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2. PRECEITOS LIGADOS À IDÉIA DE NACIONALIDADE

2.5 Regras de reforço

2.5.3 Os suportes das regras de reforço

2.5.3.2 Suportes conceituais

O segundo grupo das regras de reforço tem suportes conceituais. Ao contrário dos suportes ostensivos, eles baseiam-se em noções abertas que expressam a sujeição da corporação a determinados atores e sua vinculação ao respectivo território.

Tais regras são também bastante comuns. Sua proliferação – que, comparada ao outro grupo das regras de reforço, é bem mais recente – deve-se a duas razões fundamentais: por um lado, a visão que, a partir da obra seminal de Berle & Means (1989), erodiu as bases das teorias tradicionais que não distinguiam entre a propriedade e o controle das companhias; por outro lado, o cenário político da década de 1970, marcado por intenso “nacionalismo” e conseqüentes medidas protecionistas (KENNEDY JR., 1992; SAFARIAN, 1999).

De fato, tendo textura mais aberta, regras deste tipo tendem a ser mais elásticas, abarcando as diversas hipóteses que podem caracterizar as instâncias de poder na corporação. Ao contrário dos suportes ostensivos, que se baseiam em dados formais, os suportes conceituais contemplam o dinamismo e as sutilezas que caracterizam o exercício do poder nas corporações. Justamente por se basearem em noções de sentido substancial, dão ao aplicador a possibilidade de enquadrar as mais diversas realidades nestas regras.

Regras com este tipo de suporte, portanto, são mais afetas à imensa complexidade do fenômeno que encerra o exercício do poder nas corporações e sua vinculação efetiva com determinado território. Contudo, por terem sentido mais amplo e substancial, apresentam dois problemas recorrentes: o primeiro, relacionado à maior dificuldade de precisar as hipóteses de sua incidência; o segundo, o maior arbítrio dado ao aplicador da regra. Obviamente, quanto mais claro e ostensivo o dado que determina a incidência da regra, mais simples é sua aplicação. Mais do que isso: sendo claras as hipóteses de incidência das regras, há menos espaço para a discricionariedade do aplicador. No caso das regras de reforço, cuja aplicação é em muitos casos atribuída a agentes administrativos, tais considerações são de toda a relevância.

Ainda assim, pode-se afirmar que, considerando a finalidade destas regras, a previsão de suportes conceituais é cada vez mais necessária. Não só porque, como dito, aqueles dados ostensivos – sobretudo os relacionados à propriedade das ações – são cada vez menos aptos a retratar as relações de poder na companhia; mas também porque a própria verificação desses dados ostensivos tornou-se problemática, na medida em que se acentua a quantidade e complexidade das formas de domínio indireto do capital social164.

De fato, cada vez mais a propriedade das corporações está em mãos de entes não humanos, que por sua vez podem ser constituídos por outros entes desta natureza. Sem dúvida, esta ‘cadeia’ remontará ao homem, por mais extensa que seja. Entretanto, torna-se difícil, por um lado, identificar os homens que, em última análise, estão à base desta ‘cadeia’; e, por outro lado, a própria estrutura institucional destes entes não humanos, voltada à concentração do capital disperso e portanto marcada pela extrema mobilidade dos respectivos investidores, acentua aquela dificuldade.

164 “Once a direct investment relationship has been established, all subsequent capital transactions between the direct

investor and the direct investment enterprise and among affiliated enterprises resident in different economies are considered to be direct investment. In other words, the direct investment relationship extends to certain other enterprises indirectly owned by the direct investor. Thus, the direct investment enterprises comprise: (i) subsidiaries (enterprises in which the investot owns more than 50 percent); (ii) associates (enterprises in which the investor owns 10-50 percent); and (iii) branches (wholly or jointly owned unincorporated enterprises) either directly or indirectly owned by the direct investor. In the OECD’s Benchmark Definition (OECD, l996) the treatment of indirectly owned direct investment enterprises is referred to as the ‘Fully Consolidated System’. Countries have reported difficulties in obtaining the level of detail needed to track the chain of ownership of indirectly owned enterprises, particularly for multinational corporations that have a large global base. Only 11 of the 61 countries surveyed in the 2001 SIMSDI update fully applied the Fully Consolidated System for their inward FDI transactions” (PATTERSON et al., 2004).

