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3. REPERCUSSÕES LIGADAS À IDÉIA DE NACIONALIDADE

3.2 Nacionalidade como fator de identificação e de discriminação

3.2.1 Repercussões ligadas à nacionalidade como fator de identificação

Ao longo de toda esta dissertação, enfatizou-se o caráter discriminatório ligado à idéia de nacionalidade. Agora, ressalta-se que, além deste traço típico, há outro a caracterizá-la: o fato de que a nacionalidade pode ser fator de identificação. Não há, entretanto, contradição ou incoerência nisto: o caráter discriminatório é, de fato, o fator essencial e decisivo no exame do tema; e, justamente por isso, também na identificação há discriminação: discriminar é simplesmente distinguir; identificar é distinguir um aspecto específico, num espectro de vários possíveis.

De fato, ao se tratar da nacionalidade, nem sempre basta distinguir entre nacionais e estrangeiros. Muitas vezes é preciso apurar a nacionalidade específica. Sempre que a incidência de determinada ordem jurídica estiver relacionada à nacionalidade específica das pessoas envolvidas, tal atributo será um fator de identificação. Os exemplos são vários.

Na legislação brasileira, em relação às pessoas físicas225, os direitos

concedidos a estrangeiros oriundos de países de língua portuguesa (CF, art. 12, II, a) e aos portugueses (CF, art. 12, § 1º), p. ex. Em relação (também) às pessoas jurídicas, cite-se o artigo 318 do Código Bustamante, que define a competência para “ações cíveis e mercantis de qualquer espécie”; segundo este dispositivo, será competente o juiz “a quem os litigantes se submetam expressa ou tacitamente, sempre que um deles, pelo menos, seja nacional do Estado contratante a que o juiz pertença”.

Entretanto, a relevância de abordar a nacionalidade como fator de identificação está ligada às repercussões jurídicas decorrentes dos tratados e acordos internacionais, tendo-se conta naturalmente o princípio da relatividade dos tratados, segundo o qual suas disposições só se aplicam aos estados-partes (DINH et al., 2003, p. 246-248), e, naturalmente, o da reciprocidade (DINH et al., 2003, p. 1136-1137). É clara a razão disto: os direitos assegurados a estrangeiros por um determinado estado-parte são, em geral, condicionados ao fato de que a lei do país de origem garanta-os, de modo idêntico, aos nacionais daquele estado. Se um tratado entre Brasil e Suécia assegura, reciprocamente, direitos a brasileiros e suecos, é óbvio que a consideração deste elemento específico – a nacionalidade brasileira ou sueca – é decisiva226.

Obviamente que nem todos os direitos de matriz internacional sujeitam-se a tal restrição. Há tratados e acordos cuja aplicação não leva em consideração a nacionalidade das pessoas sobre quem repercutem; ao contrário, por seu próprio conteúdo, devem ter aplicação 225 “La ‘nacionalidad de la persona física’ es un punto de conexión retinido en numerosas normas de conflicto del

Derecho español. Responde a la idea de hacer aplicable la Ley del país en cuya comunidad social esta realmente integrado el sujeito (= ‘integración social y psicológica’). En los casos concretos, lo normal es que, efectivamente, la Ley nacional es la Ley del país en cuya comunidad social se siente integrada la persona física. Éste es el caso retenido por el legislador cuando emplea el punto de conexión ‘nacionalidad de la persona física’” (GONZÁLEZ, 2004, p. 151).

226 “Quaisquer prerrogativas conferidas às sociedades nacionais, que foram além do regime comum de direito

privado, somente serão extensíveis às sociedades ou fundações estrangeiras autorizadas se houver reciprocidade de tratamento nos seus países de origem para as sociedades ou fundações brasileiras, ressalvados os casos em que a lei brasileira não permitir, expressamente, a concessão da vantagem ou prerrogativa” (CASTRO, 1999, p. 347).

geral e irrestrita – como quando prevêem direitos fundamentais, trabalhistas, etc. Entretanto, é mais comum haver tal restrição – sobretudo nos tratados e acordos relativos a matérias afetas às relações econômicas227.

Ainda quanto à reciprocidade nos tratados e acordos internacionais, têm particular relevância os acordos para evitar a chamada “bitributação”228. Nestes casos, a

importância de considerar a nacionalidade das empresas é óbvia, na medida em que as disposições destes acordos só incidirão sobre as relações envolvendo nacionais de um ou outro estado-parte229.

Finalmente, outro aspecto relevante, neste contexto específico, é a chamada ‘proteção diplomática’. Nacionais de um estado são assistidos por este último, nas múltiplas formas de sua atuação extraterritorial. Tal atuação pode se perfazer não apenas em atividades consulares ou diplomáticas em senso estrito, mas na forma de iniciativas do próprio estado em prol dos interesses dos nacionais, perante instâncias a que somente entes com personalidade de direito público externo podem recorrer. Como exemplo disto, lembra-se o histórico caso “Barcelona Traction”, paradigmático no contexto da jurisprudência da Corte Internacional de Justiça no que se refere aos critérios de definição da nacionalidade das pessoas jurídicas; neste caso, justamente por invocar a nacionalidade belga da companhia (em função da predominância de acionistas desta nacionalidade na composição do capital), a Bélgica insurgia-se contra decisões judiciais espanholas que decretaram a falência de subsidiárias instaladas na Espanha230.

227 Exemplo típico de tais restrições consta dos artigos 50 e 51 da Lei 4131/62, que “Disciplina a aplicação do capital

estrangeiro e as remessas de valores para o exterior”: “Art. 50. Aos bancos estrangeiros, autorizados a funcionar no Brasil, serão aplicadas as mesmas vedações ou restrições equivalente às que a legislação vigorante nas praças em que tiverem sede suas matrizes impõe aos bancas brasileiros que neles desejam estabelecer-se. Parágrafo único. O Conselho da Superintendência da Moeda e do Crédito baixará as instruções necessárias para que o disposto no presente artigo seja cumprido, no prazo de dois anos, em relação aos bancos estrangeiros já em funcionamento no País. Art. 51. Aos bancos estrangeiros cujas matrizes tenham sede em praças em que a legislação imponha restrições ao funcionamento de bancos brasileiros, fica vedado adquirir mais de 30% (trinta por cento) das ações com direito a voto, de bancos nacionais”.

228 A respeito do tema, Castro Moreira Jr. (2003) e Cretella Neto (2006, p. 119-132).

229 O Brasil tem acordos desta natureza com os seguintes países: Alemanha, Equador, Itália, Argentina, Espanha, Japão, Áustria, Filipinas, Luxemburgo, Bélgica, Finlândia, Noruega, Canadá, França, Portugal, China, Holanda, República Tcheca, Coréia do Sul, Hungria, República Eslovaca, Dinamarca, Índia, Suécia (BRASIL, 2008).

230 UNITED NATIONS, 1971. Como notam Dinh et al. (2003, p. 508), a Corte Internacional de Justiça reconheceu,

neste caso, que “[a] regra tradicional atribui o direito de exercer a proteção diplomática de uma sociedade ao Estado sob cujas leis ela foi constituída e em cujo território tem a sua sede”.

Estes, enfim, são os aspectos que se destacam quando, voltando-se às repercussões ligadas à nacionalidade, esta é compreendida como um fator de identificação – em que a especificidade do vínculo entre a pessoa e determinado estado é levada em conta. Vale notar que este gênero de repercussões está sempre ligado a critérios – jamais a regras de reforço; isto porque justamente supõem este atributo personalístico – a nacionalidade de um dado estado – que, como já visto, decorre da incidência daquela espécie de preceito.