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1. Origem do direito comercial

3.4 A noção de comerciante

A comercialidade do ato atribuída em função da qualidade da pessoa que o pratica é o critério supletivo de aferir quais são os atos de comércio. O Código comercial atribui a qualidade de comerciante104 àquele indivíduo que exerce o comércio com caráter de habitualidade, cujos atos praticados sejam, objetiva e substancialmente comerciais, art. 13.º/1. Por maioria de razão, a sociedade comercial é reconhecida como comerciante, art. 13.º/2.

Desde que considerado ato de comércio, à luz do Código Comercial, sujeita-se às regras próprias, das quais se destacam: a forma arts. 96.º e 97.º – princípio da consensualidade. A solidariedade passiva, art. 100.º. A onerosidade art. 102.º. O regime especial que disciplina o comércio exercido por empresas, cuja enumeração do art. 230.º deve ser interpretada de forma atualista.

Com base na unidade do sistema jurídico e conjugando esta norma com o art. 13.º, a categoria de empresa e comerciante são sinónimas, sejam empresas singulares, os comerciantes em nome individual, sejam pessoas coletivas, hoc sensu, sociedades comerciais.

Nas questões de interpretação aplicação e integração do caso particular à norma, encontra-se no art. 3.º remissora para o direito subsidiário que prescreve deveria aplicar-se aos casos omissos que não fossem abrangidos, nem pela letra, nem pelo espírito do texto comercial, nem pelos casos análogos, o recurso ao direito privado comum: o Código Civil.

O Código Comercial, tendo os mesmos princípios estruturantes do direito privado comum, mas como formam um corpo autónomo de normas, admitem no seu âmbito, o acesso à interpretação analógica, e.g., não estando previstas normas para a navegação aérea, aplicaram- se as normas da navegação marítima.

Para o Código Napoleónico de 1808, bem como os códigos comerciais do século XIX que ali se inspiraram, o ato de comércio engloba a atividade do empresário. Por isso, se torna decisivo saber quais são as atividades empresariais que ficam ao abrigo da lei especial, a lex mercatoria. Por exclusão de partes, do conceito de empresa, fica excluída a atividade agrícola. O conceito de empresa é uma espécie de um género mais amplo que é o ato de comércio, em que o comerciante atua como “sujeito animador do sistema produtivo”.

104 Interessante será confrontar este conceito com a citação de Ferreira Borges, in Diccionario Jurídico-

A ideia base é a de que o industrial, o comissário, o transportador, atua por encargo, enquanto o comerciante é o sujeito animador do sistema produtivo.

O conceito subjetivo de empresa, pessoas singulares ou coletivas que se propuserem, ao exercício de uma atividade - conceito objetivo de ato de comércio, aparece no mundo das categorias jurídicas105, como uma categoria da troca, como uma atividade intermediária ou especulativa sobre o trabalho e outras atividades as atividades consideradas mercantis. A “empresa que constitui o substrato da sociedade comercial e da qual é forma jurídica, seja comercial”106. Do nosso direito positivo resulta que as empresas agrícolas não se podem

constituir como comerciais107.

O empresário especula sobre o trabalho porque o seu lucro está na diferença entre o preço que recebe do comitente e o salário que corresponde ao trabalhador108. A atividade criadora de mais riqueza é uma atividade exclusiva do empresário. Então, onde se coloca a linha divisória entre comerciante e empresário? Foi com o desenvolvimento industrial e capitalista que partiu do fim do século XIX que se delimitou melhor a ideia de comerciante. O comerciante converte-se numa espécie do género empresário. Os juristas aplicaram um método a que chamaram de “método da economia”109, afirmando que as formas jurídicas deveriam corresponder à substância económica dos fenómenos regulados pelo direito e que os conceitos jurídicos deveriam ter como ponto de partida os conceitos económicos. Salientou-se a função criadora de riqueza e não apenas a função de intermediário dos agentes económicos. Este foi o gérmen da criação de um direito da economia, em que a orientação e regulação pública passava a impor uma ordem funcional da riqueza e crescimento económico desde o momento da produção. À perda do caráter especulativo da atividade comercial que antes era a mediação entre a produção e a troca, contrapõe-se o reconhecimento da iniciativa económica privada, no sentido de produção de riqueza, com o seu caráter social, pese embora o seu escopo lucrativo.

105 “É indiscutível que a sociedade comercial, independentemente do que seja essa realidade, é comerciante” O que decorre do art. 13.º nº 2 do CCom. No sentido do art. 230.º do CCom amplia o conceito de ato de comércio, pois nele não estão previstas todas as empresas, mas apenas as que não resultavam já de atos de comércio objetivos, previstos no CCom..

106 Sobre as empresas comerciais: o conceito de empresa como atividade económica, composta de dois elementos: pessoal e patrimonial, vide Paulo Olavo Cunha, Direito das Sociedades Comerciais, pp. 6 e 7. 107 Art. 230.º n.º 2 §§ 1.º e 2.º do CCom.. E ainda a opinião expressa do CT do IRN, em P.12/84-RP, publicada no BRN nº 1/85.

108 Cf. Galgano, História do Direito Comercial, pp.166 e ss.

109 Uma clara referência ao método dialético de caminho das ideias ao concreto. A dialética materialista em Marx e idealista em Hegel, não deixa de ter um tronco comum, que é o seu esquema inicial: tese, antítese e síntese. Para ver o confronto entre os dois autores, na perspetiva de Marx, consultar: Karl Marx, Para a Crítica da

A liberdade de iniciativa regulada pelo Estado introduz por um lado, uma maior certeza às atividades comerciais e confiança dos operadores no sistema económico, por outro lado assegura ao consumidor a crescente capacidade de adquirir bens e através usufruir de garantia de bem-estar110.

Capítulo 4