento devido ao consumo de heroína constituem uma população envelhecida (OEDT, 2012).

Tradicionalmente, a via de consumo de heroína era essencialmente injetada, mas esse comportamento tem diminuído substancialmente desde há uns anos. Possivelmente, este facto, associado ao impacto das intervenções ao nível da minimização de riscos e redução de danos, terá contribuído para o decréscimo dos novos casos de infeção por VIH/SIDA atribuídos ao consumo de droga. No entanto, essa tendência positiva foi

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interrompida por surtos recentes de VIH/SIDA relacionados com o consumo de droga injetada, na Grécia e na Roménia. Este facto, demonstra a necessidade de se consolidarem politicas e práticas de redução de danos em toda e Europa, de forma a inverter este surto (OEDT, 2012).

Cocaína

A seguir à canábis, a cocaína surge como a substância ilícita mais consumida pelos europeus, com cerca de 15,5 milhões de pessoas (4,6% dos adultos europeus) a referirem já terem consumido esta droga pelo menos uma vez na vida. Globalmente, os indicadores de consumo e de oferta de cocaína têm revelado uma tendência decrescente nos últimos anos nos países de maior prevalência. No entanto, na Europa Oriental as quantidades crescentes de cocaína apreendida suscitam preocupações acerca do potencial de expansão do consumo desta substância (OEDT, 2012).

No último ano, cerca de 4 milhões de adultos europeus (1,2%), ou um quarto dos consumidores ao longo da vida, consumiram cocaína, e no último mês cerca de 0,5% da população europeia (1,5 milhões) usou esta substância. Contudo, a procura de tratamento tem diminuído desde 2009 (OEDT, 2012).

Ecstasy

A variabilidade deste tipo de droga sintética que proporciona aos consumidores a escolha de acordo com a sua disponibilidade, preço e qualidade percebida, constitui um obstáculo à compreensão das tendências globais do seu consumo. No entanto, os dados indicam que a popularidade do ecstasy tem diminuído nos últimos anos, possivelmente devido ao facto do grau de pureza dos comprimidos ter diminuído (OEDT, 2012).

Apesar disso, a prevalência de consumo ao longo da vida mantem-se relativamente alta (4,45), correspondendo a cerca de 11,5 milhões de pessoas. Por sua vez, o consumo no último ano foi de 0,6% (2 milhões de pessoas), variando as estimativas nacionais entre menos de 0,1 % e 3,1 %. Quanto à procura de tratamento, em 2011 poucos foram os consumidores que procuraram tratamento devido ao consumo desta substância (menos de 1%) (OEDT, 2012).

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72 Anfetaminas

As anfetaminas ainda constituem um ponto importante no panorama do consumo de drogas e o seu consumo injetável constitui-se como um dos maiores problemas relacionados com o consumo desta droga em muitos países da europa do norte. Na perspetiva a longo prazo, os indicadores relativos às anfetaminas mantiveram-se estáveis, mas os dados recentes refletem o aumento da disponibilidade das metanfetaminas, estando esta substância a substituir as anfetaminas em alguns mercados (OEDT, 2012).

Relativamente às prevalências de consumos ao longo da vida, esta substância representa 3,8% (cerca de 13 milhões de pessoas). O consumo no último ano corresponde a 0,6% (cerca de 2 milhões de pessoas) ou um sexto dos consumidores ao longo da vida, verificando-se uma variação do consumo no último ano por país de 0,0% a 1,1% (OEDT, 2012).

Outro dado importante relativamente ao consumo desta substância refere-se às mortes, que têm sido relatadas por alguns países, principalmente à maior prevalência. Já relativamente ao tratamento, esta droga foi responsável por 6% dos pedidos de ajuda em 2011 em toda a Europa (OEDT, 2012).

Canábis

Relativamente ao consumo de canábis pela população europeia, esta substância mantém-se como a droga mais consumida, ao mesmo tempo que a maior variação global entre países (0,3% a 14,3%) quando comparada com as restantes substâncias (gráfico 8). Apesar de vários dados indicarem a redução do consumo desta substância em alguns países, a prevalência mantém-se elevada e o mercado consistentemente abrangente. No entanto, os tipos de produtos de canábis disponíveis estão a diversificar- se. A canábis herbácea, como já referimos, apresenta agora algum relevo conjuntamente com o aparecimento de produtos sintéticos «tipo-canábis» (CRAs). Estes novos factos, associados ao seu estatuto de droga mais consumida, assume relevância em termos de saúde pública (OEDT, 2012).

No que ao consumo ao longo da vida diz respeito, a Europa apresenta uma

prevalência de 23,7% dos adultos, correspondendo a cerca de 80,5 milhões de pessoas. O consumo desta substância no último ano corresponde a cerca de 23 milhões de

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adultos europeus (6,8%) ou um terço dos consumidores ao longo da vida. O consumo no último mês corresponde a cerca de 12 milhões de pessoas (3,6%) (OEDT, 2012).

O gráfico que se segue (gráfico 8) espelha o panorama do consumo de drogas na UE em 2012, demonstrando que a canábis é, sem margem para dúvidas, a droga mais consumida pelos cidadãos deste continente.

Os dados que acabamos de apresentar poderiam ser considerados animadores por mostrarem uma tendência decrescente do consumo das drogas “tradicionais” (heroína e cocaína). No entanto, os indicadores refletem uma alteração do tipo de droga, verificando-se uma tendência para o consumo de novas substâncias, que surgiram no mercado como drogas lícitas, mas que rapidamente foram legisladas como ilícitas, como é o caso, por exemplo, das catinonas sintéticas (e.g. mefedrona). Estas novas substâncias, substitutos sintéticos das drogas “tradicionais” aumentam os desafios do combate a esta problemática. Por um lado, por serem drogas criadas laboratorialmente, a fácil modificação da sua estrutura molecular dificulta muitas vezes a classificação como droga ilícita, mantendo-as em circulação no mercado livre durante bastante tempo (EMCDDA, 2013; OEDT, 2012). Por outro lado, o facto serem fabricadas em laboratórios caseiros por pessoas sem conhecimentos especializados, impossibilita o conhecimento sobre a sua verdadeira composição química e consequentemente quais os efeitos por elas provocados. O que sabemos é que há múltiplos registos de mortes derivadas do consumo destas novas substâncias.

Para além disto, os dados apresentados também refletem as dificuldades existentes ao nível do tratamento das outras drogas ilícitas que não a heroína. Estes dados levam-nos a refletir se o problema está nas estruturas de tratamento que não estão preparadas para receber utentes consumidores de outras substâncias para além da

Gráfico 8

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heroína, ou se a perceção dos consumidores relativamente à necessidade de tratamento ou de oferta do mesmo é limitada.