• Nenhum resultado encontrado

3 TRÊS ENSAIOS SOBRE A TEORIA DA SEXUALIDADE

3.9 O terceiro ensaio: puberdade

No terceiro ensaio, Freud passa a discorrer sobre as Transformações da Puberdade. Neste ensaio fica claro que, de modo geral, a puberdade é um segundo tempo em que as estruturas psíquicas se organizam. Enquanto muita coisa em relação à sexualidade – e à posição sexual adotada pelo sujeito – é definida na infância, outros aspectos somente são definitivamente firmados na puberdade.

Freud toma, novamente, a questão da natureza da excitação sexual e sua relação com o prazer, descreve como as zonas erógenas se organizam em novas formas como pré-prazer, e relaciona esses pré-prazeres ao mecanismo das perversões. Neste terceiro ensaio, Freud reforça o que já havia dito anteriormente sobre as perversões. No tópico intitulado Os perigos

do pré-prazer, ele fala sobre a demora ou a fixação em alguma zona de prazer que não a genital, e como se a ação preparatória tomar o lugar do alvo sexual normal, isto será caracterizado como um mecanismo das perversões.

Segundo Marcus, Freud conclui com um argumento coerentemente forte: “Não é sem boas razões que, para a criança, a amamentação no seio materno toma-se modelar para todos os relacionamentos amorosos. O encontro do objeto é, na verdade, um reencontro” (FREUD, 1905/1996, p. 210). Daí porque a relação da criança com aqueles que cuidam dela – especialmente a mãe – tem um caráter sexual. E a mãe, por sua vez, em relação à criança com sentimentos que são derivados de sua própria vida sexual enquanto ela cuida dele. Para Freud, não há nada para se horrorizar em reconhecer a natureza sexual desta relação, pois a mãe está somente cumprindo a tarefa de ensinar a criança a amar.

Marcus expõe que, embora o amor tome diversas formas, o tipo de amor que Freud tem em mente é associado à ideia de um adulto autônomo e vigoroso. E essa autonomia é um objetivo que não pode ser alcançado diretamente, pois o objeto que é encontrado na vida adulta não pode ser o objeto reencontrado idêntico ao da primeira infância. A experiência edipiana tem que ser atravessada e resolvida. Assim, “[...] a interdição do incesto – uma demanda cultural feita pela sociedade – deve ser internalizada, junto com outras proibições, limites e restrições” (MARCUS, 1975 In: FREUD, 1905/1975, p. xl).

Nesta citação podemos ver o que representa o fio condutor do nosso trabalho: a relação da perversão no campo sexual (abordada por Freud, nos Três Ensaios) com a perversão numa perspectiva social, como passaremos a expor nos próximos capítulos, tomando como referência alguns autores contemporâneos. Pudemos acompanhar, até agora, durante esta leitura desconstrutiva dos Três Ensaios, que Freud aponta a perversão como parte de sua teoria sobre a sexualidade, dando ênfase a ela em alguns momentos particulares dos Três Ensaios. Assim, toda a construção que Freud faz em relação ao que considera perversão, ou perversões – como ele chama no primeiro ensaio – é relacionada à vida sexual. Dentro do campo da sexualidade, e embora Freud fale sobre as perversões no ensaio sobre as aberrações sexuais, ele se empenha em frisar que estas fazem parte da vida sexual dita normal, apenas assumindo graus e fixações diferentes.

No segundo ensaio, sobre a sexualidade infantil, ele volta a falar da perversão, como um aspecto (ou comportamento) já presente nas crianças – e, mais importante, nas crianças normais – que seria a perversão polimorfa. Até então, não havíamos saído do campo da sexualidade, mas, ao falar sobre a superação do Complexo de Édipo no terceiro ensaio, Freud

ensaia – podemos dizer assim – uma relação das perversões com a vida social do sujeito na fase adulta. Sabemos que uma das características mais marcantes dos sujeitos perversos é a dificuldade em lidar com a Lei, com a interdição, com as normas sociais, por isso estes vivem desafiando e transgredindo leis, demonstrando uma relação de constante conflito com a Lei e com figuras de autoridade.

