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A presente dissertação desenvolve-se em três estágios.

No primeiro, cogita do sentido de ambas as noções que lhe servem de base: nacionalidade e corporações. No segundo, investiga a forma como estes dois termos relacionam- se juridicamente. No terceiro, que aqui se inicia, perscruta o contexto em que tal relação tem realidade.

São três passos necessários. Antes de tudo, é preciso esclarecer do que se trata: o tema, sua dúplice estrutura, seus dois termos básicos. Depois, erguidos estes dois pilares, assentar sobre eles todo este edifício de preceitos e repercussões jurídicas que nascem justamente da relação entre esses dois termos. Finalmente, terminada a construção, lançar o olhar sobre horizonte que se abre à sua volta.

Este horizonte, entretanto, abriga um confronto265. Nele, duas forças

poderosas se debatem. De um lado, as nações e seu poder de legislar e aplicar a lei. De outro, as corporações e sua condição, simultaneamente, de sujeito jurídico e de relevante ator econômico e social. Estas forças polares são mediadas pelo direito. E este reflete a resultante destas forças em choque.

265 Desde já é preciso ressaltar que a expressão – ‘confronto’ – não designa uma oposição factual, mas teórica: ela

põe a relação entre as nações e as corporações em termos abstratos, onde umas e outras são assimiladas a forças divergentes, cuja relação determina o contexto em que o fenômeno que aqui investiga se produz. Tal expressão, portanto, não implica a afirmação de que nações e corporações, na realidade de sua atuação, sejam entes em litígio. Absolutamente: como disse Galbraith (1984, p. 260), “a moderna empresa multinacional também exerce poder no governo e através dele”; além disso, é também – e talvez principalmente – na presença deste “íntimo consórcio” entre os estados e as corporações que este confronto, paradoxalmente, se manifesta com maior intensidade: aí, precisamente, é onde há maior pressão para que a idéia de nacionalidade ceda; logo (lógica, por sinal, tipicamente newtoniana: a força de reação é equivalente à que atua), é onde ela mais resiste.

Neste confronto, um aspecto ressalta: o vínculo entre as nações e as corporações. Vínculo que pode ser ostensivo – a bandeira; mas que pode ser suposto a partir dos elementos mais díspares e remotos, revelando-se como um aspecto “substancial” da existência das corporações – como algo que as remeta, na essência, a determinada nação. Este vínculo, convém insistir, é apenas um aspecto deste confronto; mas um aspecto relevantíssimo: ao ligar – ou não – determinadas corporações a determinadas nações, o direito estabelece condicionamentos à existência destas; e ao fazê-lo, a própria nação – como uma idéia aglutinadora, como força centrípeta, como ‘unidade’ – é posta em discussão: afinal, a idéia de nação não pode ser compreendida sem considerar aqueles que a formam e lhe são vinculados.

O contexto considerado, em que se estende este último desdobramento desta dissertação, é justamente o contexto internacional. Aqui, precisamente, a idéia de nacionalidade pode ser vista em toda a sua expressão. Neste panorama, a nação é um dos elementos considerados; e tal consideração dá-se justamente diante do que lhe é alheio – para que assim se mostrem seus precisos contornos, para que se perceba com nitidez, como disse Mallarmé, “a lacuna que dos jardins a separa”266. A idéia de nacionalidade pressupõe a consideração do

estrangeiro, do elemento que lhe é exterior, do ‘outro’. Esta relação entre identidade e alteridade é essencial a esta idéia. E tal relação só pode ser compreendida num contexto que defina o que é próprio à nação – e o que não é.

O tema da nacionalidade das corporações está precisamente neste contexto: elas podem ou não ligar-se à nação, que pode ou não submetê-las diante deste vínculo que lhe cabe estabelecer. Mas a corporação, como ente jurídico, é mais do que ‘vinculada’ ao estado: é ‘criada’ pela incidência das leis estatais sobre os fatos que a constituem267; e todavia sua

existência inegável confronta o poder estatal – ou mais: assume tal dimensão que já não se submete a ele. Eis o paradoxo: as corporações existem apenas diante do estado, cujas leis “consagram” tal existência; e ao mesmo tempo arrostam o poder estatal, prenunciando uma ordem jurídica indiferente e insubmissa a este poder. A idéia de nacionalidade engendra o vínculo entre estas duas forças opostas; e, sendo expressão do poder estatal, também é confrontada por este ‘outro poder’ que arrosta sua soberania. Como dito, a nação se define diante de sua 266 Citação do poema “Prose” (1998, p. 37-40)

267 Mesmo a chamada “sociedade européia”, conforme já visto, supõe a existência de sociedades constituídas em

alteridade; e assim como, ao se identificar os estrangeiros, delimita-se o conjunto dos nacionais – também se delimita o poder dos estados, ao se identificar aquele que o confronta.