Esta talvez seja a mais relevante questão, quando se tem em mira as regras de reforço. Sem dúvida, a maioria destas regras tem por suporte a divisão do capital social (em especial, do capital votante) e, portanto, o quadro de acionistas. Quando se percebe que o capital das companhias – sobretudo as de maior porte – é controlado por outras companhias (ou qualquer outro ente não humano), então estas regras, em muitos casos, perdem sentido. Se sua finalidade é impor condicionamentos ligados à idéia de nacionalidade, e seu alvo é a realidade subjacente à companhia, estas regras perdem sentido quando nesta ‘realidade’ se consideram outras companhias. Traduzindo: se um preceito impõe certos condicionamentos a empresas cujo capital seja detido, num dado percentual, por estrangeiros, ele não se aplica a empresas cujo capital seja detido, em percentual superior àquele fixado, por uma empresa nacional; contudo, o capital desta última pode ser detido majoritariamente por capital estrangeiro. A regra, neste caso, perde sentido.

Este exemplo básico ilustra uma dificuldade que pode ser bastante acentuada, na medida em que os sucessivos elos da cadeia de investidores – as companhias controladoras de companhias controladoras de companhias – podem tornar profundamente remota a origem destes investimentos. Muitos países – Dinamarca e Estados Unidos, por exemplo – desenvolveram instrumentos legais baseados no ‘conceito’ “ultimate beneficial owner” (UBO)165, tentando contornar tais dificuldades. Outros ‘conceitos’ como “effective voice

in management”166, ou “controle de fato” (“control in fact”167) foram também utilizados com tal

finalidade. Diante destes conceitos, uma multiplicidade de fatos pode caracterizá-los168.

Lembra-se que estes conceitos não apenas auxiliam a identificar as instâncias de poder nas corporações – e então verificar a nacionalidade daqueles que o exercem – mas também a vinculação da corporação ao território do estado. Esta vinculação pode se depreender de vários aspectos relacionados à existência da corporação, desde o domicílio dos que exercem seu controle até a localização de seus principais ativos, passando pela situação dos seus empregados. Os suportes deste tipo estabelecem conceitos que tanto podem descrever a instância 165 Conforme Patterson et al. (2004, p. 25).

166 Conforme UNCTAD (2008).

167 Conforme Mabry (1999).

168 Em relação, p. ex., ao sistema regulatório norte-americano, Cioffi (2006): “Subjects such as investment,

marketing, product design, production plans, and financial strategies are considered within the ‘core of entrepreneurial control”.

de poder da corporação, quanto a sua situação espacial, geográfica; no primeiro caso, elas se prenderão à nacionalidade dos controladores; no segundo, à vinculação da corporação ao território.

Em todo caso, estes conceitos são cada vez mais utilizados como suportes destas regras. Mais do que isso: em geral, eles são complementares aos suportes ostensivos – uma espécie de reforço para as regras de reforço. São, em suma, os desdobramentos mais incisivos da idéia de nacionalidade que, na forma de regras de conteúdo aberto, visam a abranger toda a sutileza e complexidade da realidade a que se voltam. Ao invés de se agarrarem a dados concretos que em tese expressem tal realidade, eles recorrem a noções que a enquadram em esquemas representativos de relações de poder e de vínculo ao território. Estes esquemas manifestam-se em palavras – noções, conceitos; e toda complexidade das regras que as tomem por suporte resulta, inclusive, dos problemas em torno da linguagem. Tais problemas remetem ao fundo de toda a questão, na medida em que se cogita da correspondência de sentido entre a palavra e a realidade descrita. De todo modo, tendo suporte em tais palavras, estas regras se valem de ‘elasticidade’ dos respectivos sentidos e, então, dão ao aplicador as ferramentas mais efetivas para submeter a realidade às finalidades da lei.