Podemos facilmente ver como a interdição do incesto é um protótipo para toda a relação da criança – futuro adulto – com as normas que deverá seguir. Por exemplo, frequentemente vemos sujeitos que burlam algumas normas sociais, consideradas por ele e por outros como pequenas – como furar filas, não devolver um troco que recebeu errado, deixar de pagar pequenas taxas, etc. – pois não resistem à sensação de que estão “tirando vantagem” de algumas situações. Ou seja, enquanto outras pessoas estão pagando o preço (real e simbólico) para conseguir algo, eles estão conseguindo a mesma coisa com vantagem, de graça ou pagando menos, portanto mais facilmente. Esta é uma das grandes “sensações” da perversão, de que se está passando por cima, sendo mais esperto, vendo o que os outros não veem.

Não é difícil relacionar as situações acima citadas com as de uma criança que consegue – de alguma forma, seja por qualquer motivo – passar por cima do pai, ou do terceiro, do intruso (mais forte, autoridade) e ficar com a mãe, num mundo onde só existem ele e a mãe simbioticamente. Como afirmam Rothenberg e Foster (2003), a perversão permite que alguém continue a viver num mundo banhado de prazer após o ponto onde a lei edipiana de restrições deveria ter sido efetivada.

4 PERVERSÃO SOCIAL

Ao sairmos da leitura desconstrutiva dos Três Ensaios Sobre a Teoria da Sexualidade (1905), fica em relevo a tese de Freud sobre a perversão como parte de sua teoria sobre a sexualidade, dando ênfase a ela em alguns momentos particulares dos Três Ensaios. Assim, toda a construção que Freud faz acerca do que considera perversão, é fundada na lógica do recalque, e relacionada à vida sexual. Ele discorreu sobre as variações da pulsão sexual, sobre os diferentes níveis que ela alcança e sobre como algumas manifestações da pulsão, mesmo fazendo parte da vida sexual dita normal, podem ser consideradas perversões, a depender dos graus e fixações que apresentem. Como sublinhamos no capítulo anterior, ao falar sobre a superação do Complexo de Édipo no terceiro ensaio, Freud chega a ensaiar uma relação das perversões com a vida social do sujeito na fase adulta.

Slavoj Zizek, filósofo esloveno e intenso estudioso da psicanálise, escreveu e editou um livro em colaboração com Molly Anne Rothenberg e Dennis Foster, no qual fala sobre a perversão e as relações sociais. Rothenberg e Foster (2003) apontam que o estágio durante o qual a criança tem que achar uma maneira de se separar, como uma entidade independente, do universo esmagador – mesmo que seguro e prazeroso – da díade, organiza as formas básicas dos laços sociais do adulto, as satisfações que ele irá buscar, os sofrimentos que ele irá passar e também infligir. Assim, o indivíduo entra no campo social quando ele descobre que existe um espaço para ele, em ligação com outros. Mas esse espaço emerge somente quando a Lei do Pai permite uma separação psíquica da mãe, com quem o sujeito está preso num jogo de gozo.

Para avaliar o modo como o perverso funciona, como parte da motivação e da dinâmica do laço social, é preciso entender o dilema do perverso, o gozo e os sofrimentos da posição perversa. Aqueles que não passam pelo acordo edipiano permanecem sujeitos ao horror, assim como ao prazer, de viver no domínio do gozo da mãe, nunca livres para entrar no mundo normal de desejos simbólicos mais moderados e decepções (ROTHENBERG; FOSTER, 2003).

Segundo Chaves (2004), o perverso é aquele que, paradoxalmente, mais “se ocupa” do pai, que mais se torna prisioneiro do pai, amarrando-se a ele através do jogo ou da cumplicidade perversa, da dinâmica do desafio e da transgressão da Lei. Rothenberg e Foster corroboram essa noção, apontando que, “desesperados para encontrar limites para o gozo da

mãe, os perversos tentam fazer essa Lei do Pai operar através de atos transgressivos e recusas” (ROTHENBERG; FOSTER, 2003, p.5). O desafio e a transgressão são traços tipicamente perversos.

As citações anteriores mostram que os referidos autores contemporâneos – Zizek, Rothenberg, Foster, Chaves – teorizam acerca de um mesmo ponto: como a construção edipiana (relações da criança com as figuras materna e paterna) pode levar o sujeito a uma estruturação perversa e como isso implicaria na sua forma de fazer laço social na vida adulta. No entanto, olhando de outro ângulo – um ângulo diferente do da dinâmica infantil, familiar e edipiana – é interessante pensar na perversão no campo social, em como ela se apresenta e organiza a sociedade. Neste sentido, é possível pensar sobre como um sujeito neurótico – que teoricamente passou “com sucesso” pelo Édipo e se estruturou através do mecanismo do recalque – pode, de repente, se ver preso numa montagem perversa em sua vida social.