4.1 As nações.

O termo ‘nação’, aqui, é rigorosamente sinônimo de ‘estado’. Insiste-se nisto: nação, estado, estado-nação – todos estes termos têm sentido perfeitamente idêntico no contexto desta dissertação268. Se aquele primeiro termo foi eleito para o título desta seção, isto se

deve ao fato de que contenha o mesmo étimo do termo nacionalidade – e, assim, liga-se a ele inclusive etimologicamente. De todo modo, a noção do que seja ‘estado’ – ou ‘nação’ – deve ser pressuposta aqui; a partir dela, e somente assim, devem ser compreendidas as considerações seguintes.

Foi dito, logo no início, que a nacionalidade é conceito referível ao estado – ao menos no contexto desta dissertação. Todavia, já ali se notou a dificuldade de estabelecer uma definição deste termo: tal definição pode conduzir a uma tautologia, na medida em que se supõe ser um “estado” aquilo que os próprios estados reconhecem como tal. Pode-se cogitar da “existência” de um estado considerando-se os mais diversos aspectos – a união de grupos étnicos ou religiosos, a comunhão de traços culturais, os esforços de um povo por sua autodeterminação; mas a noção de ‘estado’ é também – e fundamentalmente – jurídica: ‘estado’ é o ente a que se liga toda uma ordem jurídica – ordem bastante em si mesma e, ao mesmo tempo, insubmissa a qualquer outra. A noção de ‘estado’, portanto, remonta ao poder capaz de produzir o direito: supõe, portanto, a soberania269.

O que caracteriza uma nação, ao menos no sentido que esta dissertação dá ao termo, é o chamado ‘poder soberano’. Uma ordem jurídica é a manifestação de um poder insubmisso; portanto, fundado em si mesmo, pois do contrário seria submisso àquilo que lhe serve de fundamento. Este poder perfaz uma ‘unidade’: a própria noção de ‘poder’ – como força que atua sobre a realidade – sugere algo irredutível, que existe diante de todo resto e que não

268 Conforme já visto na seção 1.1.1.

269 “Não só é impossível negar a positividade da noção de soberania, mas também esta surge como o próprio critério

contém nada senão ele mesmo. O poder soberano, diante de um tal raciocínio, tem um fundamento absoluto na medida em que cada estado, erguido sobre ele, é em si uma unidade jurídica fundamental. A noção de ‘unidade’, aqui, ergue-se – ou equivale – à de soberania. Só há tal unidade, só há uma ordem jurídica determinada, porque existe este “poder absoluto” – insubmisso a qualquer outro e contido, nos limites de sua atuação, apenas por si mesmo.

Esta noção de ‘unidade’ está no âmago da compreensão do estado. Tem-se falado aqui de um ‘ente’ que existe no tempo e no espaço, e portanto de algo a que se pode antepor o artigo indeterminado ‘um’: um direito é criado, um direito existe entre vários outros,

um direito sucumbe diante daquele que o sucede. Se ‘estado’ pode ser uma unidade dentro de um

contexto de ‘vários estados’, então se deve supor que é criado, que coexiste com os demais e que, afinal, cede diante de outros que o superam. Mas resta o problema, o ‘âmago da questão’: como pode haver unidade? O que permite que haja um ‘Brasil’, uma ‘Alemanha’, um ‘Panamá’? O que assegura que não exista um ‘Curdistão’, um ‘País Basco’, uma ‘Palestina’. O que é, afinal, uma ordem jurídica? E sobretudo: faz sentido pensar nestes termos, se todos somos, a humanidade, um só grupo?

