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2. PRECEITOS LIGADOS À IDÉIA DE NACIONALIDADE

2.5 Regras de reforço

2.5.3 Os suportes das regras de reforço

2.5.3.1 Suportes ostensivos

Em relação aos suportes ostensivos, estes podem ser relacionados à administração e à propriedade das sociedades comerciais. Quanto à administração, não há maiores detalhes a abordar: devem-se considerar aqueles que compõem os órgãos correspondentes137; registre-se apenas que, segundo a lei brasileira, estes ‘membros’ deverão ser

“pessoas naturais residentes no país”138 – o que faz lembrar que, como dito, as regras de reforço

têm por alvo não apenas a nacionalidade das pessoas a cujos interesses a corporação se presta, mas também o vínculo destas pessoas com o território respectivo. Quanto à propriedade da sociedade, várias questões vêm à tona, na medida em que seu quadro acionário pode ser composto por outras sociedades e, neste caso, dar origem a ‘agregados econômicos’ que podem, em si mesmos, ser suporte para as regras aqui consideradas.

Neste contexto, estas regras podem centrar-se nas ligações jurídicas entre a sociedade considerada e outros entes jurídicos. A sua atuação, assim, será referida à destes últimos; e todos eles, em conjunto, conformarão um ‘ente jurídico’ específico – não necessariamente personificado – que, para determinados efeitos legais, é tomado como ‘único’. A 137 No Brasil, os órgãos de administração, nas companhias, são a diretoria e o conselho de administração (conforme

LSA, art. 138); nas demais sociedades, a administração é exercida por quem for designado no contrato social ou em ato separado dos sócios (CC, arts. 1010-1021); finalmente, especificamente quanto às sociedades por cotas de responsabilidade limitada, faculta-se a adoção de qualquer dos dois modelos (CC, arts. 1060 e 1053, par. ún.).

lei estabelece diversas modalidades de ligações entre sociedades comerciais – desde a mais completa sujeição de uma a outra, até os mais tênues e efêmeros laços de parceria.

A legislação brasileira regra algumas destas modalidades. Por outro lado, a produção normativa e jurisprudencial de organismos internacionais139, além de extensa literatura

(veiculada inclusive no âmbito destes mesmos organismos), trazem à tona outras figuras especialmente relevantes. Em todos estes casos, há sempre a relação entre duas ou mais sociedades empresariais (pessoas jurídicas); e, por força desta relação, essas sociedades são consideradas, para determinados efeitos (inclusive jurídicos), conjuntamente.

Como suportes desta espécie, devem-se considerar, de acordo com a legislação nacional, as sociedades coligadas, controladas, subsidiárias integrais e os grupos de sociedades. Segundo o Código Civil de 2002, as sociedades coligadas abrangem as controladas140,

as filiadas141 e as de simples participação142. Esta terminologia é praticamente idêntica à adotada

pela LSA143, com a diferença de que não é tratada, nesta última, a figura prevista no art. 1100 do

CC. Todavia, na LSA é prevista a figura do “grupo de sociedades”, assim como a da “subsidiária integral”. Aquele corresponde ao vínculo explícito entre sociedades controladas e controladoras144; esta expressa a forma mais completa de submissão de uma sociedade a outra: a

propriedade total de seu capital145.

139 Ressalta-se especialmente a Organização das Nações Unidas (ONU), no âmbito da qual destaca-se a Conferência

sobre Mercado e Desenvolvimento (UNCTAD), além da Organização Mundial do Comércio (OMC) e o Fundo Monetário Internacional (FMI), este último de profícua produção literária sobre o tema.

140 Conforme art. 1098. A noção de controle no Código Civil, tal como na Lei de Sociedades Anônimas (art. 116), é

assimilada ao poder de determinar as decisões assembleares e a atuação da administração.

141 Art. 1099: “Diz-se coligada ou filiada a sociedade de cujo capital outra sociedade participa com dez por cento ou

mais, do capital da outra, sem controlá-la”.

