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3. REPERCUSSÕES LIGADAS À IDÉIA DE NACIONALIDADE

3.4 Repercussões ligadas às regras de reforço

Como visto, as regras de reforço são, tanto quanto os critérios, preceitos ligados à idéia de nacionalidade. Esta idéia, viu-se também, tem um fundo axiológico e teleológico problemático, que se relaciona às não menos problemáticas noções de “valores” e “interesses nacionais”. Entretanto, não se confunde com isto: não é a substância vaga e turva destes “valores” e “interesses” o que caracteriza essa ‘idéia’, mas referibilidade de uns e outros a ‘pessoas’ – ou, para usar um termo de sentido mais largo, a ‘sujeitos’ cuja existência é juridicamente assimilável.

O recurso à subjetividade é fundamental àquela noção. Quando se trata da idéia de nacionalidade, supõe-se um sujeito diante do qual essa ‘idéia’ é cogitada – e sem o qual ela não faz sentido. A nacionalidade, sob a visão jurídica convencional, é um atributo ligado à personalidade jurídica – de homens e de entes não humanos. A nacionalidade, sob uma visão menos “formalista”, é uma condição destes sujeitos, a expressar sua ligação com determinada nação. A idéia de nacionalidade é a expressão – ou a “ferramenta discursiva”, como foi dito em passagem anterior – que enquadra a profundidade e imperscrutabilidade desta ligação.

Por isto, nem todos os preceitos jurídicos ligados aos “valores” ou aos “interesses nacionais” são objeto desta dissertação. De certo modo, todo preceito jurídico de matriz estatal reflete, presumivelmente, aqueles “valores” e “interesses”: toda ação do estado converge para o “bem” e os “fins” da nação que encerra. Os preceitos de que se cogita, por sua 237 Exemplo deste ‘segundo tipo’ de repercussões ligadas aos critérios – e que não são previstas por regras de reforço

– é aquele constante do art. 176, § 1º, da CF. Este dispositivo restringe “a pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais a que se refere o caput deste artigo” aos “brasileiros ou empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no país”; como se vê, os atributos exigidos à empresa que explorar tal atividade são exatamente aqueles que caracterizam a “empresa nacional” (CC, art. 1126). Logo, as restrições ao exercício desta atividade aplicam-se somente às “empresas estrangeiras”; em relação às nacionais, seja qual for o grau de dependência ou submissão a estrangeiros, tal restrição não se aplica.

vez, são ligados à idéia de nacionalidade; e esta abrange, como dito, todos os aspectos do complexo vínculo que liga determinados sujeitos (os homens, inclusive) à nação – vínculo que supõe aqueles “valores” e “interesses”, mas evidentemente não se confunde com eles.

Este esclarecimento é fundamental à delimitação do objeto deste estudo. Os preceitos ligados à idéia de nacionalidade não abrangem todos aqueles ligados aos “valores” e “interesses nacionais”; as repercussões decorrentes daqueles preceitos, de que ora se cogita, não abrangem todos os condicionamentos impostos, em razão de tais “valores” ou “interesses”, às corporações. E as regras de reforço, particularmente, não correspondem senão a uma parcela do vasto universo de disposições que expressam o poder estatal de regular a atividade econômica.

O que caracteriza tais regras – ou melhor, as repercussões dela decorrentes – é justamente o tratamento discriminatório dos entes a que são aplicáveis. Numa palavra: tais entes, independente de nacionalidade formal (bandeira), são tratados como estrangeiros – seja porque sua existência remonta a pessoas estrangeiras, seja porque se expressa em fatos que indicam sua vinculação a outra nação.

Esta discriminação pode se dar em dois sentidos: pela assimilação de corporações estrangeiras a nacionais; e, em sentido oposto, pela assimilação companhias nacionais a estrangeiras. No primeiro caso, diante de um universo de companhias estrangeiras, a ordem jurídica de um estado sujeita algumas delas a condicionamentos impostos a corporações nacionais; no segundo caso, ao contrário, corporações nacionais são sujeitas a restrições aplicáveis às estrangeiras.

Naquele primeiro caso, há o fenômeno da extraterritorialidade. O direito de um estado incide sobre corporação organizada e sediada no exterior – e, portanto, sobre fatos ocorridos fora de seu território. Os exemplos não são muito corriqueiros. Em geral, motivações de ordem econômica impõem este fenômeno (HADARI, 1974, p. 21) – especialmente a obtenção de receitas tributárias e a tutela dos níveis de emprego e renda; mas mesmo razões políticas ou militares podem explicar tal postura (MABRY, 1999). Todavia, o fenômeno é particularmente relevante no contexto das leis tributárias. Em geral, os estados tendem a tributar empresas que, mesmo de nacionalidade estrangeira, são controladas ou submissas, sob as mais diversas formas e graus, a empresas nacionais (HADARI, 1974, p. 26-31). Mabry (1999) dá exemplos deste

fenômeno nos Estados Unidos238; Hadari (1974, p. 27-28) traz à tona a legislação inglesa e

holandesa, entre outras; no Brasil há várias normas neste sentido239. Note-se que o fenômeno da

extraterritorialidade pode ensejar conflitos de leis oriundas de diversos estados – e, particularmente no contexto tributário, dar ensejo ao fenômeno da ‘bitributação’.