Grupo: eis aí, talvez, a chave para tais respostas. Talvez a humanidade não possa ser um grupo, mas sim, e sempre, vários grupos: formamo-los, defendemo-los, isolamo-nos neles. No início – pode-se cogitar – os homens formaram grupos e eventualmente tais grupos ligaram-se a determinados territórios, e todo o resto não é senão a história das migrações e das guerras. Não parece haver como fugir desta palavra: ‘grupos’. Parece mesmo impossível contestar a constância desta realidade em que a espécie humana divide o espaço – o mundo – em retalhos, como se uma catástrofe atávica tivesse despedaçado esta hipótese diamantina – a humanidade como um só corpo social, político e jurídico – e desde então não tivessem restado senão os cacos. Grupos: a união de alguns contra o resto, a aproximação dos homens para protegerem-se dos homens. Grupos: a descendência, a raça, o credo270. Grupos, enfim: um

número limitado de ‘nacionais’ tratados, perante a respectiva nação, diversamente de todos os outros.

270 “The cultural symbolism of ‘a people’ secures its own particular character, its ‘spirit of the people’, in the

presumed commonalities of descent, language, and history, and in this way generates a unity, even if only an imaginary one” (HABERMAS, 2001, p. 64).

Nestes grupos está, então, o fundamento do que se reputava de ‘unidade jurídica’, ou de uma ‘ordem jurídica determinada’? Dificilmente. Não há qualquer meio absolutamente inequívoco de eleger, dentre os homens, aqueles necessariamente vinculados a um grupo. A individualidade pode sempre resistir, indômita ou altivamente, a tais ‘determinações’. O agrupamento, em si, impõe-se à força de eventos aleatórios, muitas vezes incompreensíveis e nunca inteiramente ligados a padrões lógico-racionais. Finalmente, o pensamento moderno ocidental corroeu as bases mais radicais a justificarem os agrupamentos, que sem qualquer constrangimento se baseavam em critérios de raça e de religião, mas que também remontavam a contextos políticos e sociais mais remotos, a partir dos quais certos segmentos (e esta palavra parece adequada na medida em que denota apenas ‘fração’) foram se sedimentando nas reentrâncias dos grandes impérios, passando a se caracterizarem como grupo – ou, para irmos logo ao ponto, povo.

Interessante como a teoria jurídica, na voz de tantos de seus expoentes, remete aquele ‘poder soberano’ – no qual se assenta determinada ‘ordem jurídica’ e que, afinal, permite considerá-la como unidade – ao que chama de povo271. Mas que povo? Os nacionais? Os

crentes? Os descendentes? “Não, não” – respondem os juristas sempre atentos às duras lições daquele meio século de duas guerras mundiais – “povo é uma noção aberta, dinâmica, inextrincavelmente ligada aos princípios democráticos”272. “Certo, certo”, replica-se, “mas, afinal,

quem é o povo?”. Seres humanos são indivíduos: também os homens, sobretudo estes, são cada qual um ser único, irredutível – enfim, uma unidade. Um ‘povo’, portanto, é sempre um certo número de indivíduos. Como definir ‘quem’ ou ‘o quê’ é o ‘povo’? E principalmente: por que defini-lo?

Esta discussão, que já é problemática ao considerar apenas os homens, torna- se profundamente tormentosa quando aborda as corporações. Os estados reconhecem, em regra, a existência destas corporações. Compreendem sua atuação no cenário social e econômico. Consideram-nas ‘entes’. Os estados, portanto, atribuem-lhes a condição de sujeito; e, ao lha atribuir, vinculam-nas a si mesmos – ou, ao contrário, rejeitam tal vínculo. A mesma ‘idéia’ que explica o vínculo entre o homem e o estado justifica, também, que este vincule as corporações. O 271 Neste sentido, Canotilho (2003, p. 65).

272 “O povo concebe-se como povo em sentido político, isto é, grupos de pessoas que agem segundo ideias, interesses

e representações de natureza política. Afasta-se, assim, um conceito naturalista, étnico ou rácico de povo caracterizado por origem, língua e/ou cultura comum” (CANOTILHO, 2003, p. 75)

estado estabelece este vínculo segundo as condições que ele mesmo elege; mais ainda: pressupõe este vínculo como base para condicionamentos que impõe à sua existência e atuação. O estado, enfim, assume este vínculo como uma categoria básica, substancial e ideal a expressar a ligação do ‘ente’ a si.