142 Art. 1100: “É de simples participação a sociedade de cujo capital outra sociedade possua menos de dez por cento

do capital com direito de voto”.

143 Art. 243: “O relatório anual da administração deve relacionar os investimentos da companhia em sociedades

coligadas e controladas e mencionar as modificações ocorridas durante o exercício. § 1º São coligadas as sociedades quando uma participa, com 10% (dez por cento) ou mais, do capital da outra, sem controlá-la. § 2º Considera-se controlada a sociedade na qual a controladora, diretamente ou através de outras controladas, é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores”.

144 Art. 265: “A sociedade controladora e suas controladas podem constituir, nos termos deste Capítulo, grupo de

sociedades, mediante convenção pela qual se obriguem a combinar recursos ou esforços para a realização dos respectivos objetos, ou a participar de atividades ou empreendimentos comuns”.

145 Art. 251: “A companhia pode ser constituída, mediante escritura pública, tendo como único acionista sociedade

Finalmente, noções congêneres são utilizadas no plano internacional, para enquadrar a atuação de conglomerados econômicos baseados na atuação de companhias em diversos países. Neste plano, a terminologia baseia-se em noções razoavelmente consolidadas na literatura jurídico-econômica internacional146, que projetam aquelas formas de ligação jurídica

para as chamadas “corporações transnacionais”147. Neste sentido, ressalta a noção de “parent

enterprise”, que corresponde ao ente a que se sujeitam as sociedades controladas ou coligadas. Estas duas últimas, por sinal, correspondem respectivamente à “subsidiary enterprise”148 e à

“associate enterprise”149.

Em todos estes suportes, a sociedade comercial (como pessoa jurídica de existência distinta) é considerada num contexto mais abrangente, em que sua atuação é inserida. Assim considerada, toda esta atuação remonta a um ‘ente’ maior, que perfaz uma constelação de atores econômicos articulados em torno de mesmos fins e que, por esta exata razão, são tratados como algo único e distinto150. Este ‘algo único e distinto’ corresponde a uma dada noção jurídica

que serve de suporte às regras de reforço e que pode designar, como visto, desde um ‘ente

146 Veja-se neste sentido o sítio da UNCTAD (doravante, UNCTAD, 2008), em que há a definição dos elementos que

compõem a estrutura das “corporações transnacionais” (TNCs, segundo a sigla em inglês). Tais definições correspondem àquelas adotadas pelo Fundo Monetário Nacional (FMI, 2004) que, por sua vez, remontam àquelas do “Benchmark Definition of Foreign Direct Investment” (OECD, 2008)

147 “A TNC is an enterprise, which is irrespective of its country of origin and its ownership, including private, public

or mixed, which comprises entities located in two or more countries which are linked, by ownership or otherwise, such that one or more of them may be able to exercise significant influence over the activities of others and, in particular, to share knowledge, resources and responsibilities with the others. TNCs operate under a system of decision making which permits coherent policies and a common strategy through one or more decision-making centres” (UNCTAD, 2008).

148 “An incorporated enterprise in the host country in which another entity directly owns more than half of the

shareholders´ voting power, or is a shareholder in the enterprise, and has the right to appoint or remove a majority of the members of the administrative, management or supervisory body” (UNCTAD, 2008).

149 “An incorporated enterprise in the host country in which an investor, together with its subsidiaries and associates,

owns a total of at least 10 per cent, but not more than half, of the shareholders´ voting power (the figure may be less than 10 per cent if there is evidence of an effective voice in management)” (UNCTAD, 2008).

