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CAPÍTULO II – PARTE PRÁTICA

ENQUADRAMENTO TEÓRICO

3. Pontes e cruzamentos do VIH/SIDA e dependência de substâncias

3.2. Epidemiologia do VIH/SIDA e consumo de substâncias

A apresentação de dados relativos ao VIH/SIDA e ao consumo de substâncias cinge-se apenas às substâncias ilícitas, dados estes, que estão bem documentados, e em que a associação entre consumo de drogas pela via injetável é claramente uma preocupação e alvo de intervenção e prevenção. No entanto, apesar de já existirem vários documentos e publicações (Fritz, Morojele, & Kalichman, 2010; Cardoso, Malbergier, & Figueiredo, 2008; Fisher, Bang, & Kapiga, 2007; Cooper, 2006; Mbulaiteye, Ruberantwari, Carpenter, Kamali, & Whitworth, 2000) que abordam o álcool tanto como um fator de risco para a infeção pelo VIH/SIDA, como um fator de agravamento da doença (VIH/SIDA), não existe na literatura consultada referências epidemiológicas acerca desta associação, não sendo, por isso, possível apresentar a epidemiologia das pessoas com problemas ligados ao álcool (PLA) infetadas com o VIH/SIDA, nem a prevalência de infetados com PLA.

3.2.1. A nível mundial

A guerra global contra as drogas é o motor da pandemia de VIH/SIDA entre as pessoas que usam drogas e os seus parceiros sexuais. Hoje, há uma estimativa que 33 milhões de pessoas em todo o mundo vivam com o vírus da imunodeficiência humana (VIH), e o consumo de drogas injetáveis é responsável por um terço das novas infeções por VIH que ocorrem fora da região da África subsaariana (Global Commission on Drug Policy [GCDP], 2012).

Este meio de transmissão é responsável pelo aumento de novos casos de infeção por VIH em alguns países da Europa de Leste e Ásia Central, contrariando assim a tendência mundial da diminuição do número de novos casos de VIH associados à toxicodependência diagnosticados (GCDP, 2012).

Globalmente, cerca de 16 milhões de pessoas consomem drogas ilegais pela via da injeção, e destas, cerca de 3 milhões (quase uma em cada cinco) vivem com VIH. A média de prevalência de VIH entre consumidores de drogas injetáveis, nos países com a maior população de consumidores de drogas por esta via, varia de 12% a 36%, correspondendo à China (12%), EUA (16%) e Rússia com a percentagem mais elevada

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(36%). Apesar da emergência que estes dados apontam em termos de saúde pública, não pode deixar de ser referido o papel das políticas e medidas que cada um destes países apresenta para o combate às drogas. As medidas punitivas aplicadas por estes países na luta contra a toxicodependência, desempenham um papel fundamental na disseminação da epidemia do VIH/SIDA dentro desta população (GCDP, 21012).

Quando tentamos estabelecer esta ligação entre consumo de drogas e VIH/SIDA, não podemos apenas restringir-nos ao consumidor e aos seus comportamentos de risco. O contexto social e político onde está inserido também desempenha um papel de relevo no risco de infeção destas populações. O relatório de junho de 2012 publicado pela Global Commission on Drug Policy é muito explícito nesta matéria, explicando de que forma as políticas e as medidas punitivas dos países servem de motor da disseminação do VIH/SIDA entre consumidores de drogas injetáveis. Sumariamente, o relatório acima mencionado, refere:

• O medo de ser preso impulsiona as pessoas a consumirem em ambientes ocultos e de alto risco, ficando longe dos testes de VIH e dos serviços de prevenção. • Restrições no fornecimento de seringas esterilizadas aumentaram a partilha de

seringas entre consumidores.

• Proibições ou restrições à terapia de substituição de opiáceos ou outros tratamentos baseados em evidências mantêm as pessoas nas margens das sociedades onde prevalecem os comportamentos de risco.

• Interrupções da terapia antirretroviral aumentam a carga viral e consequentemente o risco de transmissão do VIH e posterior aumento da resistência à terapêutica.

• Fundos públicos, por si só já limitados, são desperdiçados em esforços de aplicação da lei de combate às drogas nocivos e ineficazes, em vez de serem investidos em estratégias comprovadas de prevenção do VIH.

3.2.2. A nível europeu

Relativamente à situação da Europa, podemos afirmar que, globalmente, a incidência de casos de consumidores de drogas pela via injetada (CDI) infetados pelo VIH/SIDA tem vindo a decrescer desde o ano 2000. No entanto, não podemos deixar de

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referir alguns surtos de infeção relatados nos últimos anos por países como a Grécia e a Roménia. Casos estes que sustentam a necessidade da manutenção da preocupação com a epidemia (European Monitoring Centre for Drugs and Drug Addiction & European Centre for Disease Prevention and Control, 2012).

No ano de 2010, de todos os casos de infeção pelo VIH/SIDA notificados 4,4% correspondiam a casos de infeções pelo VIH/SIDA em CDI. Como já referimos, a tendência global de infeção pelo VIH/SIDA na população consumidora de drogas injetáveis na Europa é decrescente, tendo-se verificado uma acentuação nesta tendência em 2004, ano em que o número de novos diagnósticos diminuiu 44%. Apesar disso, ainda existem alguns países em que a taxa de incidência do VIH/SIDA é muito elevada (European Monitoring Centre for Drugs and Drug Addiction & European Centre for Disease Prevention and Control, 2012), como é o caso dos países da europa de leste, onde a média das taxas de incidência de CDI infetados pelo VIH/SIDA é superior a 20% (Dutta, et al., 2013).