E aqui se alcança o ponto-chave desta discussão: a natureza do vínculo entre o estado e o ‘ente’ – humano ou não – cuja existência aquele considera. Este vínculo pode ser ostensivo e concreto: a nacionalidade propriamente dita, a bandeira, a “insígnia estatal” aposta sobre a personalidade jurídica. Mas pode ser também um laço implícito, subentendido, substancial entre estes dois ‘elementos’. Todas estas formas de vínculo entre o ‘ente’ e a nação remontam a uma idéia fundamental, que projeta uma “ligação substancial” entre ambos; tudo isto não é senão um mesmo fenômeno – ou um mesmo gênero de fenômenos – trespassados de uma mesma essência. Esta ‘essência’, enfim, é o que se chama, nesta dissertação, de ‘idéia de nacionalidade’.

Diversas e inúmeras são as manifestações deste fenômeno. A idéia de nacionalidade se projeta nos mais diversos contextos e sob os mais diversos aspectos. Restrições, vedações, incentivos, investimentos – tudo isto pode estar ligado àquela idéia. A existência e a atuação das companhias, obviamente, é condicionada por todos estes fatores. E estes condicionamentos supõem que tal existência e atuação possa ser referível à nação – ou melhor, supõem que desta existência e atuação seja possível depreender um laço entre a corporação e estado, laço essencialmente idêntico ao que une os nacionais em torno desta idéia fundamental – a nação.

Que este ‘laço’ seja assim suposto, isto não admira. Ao contrário: à sua existência liga-se a noção atual de poder soberano, que remonta ao povo que governa a si mesmo. Esta ligação subjetiva entre a nação e o ‘ente’ é, portanto, fundamental. Se o estado é uma unidade jurídica, se existe por si mesmo e em si mesmo, se perfaz enfim uma ordem jurídica única, distinta e insubmissa – todas estas características supõem a ligação entre o poder soberano e os respectivos “súditos”, entre a nação e o povo. Somente como algo referível a determinado grupo, a determinado povo, a nação pode ser compreendida: aí então ela assume as suas especificações, projetando-se sobre o espaço – o território – sobre o qual esse povo, e portanto esta nação, é soberano. A existência objetiva do estado remonta ao poder de cada sujeito, tanto

quanto este poder remonta à autoridade estatal: nem um nem outro destes momentos opostos, mas a própria relação entre ambos, é a realidade do estado – e ambos os momentos, assim, são indispensáveis à tal realidade. Em suma: o estado não pode ser concebido senão em relação aos que lhe são vinculados; sua existência se pulveriza na subjetividade destes últimos, assim como a sua liberdade e seus direitos se objetivam no estado273.

Este ‘laço’, enfim, é o pressuposto à existência do Estado. A particularidade do tema deste trabalho é que este laço, com toda a ‘idealidade’ que lhe subjaz, projeta-se sobre as corporações. Não porque estas, como entes de existência jurídica, se juntem aos homens neste “fenômeno” a que se chama ‘povo’. Mas porque sua existência se projeta na realidade social e econômica, em que assumem papel relevante. Diante desta existência por assim dizer ‘real’, passa-se a considerar este ‘ente’ como vinculado – ou não – ao estado. Todavia, este vínculo é sempre figurativo: projeta-se sobre uma espécie de personificação da corporação, que é assimilada ao homem. O vínculo entre o homem e a nação é sempre mais concreto, porque é mais claro: o homem tem realidade física e corpórea, que naturalmente pode ser referida a determinado lugar e, portanto, a determinada nação. A sociedade, ao contrário, tem existência ubíqua, que se manifesta nos diversos fenômenos que perfazem sua atuação; além disso, sua existência é também instrumental, remontando a interesses alheios. Portanto, ao projetar todo conteúdo do vínculo entre homem e estado sobre a relação entre estes e as corporações, o direito assume meios muito mais maleáveis para caracterizá-lo – justamente porque este vínculo não supõe a realidade física e corpórea do homem, mas a realidade jurídica, sócio-econômica e instrumental da corporação. Mais ainda: ao estabelecer este tipo de vínculo, o estado permite-se estabelecer os mais variados critérios, tendo em vista justamente os variados contextos em que a existência da corporação é considerada. Portanto, este vínculo assume ‘gradações’; e a maior ou menor intensidade deste vínculo é levada em consideração pelo estado, nas diversas hipóteses em que este último entenda conveniente considerá-lo. Não por acaso, o estado brasileiro, p. ex., permite a qualquer empresa constituída no país, em regra, o livre exercício de seu objeto social; mas proíbe a tais empresas a atividade de radiodifusão, quando houver estrangeiros entre seus acionistas. Para contextos distintos, parâmetros distintos: em geral, o capital estrangeiro é considerado 273 “O Estado, como realidade em acto da vontade substancial, realidade que esta adquire na consciência particular de

