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3 TRÊS ENSAIOS SOBRE A TEORIA DA SEXUALIDADE

3.7 O primeiro ensaio

3.7.6 A neurose como o negativo da perversão

Freud entende que as psiconeuroses se baseiam em forças pulsionais de cunho sexual, e que a vida sexual dos neuróticos expressa-se através de sintomas. Para ele, há uma

enigmática contradição na histeria, registrando a presença de um par de opostos: uma necessidade sexual desmedida e uma excessiva renúncia ao sexual. Entre a urgência da pulsão e o antagonismo da renúncia ao sexual situa-se a saída para a doença, que não soluciona o conflito, mas procura escapar a ele pela transformação dos anseios libidinosos em sintomas.

É bastante conhecida, no campo da psicanálise, a teorização de Freud sobre a neurose ser o negativo da perversão. Para ele, os sintomas representariam a expressão convertida de pulsões que seriam designadas de perversas se pudessem expressar-se diretamente. Portanto, os sintomas se formam, em parte, às expensas da sexualidade anormal, “a neurose é, por assim dizer, o negativo da perversão” (FREUD, 1905/1996, p.157, grifos do autor). Através da explicação de Freud, infere-se que a neurose seria então o negativo, a negação, a recusa da perversão. Ou mesmo algo como o outro lado, o inverso. Seria a saída por outro meio, que não a da sexualidade perversa, infantil, e isso se daria através do recalcamento.

Antes mesmo dos Três Ensaios, já no Caso Dora (1905 [1901]), Freud falava de sua tese sobre a neurose ser o negativo das perversões. Ele diz que: “quando alguém se torna grosseira e manifestamente pervertido, seria mais correto dizer que permaneceu como tal, pois exemplifica um estágio de inibição do desenvolvimento” (FREUD, 1905 [1901]/1996, p. 56, grifos do autor). Novamente podemos evocar a palavra escala, pois é como se o perverso tivesse feito uma escala no curso do desenvolvimento sexual normal e, assim, tivesse ficado parado em certo estágio (infantil) ao invés de seguir em frente.

Para Freud, todos os psiconeuróticos possuem inclinações perversas fortemente acentuadas, mas recalcadas e tornadas inconscientes no curso de seu desenvolvimento. Por isso é que as psiconeuroses seriam o negativo das perversões. Ele completa dizendo que “As forças impulsoras da formação dos sintomas histéricos não provém apenas da sexualidade normal recalcada, mas também das moções perversas inconscientes” (Ibid, p. 56).

Retomando a introdução de Marcus aos Três Ensaios, este resume em poucas palavras a teorização de Freud acerca da natureza composta da pulsão:

A pulsão sexual não é uma entidade única, unitária. Ela é feita de diferentes componentes que são reunidos – amalgamados, agregados, ou sintetizados – na atividade sexual adulta normal. Nas perversões, contudo, vemos que os componentes se separaram novamente; eles se decompuseram, e alguns deles foram recompostos para formar esses tipos alternativos de comportamento (MARCUS, 1975 In: FREUD, 1905/1975, p. xxx).

Assim, ao contrário do que se poderia pensar a princípio (que as aberrações sexuais estão distantes da vida normal e mais próximas da perversão, e que o neurótico está mais próximo da vida normal e mais distante da perversão), Freud escreve de uma maneira que aproxima tanto a neurose como a perversão da vida sexual dita normal. Deste modo, neurose e perversão seriam expressões diferentes da pulsão sexual, porém com grandes semelhanças. Em outras palavras, o que o neurótico fantasia, o perverso põe em ato. Como dois lados da mesma moeda. No entanto, a comparação com uma moeda ainda não seria uma analogia acurada, pois em se tratando de manifestações da pulsão sexual, é impossível traçar uma linha definida, ou um lado definido.

Seguindo a lógica de Freud, de que na neurose está contida a teoria do comportamento sexual tanto normal quanto aberrante, pode-se pensar que a neurose dispõe de mais possibilidades, ou seja, a pulsão tem uma liberdade maior para transitar, enquanto na perversão ela fica “presa” a determinados atos, que Freud explica usando termos como exclusividade, fixação. Seria uma restrição de possibilidades. Por serem mais chocantes para a maioria das pessoas, esses atos sexuais considerados aberrações frequentemente passam a impressão de uma “liberalidade” ou de uma liberdade sexual maior do que a dos neuróticos, quando na maioria das vezes, o prazer sexual está mais restrito, pois se limita, estreita-se a este ou aquele ato (por ex: sexo com animais, com crianças, com objetos inanimados como fetiche, com dor, com excrementos).

Assim como aborda a questão do inato versus adquirido nas inversões, Freud volta a levantar essa questão acerca das perversões, mantendo a posição de que é impossível determinar com clareza. Ao final do primeiro ensaio, ele afirma que é discutível que as perversões remontem a condições inatas ou resultem de experiências ao acaso. Segundo ele, pode-se concluir que “há sem dúvida algo inato na base das perversões, mas esse algo é inato em todos os seres humanos, embora, enquanto disposição, possa variar de intensidade e ser acentuado pelas influências da vida” (FREUD, 1905/1996, p.162, grifos do autor).

A última seção do primeiro ensaio, Indicação do infantilismo da sexualidade, já prepara o leitor para o que está por vir: a abordagem da sexualidade infantil no segundo ensaio. Para Freud (1905/1996), a “suposta constituição que exibe os germes de todas as perversões só é demonstrável na criança, mesmo que nela todas as pulsões só possam emergir com intensidade moderada” (p.162). Assim, no ensaio seguinte, o interesse de Freud volta-se para a vida sexual da criança, e investiga as influências que dominam o processo de

desenvolvimento da sexualidade infantil até seu desfecho na perversão, na neurose ou na vida sexual normal.