3.2.3. A nível nacional

Em Portugal, apesar de se verificar nos últimos anos um decréscimo da infeção associada à toxicodependência, cerca de 41% do total acumulado de notificações de infeção pelo VIH correspondem a casos associados à toxicodependência (Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, IP. [INSA], 2012; IDT, 2011a). No quadro que se segue (quando 7), podemos ver os casos de VIH/SIDA associados à toxicodependência, por estádio de infeção.

Quadro 6

Notificações dos Casos de Infeção pelo VIH: Total de Casos e Casos Associados à Toxicodependência, segundo a Classificação Epidemiológica (SIDA, Sintomático Não-SIDA e Portadores Assintomáticos) (INSA, 2012, IDT, IP, 2011a).

Casos

Casos de PA Casos Sintomáticos Não-SIDA Casos de SIDA Total Toxicodep. Total Toxicodep. Total Toxicodep.

Total 16379 7565 3923 1345 19054 7029

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A percentagem de casos de VIH em toxicodependentes (gráficos 20 a), b), c) e d)) independentemente do estádio da infeção tem diminuído ao longo dos anos, representando em 2010 uma percentagem de 46%, 34% e 37% do total acumulado de notificações de casos de SIDA, de Sintomáticos Não-SIDA e de Portadores Assintomáticos, constituindo 15% do total de casos diagnosticados em Portugal (INSA, 2012).

Gráficos 20 a), b), c) e d):

Notificações de Infeção pelo VIH Associados ou não à Toxicodependência, nos diferentes estadios da infeção (INSA, 2012).

Nos novos casos diagnosticados com VIH verifica-se um maior peso de infeções antigas na população toxicodependente do que na restante população. Com efeito, relativamente aos casos de infeção pelo VIH associados à toxicodependência diagnosticados em 2010 e para os quais se conhece o ano provável de infeção (30%), em cerca de 41% dos casos a data provável de infeção ocorreu há mais de 5 anos (14% entre 2001 e 2005 e 27% antes de 2001), contrariamente aos restantes 31% dos casos

59% 41% VIH Não Toxicodependentes Toxicodependentes 54% 46% SIDA 66% 34%

Sintomático Não -SIDA

63% 37%

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não associados à toxicodependência que apresentam infeções mais recentes, com apenas 19% dos casos com provável infeção há mais de 5 anos (IDT, 2011a).

Esta diminuição da incidência nos toxicodependentes poderá estar relacionada com a implementação de políticas de redução de riscos e minimização de danos (como por exemplo os programas de substituição opiácea e o programa de troca de seringas) em 2001 e mais recentemente com a implementação, desde 2007, do Programa Klotho (descrito no ponto 1.4) que permitiu o aconselhamento e rastreio de todos os utentes em tratamento nos serviços especializados no tratamento das toxicodependências (IDT, 2011a).

Quanto às patologias mais prevalentes nos casos de SIDA associados à toxicodependência, as infeções oportunistas correspondem a 95% dos casos, com especial relevo para a tuberculose (57%) e pneumonia por P. jirovecci (11%) e, 5% para ambos os diagnósticos. Nos restantes casos não associados à toxicodependência verificava-se um menor peso das infeções oportunistas entre as patologias observadas à data do diagnóstico (87%), nomeadamente da tuberculose (30%) (IDT, 2011a).

Relativamente à mortalidade até 2010, 51% dos casos notificados (7694 óbitos) estavam associados à toxicodependência. A mortalidade observada nos casos de SIDA associados à toxicodependência foi de 52% (sobrevida 48%) e nos casos não associados à toxicodependência de 43% (sobrevida 57%). Em 2010, foram notificadas 147 mortes (ocorridas no ano) entre os casos com SIDA, e dessas 44% estavam associadas à toxicodependência (IDT, 2011a).

No que concerne às diferenças regionais, Lisboa (34%), Porto (30%) e Setúbal (14%), mantêm-se os distritos com maior peso no total acumulado de notificações de casos de infeção pelo VIH associados à toxicodependência, mas também dos casos não associados (IDT, 2011a).

Os dados previamente apresentados sugerem uma tendência decrescente da incidência de toxicodependentes infetados pelo VIH/SIDA, facto que constitui um dos maiores ganhos, como resultado dos esforços do governo e das instituições de saúde, principalmente daquelas diretamente relacionadas com a intervenção na toxicodependência no combate ao VIH/SIDA em Portugal. A implementação eficaz de programas de redução de risco e minimização de danos, como o programa de troca de seringas, obtém com estes dados uma avaliação positiva da sua abrangência e eficácia

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na redução da infeção no seio desta população. Para além deste programa, outras medidas implementadas, tanto ao nível da deteção da infeção pelo VIH/SIDA, como ao nível da prevenção e do tratamento parecem constituir uma mais-valia da resposta nacional à epidemia da SIDA.

Se, no que aos consumidores de drogas ilícitas diz respeito, a ação institucional tem demonstrado a sua eficácia na redução da infeção pelo VIH/SIDA, relativamente aos consumidores de drogas lícitas, como o álcool, o cenário altera-se. Nunca é demais salientar que mais dados epidemiológicos são necessários para uma correta abordagem da problemática junto desta população especifica de pessoas com problemas ligados ao álcool.