si universalizada, é o racional em si e para si: esta unidade substancial é um fim próprio absoluto, imóvel, nele a liberdade obtém o seu valor supremo, e assim este último fim possui um direito soberano perante os indivíduos que em serem membros do Estado têm o seu mais elevado dever” (HEGEL, 1976, p. 216).

benéfico, por fomentar a economia e dinamizar o mercado; mas naquele ramo econômico específico, o elemento “estrangeiro” que caracteriza a empresa impede-lhe de atuar. No primeiro caso, tolera-se um vínculo formal, aparente, tênue; no segundo, impõe-se um vínculo material, substancial, bem mais intenso.

Vale ressaltar este detalhe fundamental: assim como o estado tem por fundamento o vínculo com os diversos sujeitos que perfazem em conjunto o que se designa como povo, ele também ‘submete juridicamente’ estes sujeitos ao criar as formas pelas quais estabelece este vínculo. Todas as repercussões ligadas à idéia de nacionalidade, uma vez atribuídas a um sujeito, tornam-se para este fonte de direitos e deveres – e, portanto, um instrumento de sujeição jurídica. O estado, ao supor o vínculo entre ele mesmo e uma corporação, pode criar regras que se situam no espaço de sua atividade regulatória. Em suma: ao supor – ou rejeitar – o vínculo de determinada empresa a uma dada nação, a ordem jurídica desta última pode estar recorrendo a meios de confrontar a atuação daquela – confrontação que não atende a qualquer propósito específico senão este: o reforço da idéia de nacionalidade.

O estado, ao regular a atividade econômica, lança mão de inúmeros instrumentos que condicionam a atuação das empresas. Tais instrumentos estão ligados a diversas finalidades e remontam, em última análise, aos chamados ‘interesses nacionais’. Entre os meios com os quais o estado exerce esta atividade regulatória, destacam-se alguns preceitos ligados à ‘idéia de nacionalidade’ – preceitos que esta dissertação chama de regras de reforço. Entretanto, esta regulação estatal não se restringe a estes preceitos. Absolutamente: esta regulação é ampla, profunda e multifacetada, abrangendo diversos tipos de atuação estatal – desde a ‘lei’ até os atos administrativos mais simples – e engendrando os mais distintos efeitos, nas mais diversas áreas; as regras de reforço são preceitos que se inserem neste contexto, e que se distinguem justamente por suporem o vínculo – ou a falta dele – entre as corporações e o estado. De todo modo, estas regras são também expressão de atividade regulatória estatal: a suposição – ou a rejeição – do vínculo entre corporação e nação, neste sentido, é forma de sujeitar a atuação daquela à ação desta.

O que distingue as regras de reforço, assim como todos os demais preceitos ligados à idéia de nacionalidade, é a consideração do sujeito – no caso, as corporações – como vinculado à nação. Este ‘vínculo’, por certo, sugere comprometimento com os interesses

nacionais; logo, remonta inevitavelmente a considerações psíquicas, morais, políticas. Tais considerações são alheais a este trabalho: aqui, elas são guardadas num “baú”, à espera de futuras investigações; e sobre este baú, como a identificá-lo em função do conteúdo, gravam-se as seguintes palavras: “idéia de nacionalidade”. O conteúdo desta ‘idéia’, já foi dito, não pode ser investigado neste trabalho: aqui, precisamente, está seu limite. Todavia, isto não induz a supor inexistente tal conteúdo. Toma-se aqui o estado – não como ‘ente’, como pessoa, mas como síntese de toda uma ordem jurídica, como a mais alta objetivação da organização humana; toma- se aqui o sujeito – o ente, o indivíduo, a mais radical subjetivação da idéia de direito; entre estes dois extremos, entre o absolutamente objetivo e o absolutamente subjetivo, o vínculo que os faz reciprocamente referíveis e sem o qual aqueles dois ‘momentos’ da ‘idéia de direito’ não fazem