150 “Regardless of which form is utilized to establish the MNE as a unified economic entity, it is the interaction

between transnational control of MNEs and the sovereignty of nation-states which generates the most significant legal, socio-ecomomic, and political conflicts concerning the MNE. The crucial question is when and to what degree will nation-states recognize the existence of the transnational control. The regulating states must choose the national law applicable to the corporation under consideration. The state must decide when and for what legal purposes a corporation which is part of an MNE is subject to local law and when it is subject to foreign law. Such decisions could be looked upon as determinations of whether the corporation is a local national as opposed to the national of another state. Many times, in making such decisions the regulating state must also decide when and for what legal purposes a corporation should be treated not only as an independent entity operating exclusively within its own boundaries, but also as an integral part of a large enterprise headquartered and controlled from abroad. One who accepts such a broad use of corporate nationality may find it helpful to speak in terms of attributing a nationality to, or disregarding a nationality of, the corporation, when ever a state faces the need to choose the national law applicable to an MNE” (HADARI, 1974, p. 5).

distinto’151 até uma mera relação jurídica. Lembra-se que a atuação conjunta de sociedades pode

corresponder a uma simples coligação de empresas, em que uma detém parte do capital da outra, sem controlá-la; mas também pode corresponder a um grupo de sociedades que, em si mesmo, pode ostentar existência jurídica distinta da dos entes que o compõem152. De todo modo, seja

como um ente juridicamente distinto, seja como uma mera relação jurídica, este é, em muitos casos, o suporte das regras de reforço.

Neste sentido, o direito brasileiro contém regras importantes. Lembra-se, de início, a norma que impõe, em relação aos grupos de sociedades, que a sociedade controladora seja brasileira153 – o que impede, em tese, que grupos controlados por estrangeiros possam atuar

no país154; além disso, a LSA impõe que a sociedade controladora seja efetivamente controlada

por “pessoas residentes ou domiciliadas no país”, reforçando a noção de que o controle seja exercido desde o território brasileiro – noção que, como visto, está ligada à idéia de nacionalidade155. Por outro lado, no caso da sociedade subsidiária, a proprietária será

necessariamente sociedade brasileira156. Note-se, ainda, que segundo o entendimento de Pontes de

Miranda (1984a, p. 196), “a filial que se criou e personificou no Brasil, de acordo com o direito brasileiro, também precisa de autorização do Governo Federal, porque a relação de filialidade, relação de contrôle, a despeito da independência patrimonial, cria situação delicada, de que se teve exemplo no Caso Trunfo”.

No direito alienígena, regras com suportes desta espécie são também freqüentes (UNCTAD, 2006). Os mais diversos setores econômicos são sujeitos a regulações

151 É o caso, p. ex., da chamada “sociedade européia”, cuja existência supõe a de sociedades constituídas em mais de

um estado-membro da União Européia, conforme Regulamento (CE) n.° 2157/2001 do Conselho da União Européia. Comparato já alertara para a sua natureza similar à de um grupo de sociedades (1983, p. 291).

152 Não se desconhece a existência de opiniões contrárias à que supõe a personalidade jurídica do grupo de

sociedades no direito brasileiro. Contudo, sem entrar nesta polêmica, basta notar que o art. 269, VII, da LSA impõe “a declaração da nacionalidade do controle do grupo”; portanto, para os fins desta dissertação, convém considerar o grupo como um ‘ente jurídico distinto’, em relação ao qual faz sentido considerar determinada nacionalidade.

153 LSA, art. 265, § 1º: “A sociedade controladora, ou de comando do grupo, deve ser brasileira, e exercer, direta ou

indiretamente, e de modo permanente, o controle das sociedades filiadas, como titular de direitos de sócio ou acionista, ou mediante acordo com outros sócios ou acionistas”.

154 Lembra-se que o grupo estará regularmente constituído após o registro da ‘convenção’ na Junta Comercial (art.

271 da LSA); e tal registro só é possível se observada a regra relativa à nacionalidade do controlador.

155“O principal objetivo da inserção, em nossa legislação, de disposições acerca dos grupos de sociedades formais foi a intenção do Governo brasileiro, na década de sessenta, de desenvolver a economia com base em grandes conglomerados nacionais. Daí a exigência de nacionalidade brasileira nas sociedades de comando e controladora dos grupos de sociedades” (CAMINHA, 2007).

restritivas, que impõem condicionamentos baseados nas relações entre as empresas nacionais e estrangeiras (FINANCIAL TIMES, 2006). Tais condicionamentos costumam ocorrer, inclusive, em legislações especificamente voltadas à regulação dos investimentos estrangeiros direitos (THE ECONOMIST INTELLIGENCE UNIT, 2007). Os exemplos são freqüentes e constantes, tanto nos países mais pobres, quanto naqueles mais desenvolvidos157.

