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3. REPERCUSSÕES LIGADAS À IDÉIA DE NACIONALIDADE

3.3 Repercussões ligadas aos critérios

Como já esclarecido, os critérios são, no contexto desta dissertação, preceitos que atribuem determinada nacionalidade à corporação. Diante destes critérios, portanto, uma dada ordem jurídica passa a considerar a corporação como nacional ou estrangeira. A este atributo – que predica a personalidade jurídica da companhia – está ligada a mais relevante e mais drástica discriminação: a (im)possibilidade de atuação econômica233. Se nacional, a

companhia pode, em princípio, exercer, no território do estado, as atividades previstas em seu objeto social; se estrangeira, ela, em princípio, não pode exercê-las234.

Estranho que tão pouco se diga sobre este dado fundamental: os mercados são, em princípio, fechados a empresas estrangeiras. Entenda-se bem: empresas estrangeiras podem comerciar com nacionais, e tanto importar quanto exportar bens ou serviços dos e aos nacionais; mais ainda: as empresas estrangeiras são reconhecidas, perante a ordem jurídica

233 “The study of the ‘foreign corporation’ traditionally has three primary aspects: recognition of the corporation as a

legal entity, determination of the governing law with respect to various internal corporate issues, and qualification and right of entry to do business in a foreign country” (HADARI, 1974, p. 12).

234 Decreto-lei 2627/40, art. 64: “As sociedades anônimas ou companhias estrangeiras, qualquer que seja o seu

objeto, não podem, sem autorização do Governo Federal, funcionar no país, por si mesmas, ou por filiais, sucursais, agências, ou estabelecimentos que as representem, podendo, todavia, ressalvados os casos expressos em lei, ser acionistas de sociedade anônima brasileira (art. 60)” Em idêntico sentido, referindo às sociedades comerciais em geral, o Código Civil, art. 1.134.

nacional, como sujeitos de direito capazes de exercer e gozar direitos e de exigir sua tutela perante as instâncias judiciais235; mas nenhuma empresa estrangeira pode exercer suas normais

atividades neste território. Se quiser fazê-lo, deve obter autorização do estado.

Já se disse, nesta dissertação, que esta repercussão ligada à nacionalidade é, antes de tudo, uma imposição lógica: a atuação da corporação estrangeira no mercado nacional perfaz-se em atos e fatos necessariamente inseridos no ambiente econômico regulado pelo estado; esta atuação, portanto, deve estar vinculada a um centro de imputação sujeito à ação deste estado – ou, do contrário, não há como constranger esta corporação a respeitar as imposições da regulação estatal: lembra-se o que se disse, alhures, sobre a existência ubíqua da companhia e a conseqüente possibilidade de estar presente em diversos cenários sem que, no entanto, esteja sujeita às leis aí vigentes. A necessidade de que haja a ‘sujeição’ da corporação à ação estatal impõe a existência de um ato público de reconhecimento da sua existência jurídica e de autorização a que atue no ambiente econômico regulado por este estado. A autorização é a forma pela qual o estado submete, em última instância, a atuação da corporação estrangeira; por isto, a inexistência desta autorização veda sua atuação no espaço onde este estado é soberano.

Esta vedação alcança inclusive as filiais, sucursais, agências ou estabelecimentos da companhia estrangeira, conforme a mencionada disposição do art. 64 do Decreto-lei 2627/40. Como diz Pontes de Miranda (1984a, p. 196), “[n]ão importa se é empresa única, ou filial, ou sucursal, ou agência. Quer dizer: a própria finalidade supõe autorização. A

fortiori, a filial, a sucursal, a agência e a representação, porque em todos esses conceitos jurídicos

há marcada dependência”.

Verdade que tais ‘repercussões’, embora importantes, não têm o alcance que se poderia, a princípio, prever. Grandes empresas estrangeiras, em geral, não solicitam tal autorização; simplesmente “criam” empresas “nacionais” que se submetem a seu completo

235 “Antes da autorização não pode a sociedade estrangeira a atividade industrial ou comercial ou outra atividade, no

Brasil; mas isso não afasta a possibilidade de alguma sociedade estrangeira exercer no Brasil, perante o Poder Judiciário ou perante o Poder Executivo, a pretensão à tutela jurídica, que é oriunda do direito das gentes. A sociedade que ainda não obteve autorização pode, por exemplo, pedir ao juiz a condenação do devedor domiciliado no Brasil” (PONTES DE MIRANDA, 1984a, p. 197). Ao fato de que a ordem jurídica nacional reconheça a personalidade do ente não humano, quando esta é atribuída por estado estrangeiro, Pontes de Miranda reputa “importação da personalidade jurídica” (1984a, p. 204).

controle – não apenas acionário, mas sobretudo administrativo. O próprio Pontes de Miranda (1984a, p. 203), já há décadas, reconhecera-o:

“Em vez de requererem autorização para sociedade estrangeira por ações funcionar no Brasil, estrangeiros que dispõem de capitais preferem criar no Brasil sociedade, que se faz brasileira. Quase sempre são filiais disfarçadas, muitas vezes são elementos de trustes, cartéis, konzern, holding company ou sociedade de controle”.

Em todo caso, esta possibilidade – que, na prática, é corriqueira – não afasta a importância dos critérios para a atribuição da nacionalidade; na verdade, ela chama atenção para a relevância daquele outro gênero de preceitos ligados à idéia de nacionalidade: as regras de reforço. É justamente esta ‘possibilidade’ que explica a existência e o elevado número destas regras.

No caso do Brasil, a autorização é um ato administrativo discricionário porque, entre outras razões, “[o] Governo Federal, na autorização, poderá estabelecer as condições que julgar convenientes à defesa dos interesses nacionais”236. Ou seja: a autorização

pode ser condicionada à observância de exigências que, segundo a “conveniência” da Administração Federal, atendam aos “interesses nacionais”. Este ‘condicionamento’, ligado a esta noção de contornos imprecisos, pode justificar, em tese, posturas administrativas de caráter altamente restritivo – e, nesta medida, pode ser um fator de insegurança para investidores e empresas estrangeiras.

Finalmente, cabe destacar, ainda em relação às repercussões ligadas aos critérios de atribuição de nacionalidade, que estas não se limitam à exigência da aludida autorização; mesmo corporações estrangeiras autorizadas a atuar no mercado nacional são, em várias hipóteses, alvos de discriminação. Tal discriminação, por razões óbvias, é ainda mais vasta do que aquela decorrente das regras de reforço. As restrições ligadas àquelas regras atingem empresas que, embora nacionais, são tratadas – no contexto específico de sua incidência – como se fossem estrangeiras; portanto, todas as restrições ligadas às regras de reforço atingem também as empresas estrangeiras, ainda que a recíproca não seja verdadeira: as restrições impostas a estas empresas nem sempre se aplicam àquelas sujeitas às regras de reforço.

Em suma, aos critérios de atribuição de nacionalidade são ligados dois tipos básicos de repercussões: primeiro, a necessidade de autorização estatal para que empresa estrangeira exerça suas atividades no mercado nacional; segundo, todas as demais restrições ligadas à nacionalidade estrangeira da companhia – restrições que abrangem todas aquelas ligadas às regras de reforço, sem se restringirem a estas237.