Já no segundo caso, em que há a assimilação de corporações nacionais a estrangeiras, o gozo de determinadas faculdades e direitos – reservado, a princípio, a todas as empresas nacionais – é negado a empresas que, apesar de ostentarem tal condição, não preenchem determinados requisitos impostos nos preceitos ligados à idéia de nacionalidade; ou, alternativamente, restrições impostas a corporações estrangeiras são estendidas a corporações nacionais que se subsumam às hipóteses previstas nesses preceitos. Os exemplos pululam e já foram mencionados no capítulo anterior.

Vale ressaltar, finalmente, que estas repercussões podem ser classificadas como positivas ou negativas. As primeiras prevêem faculdades e direitos; as segundas, restrições e proibições. Relativamente às primeiras, têm especial relevância os investimentos240 e incentivos

238 Um dos exemplos é especialmente ilustrativo: “The controversy surrounding Soviet attempts to construct a trans-

Siberian oil and gas pipeline, discussed earlier,226 is a classic example of the difficulties governments can face when attempting to influence the activities of MNCs with worldwide operations. In that situation, the U.S. government's efforts to stop U.S.-based companies from participating in the pipeline project were frustrated by its inability to control activities being performed through the companies' overseas subsidiaries. U.S.-based multinationals had entered into contracts to provide goods and technology to Soviet entities in connection with the construction of the trans-Siberian gas pipeline. When Western European governments refused to go along with the U.S. call for an economic boycott directed at the pipeline project,227 President Reagan issued orders that not only prohibited U.S.- based companies from exporting goods or technology destined for use in the pipeline project, but also ordered these companies to direct their European subsidiaries to refuse to honor their pipeline contracts with the Soviets” (MABRY, 1999).

239Destaca-se especialmente os artigos 146, I, e 147, §2º, do RIR (Decreto 3.000/99; Texto Republicado no D.O. de 17.6.99): “Art. 146. São contribuintes do imposto e terão seus lucros apurados de acordo com este Decreto (Decreto- Lei nº 5.844, de 1943, art. 27): I - as pessoas jurídicas (Capítulo I); Art. 147. Consideram-se pessoas jurídicas, para efeito do disposto no inciso I do artigo anterior: (...) II - as filiais, sucursais, agências ou representações no País das pessoas jurídicas com sede no exterior (Lei nº 3.470, de 1958, art. 76, Lei nº 4.131, de 1962, art. 42, e Lei nº 6.264, de 1975, art. 1º”.

240 Sobre investimentos públicos, ver especialmente Stigler (1971). No Brasil, é importante ter em consideração a

atuação das instituições públicas de investimento (BNDES, BRDE, etc) e os condicionamentos impostos em função da idéia de nacionalidade. Neste sentido, ver especialmente as disposições dos artigos 37-40 da Lei 4131/62: “Art. 37. O Tesouro Nacional e as entidades oficiais de crédito público da União e dos Estados, inclusive sociedades de economia mista por eles controladas, só poderão garantir empréstimos, créditos ou financiamentos obtidos no exterior, por empresas cuja maioria de capital com direito a voto pertença a pessoas não residentes no País, mediante autorização em decreto do Poder Executivo. Art. 38. As empresas com maioria de capital estrangeiro, ou filiais de empresas sediadas no exterior, não terão acesso ao crédito das entidades e estabelecimentos mencionados no artigo anterior até o início comprovado de suas operações, excetuados projetos considerados de alto interesse para a economia nacional, mediante autorização especial do Conselho de Ministros. Art. 39. As entidades, estabelecimentos de crédito, a que se refere o artigo 37, só poderão conceder empréstimos, créditos ou financiamentos para novas

públicos241; quanto às segundas, os obstáculos à realização de determinadas atividades, ou à

obtenção de bens, ou mesmo ao comércio internacional e às operações denominadas “intra- firmas”242. Entretanto, é questionável o valor desta última classificação; afinal, tais repercussões

são sempre negativas para as empresas assimiladas às estrangeiras: se encerram faculdades ou direitos, o estado lhos nega; se encerram restrições ou proibições, o estado lhas impõe. Em todo caso, é válido mencionar tal classificação, até para que se tenha em conta o amplo leque – e os múltiplos aspectos – das repercussões consideradas.