Todos estes suportes – baseados em noções que designam as relações entre companhias de algum modo vinculadas entre si – não prescindem, em geral, de dados ligados à divisão do capital social e, especialmente, ao controle acionário das companhias. Em outras palavras: o suporte é, via de regra, a propriedade da companhia, expressa na divisão do respectivo capital. Neste sentido, a descrição abstrata das hipóteses consideradas é sempre similar: sua incidência está ligada à detenção, por nacionais ou estrangeiros, de determinada parcela do capital.

Na verdade, a maioria das regras de reforço tem por suporte, pura e simplesmente, a divisão do capital social. Tais regras incidem quando estrangeiros detêm determinada participação acionária, caso em que impõem condicionamentos à companhia. Os exemplos pululam. Cita-se a legislação regulando a navegação de cabotagem158, os serviços de tv

a cabo159, os serviços de transportes rodoviários de carga160, a aviação civil161, as atividades de

radiodifusão de sons e imagens, de mineração e de colonização em faixa de fronteira162. No

direito estrangeiro, regras com tal suporte são igualmente comuns163.

157 “En algunos países de Asia, en un contexto de políticas más activas e integradas de atracción de inversiones, se

han impuesto condiciones que buscam assegurar mayores encadenamientos entre la IED y las empresas locales. Em Europa y Estados Unidos, las trabas a algunas de las principales adquisiciones transfronterizas se han asociado a la sensibilidade política com relación a la compra de ‘campeones nacinales’, a cuestiones de seguridad nacional, al temor de perder empleos o a las preocupaciones respecto de los estándares de responsabilidad social e corporativa y protección social” (CEPAL, 2006).

158 Decreto-lei nº 2784/40, art. 2º: cinqüenta por cento do capital social mais uma quota ou ação, no mínimo, deverão

pertencer a brasileiros.

159 Lei nº 8977/95, art. 7º: cinqüenta e um por cento do seu capital votante deverá pertencer a brasileiros natos ou

naturalizados há mais de dez anos.

160 Lei nº 6813/80, art. 1º: pelo menos quatro quintos do capital social, com direito a voto, deverão pertencer a

brasileiros e a direção e administração caberá exclusivamente a brasileiros.

161 Lei nº 7565/86, art. 181: a concessão será dada à pessoa jurídica brasileira com pelo menos quatro quintos do

capital com direito a voto, pertencentes a brasileiros, prevalecendo essa limitação nos eventuais aumentos do capital social.

162 Lei nº 6634/79, art 3º e Decreto nº 85064, arts. 10, 15, 17 e 18: em faixa de fronteira, o capital de empresas de

radiodifusão pertencerá somente a pessoas físicas brasileiras, pelo menos cinqüenta e um por cento do capital das empresas mineradoras e de colonização pertencerá a brasileiros.

Finalmente, ainda considerando as regras de reforço com suportes ostensivos, vale ressaltar que estes últimos podem não estar ligados à propriedade do capital, mas ao ‘vínculo’ entre os fatores que supostamente determinam a atuação da companhia e o espaço territorial da nação; neste caso, é a própria expressão espacial destes fatores o dado a ser considerado. As regras podem supor, assim, a residência ou domicílio dos administradores, controladores, empregados; ou a localização dos centros de direção e comando indicados nos atos constitutivos; ou mesmo a posição dos principais ativos ou estabelecimentos (MABRY, 1999). Obviamente, todos estes dados podem ou não ser ostensivos, na medida em que se possa ou não constatá-los a partir da mera observação dos atos jurídicos que conformam a existência da corporação – em especial seus estatutos.