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Os pré-textos dos Três Ensaios: sobre os prefácios

3 TRÊS ENSAIOS SOBRE A TEORIA DA SEXUALIDADE

3.4 Os pré-textos dos Três Ensaios: sobre os prefácios

Fica claro que, anos após o seu lançamento, os Três Ensaios passaram a ser mais utilizados em meios acadêmicos e, portanto, surgiu a necessidade de uma maior sistematização. Segundo Strachey, nas edições alemãs, as seções só aparecem numeradas no primeiro ensaio e, mesmo neste, antes de 1924 só eram numeradas até a metade do primeiro ensaio. Para facilitar as referências, a numeração das seções foi estendida ao segundo e terceiro ensaios.

Na versão brasileira, foi omitida a última frase desta nota do editor inglês, a qual explica que os acréscimos editoriais, tanto ao texto quanto às notas de rodapé, foram impressos em colchetes. Esta é uma informação importante e que, a nosso ver, não deveria ter sido omitida da versão brasileira, já que, ao leitor desavisado, não fica claro se as frases em colchetes que aparecem nas notas de rodapé foram acrescentadas pelo editor/tradutor inglês ou pela tradutora brasileira.

No prefácio à segunda edição (dezembro de 1909), Freud fala sobre seus Três Ensaios de forma bastante modesta, beirando a subestimação. Primeiro, ele se refere à obra como um “pequeno trabalho” (FREUD, 1905/1975, p. xiv), o que tem a ver inclusive com a definição comum de ensaio, como algo de menor extensão e profundidade, como já abordamos anteriormente.

Ademais, ele assinala que o texto contém deficiências e obscuridades, e diz que resistiu à tentação de introduzir os resultados das pesquisas dos anos posteriores ao lançamento da primeira edição, pois, segundo ele, isto teria destruído o caráter de unidade e de documento que a obra possui. A partir deste comentário vislumbra-se que, apesar da aparente modéstia, Freud já pretendia que esta fosse uma obra que pudesse perdurar e que fosse acessível a muitos estudiosos, o que justifica a sua intenção em manter a obra coesa e compreensível, sem tantas modificações e ajustes que pudessem prejudicar a leitura. Posteriormente ele diz que é seu desejo mais sincero de que este livro envelheça rapidamente – de que o que já fora novidade nele, torne-se aceito de maneira geral e “o que é imperfeito nele possa ser substituído por algo melhor” (FREUD, 1905/1975, p. xiv).

No prefácio à terceira edição, Freud já havia tido quase 10 anos de intervalo desde a primeira edição para perceber a recepção e os efeitos produzidos pela sua obra. Ele, então, aproveitou a oportunidade da publicação desta terceira edição para fazer algumas observações com o intuito de prevenir mal-entendidos e expectativas que não poderiam ser atendidas. Freud esclarece – provavelmente respondendo a alguma crítica que recebeu sobre sua obra – que a exposição encontrada no livro é baseada inteiramente na observação médica cotidiana, à qual os achados da investigação psicanalítica trazem aprofundamento e relevância científica. Ele diz que é impossível que os Três Ensaios contenham algo além do que a psicanálise supõe ou possibilita estabelecer.

É, então, fora de questão que eles [os Três Ensaios] possam algum dia ser ampliados para uma “teoria da sexualidade” completa, e é natural que tenha uma série de problemas importantes da vida sexual que eles não abordem de forma alguma (FREUD, 1905/1975, p. xiv, grifos nossos).

Assim, percebe-se claramente, conforme já discutimos, que Freud não pretendia formular uma teoria sexual completa e que considerava que isto seria impossível. Vê-se neste prefácio que boa parte de suas considerações são tentativas de se justificar em relação às críticas que recebeu, e preparar o leitor para o que ele iria encontrar nas páginas de seu livro.

Neste prefácio há um erro de tradução que inverte o sentido da frase. Na versão em inglês, lê-se: “Devo, contudo, enfatizar que o presente trabalho é caracterizado não só por ser completamente baseado na pesquisa psicanalítica, mas também por ser deliberadamente independente dos achados da biologia” (Ibid, p. xv, grifo nosso). Na versão em português o mesmo trecho aparece da seguinte maneira: “Junto a sua total dependência da investigação psicanalítica, devo destacar, como característica desse meu trabalho, sua deliberada dependência da investigação biológica” (FREUD, 1905/1996, p. 125, grifo nosso).

No restante do parágrafo, Freud explica que seu objetivo foi sondar o quanto se pode apurar sobre a vida sexual humana com os meios acessíveis à investigação psicológica. Desta forma, a afirmação no início do parágrafo em português confunde o leitor, indicando inicialmente que a investigação realizada nos Três Ensaios é dependente da investigação biológica, enquanto no restante do parágrafo (e na versão em inglês) ele explica que buscou justamente o contrário, ou seja, a investigação psicanalítica da sexualidade humana independentemente das bases biológicas.

Mais adiante, ele admite que encontrou pontos de divergência entre as investigações psicológicas e as biológicas da sexualidade, mas que não viu nenhuma necessidade de mudar o curso de suas investigações em decorrência dessas divergências. Fica claro que, apesar de sua experiência na biologia, neste momento, Freud privilegiou os achados da pesquisa psicanalítica em detrimento das bases biológicas.

No prefácio à quarta edição, em 1920 – 15 anos após a primeira publicação – Freud continua analisando as repercussões que sua obra teve nos anos anteriores. Segundo ele, nesta época, podia-se verificar com satisfação que o interesse pela psicanálise permanecia inalterado no mundo, de modo geral. Ele afirma, ainda, que os achados e as teses psicanalíticas que diziam respeito a aspectos puramente psicológicos vinham ganhando mais reconhecimento – inclusive de pessoas que costumavam se opor à psicanálise – do que a parte da teoria que faz fronteira com a biologia. Segundo ele, esta parte passou a sofrer mais críticas, inclusive dos que costumavam se interessar pelas pesquisas psicanalíticas.

Segundo Freud, a grande dificuldade de aceitação de sua teoria continuava sendo a resistência em perceber o papel importante que a sexualidade exerce na vida mental, tanto normal quanto patológica. Para ele, não é difícil explicar essa discrepância na aceitação de suas opiniões. Ele diz que os primórdios da vida sexual humana que descreve em seu livro só podem ser confirmados por investigadores que tenham paciência e habilidade técnica suficientes para analisar os primeiros anos da infância dos pacientes.

Ele afirma que frequentemente isto é impossível de se realizar, pois o tratamento médico demanda que uma doença seja tratada, pelo menos aparentemente, de forma rápida. Este aspecto não difere em nada do que constatamos atualmente, mais de um século depois, na prática médica. Continua-se com a demanda de um tratamento rápido, tanto por parte dos médicos, quanto dos próprios pacientes. O mesmo acontece com as terapias e outras tantas alternativas ditas breves para o tratamento de problemas psíquicos.