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1. Origem do direito comercial

3.2 Fatos e atos jurídicos

Os fatos sujeitos a registo estão taxativamente previstos no CRC e no CSC, com vista a dar cumprimento à função da instituição registal: a publicidade. Esta por sua vez visa fins de natureza privada, uma vez que atribui um direito de oponibilidade, e fins de interesse público, que são a certeza do direito, a segurança do comércio jurídico.

Tanto de uns como de outros resultam consequências jurídicas. Uma vez assimilável a fattiespecies à norma, a consequência é um efeito jurídico.

O facto jurídico inclui toda a ocorrência natural – o simples decurso do tempo – ou, comportamento humano juridicamente relevante que se traduz na produção de efeitos jurídicos89.

Por haver fatos materiais e sociais que não são indiferentes para o direito, estes não são providos de relevância jurídica. São exemplos os fatos que dizem respeito à mera cortesia social, à ordem moral, ou à ordem religiosa.

O facto jurídico simples é algo mais do que a simples facticidade – factum brutum –, é o resultado de um recorte feito na realidade sob o critério da relevância jurídica. O facto jurídico é, assim, algo que é construído a partir da norma90.

Quanto aos atos jurídicos, estes são fruto de um comportamento das pessoas humanas ou coletivas. Têm a sua singular separação dos fatos, por surgirem a vontade das pessoas e a esta serem imputáveis.

Os atos jurídicos têm em comum com os fatos jurídicos, o serem objeto da valoração jurídica. Assim, o ato jurídico é um género da espécie de facto jurídico, com a relevância dada à voluntariedade da sua prática. Assim, os fatos voluntários, ou atos jurídicos podem ser simples, no caso de uma pessoa que apanha uma concha na praia – res nullius, e a leva para casa, com a intenção de se apropriar dela. Os simples atos jurídicos, ou atos jurídicos stricto sensu, produzem efeitos ex legis e não ex voluntate91.

Os atos jurídicos complexos são negócios jurídicos e têm em comum com os atos jurídicos a relevância que o direito atribui ao seu processo volitivo.

Uma ou mais declarações de vontade desencadeiam o negócio jurídico, o direito atribui consequências, ou efeitos jurídicos.

A doutrina diverge na distinção clara e precisa entre atos jurídicos e negócios jurídicos, porquanto, Pais de Vasconcelos concebe uma gradual relevância do aspeto negocial, afirmando que não se deve fazer a divisão estanque entre as duas classes, pois, haverá atos não declarativos que são negociais. Há atos mais negociais e outros que o são menos. Por isso, em cada caso a adaptação do regime do negócio jurídico ao ato jurídico será feita mutatis mutandis de acordo com a maior ou menor negociabilidade do ato92.

90 A comparação do facto com a previsão da norma é um processo analógico de aferimento de semelhanças e diferenças, sob o critério e uma premissa latente – que é o sentido jurídico –, processo este que se desenvolve num vai e vem entre o facto e a norma, de cariz espiral e hermenêutico, até que nenhum ganho mais se possa alcançar. É então possível encontrar a norma do caso que possibilita a subsunção. Pedro Pais de Vasconcelos,

Teoria Geral do Direito Civil, pp.402 e ss. 91 C. Mota Pinto, op. cit., p.357.

92 P. P. de Vasconcelos, op. cit., p.408. Conforme a interpretação dada ao art. 295.º do Código Civil de acordo com o art. 10.º do mesmo Código, o recurso à analogia, que aquele artigo prescreve para o tratamento “dos atos jurídicos que não sejam negócios jurídicos, são aplicáveis, as disposições do capítulo precedente” que é o capítulo respeitante aos negócios jurídicos. Diz o autor, ser desnecessária esta remissão, visto recurso à analogia

legis ser próprio do método do intérprete, sempre que mutatis mutandis, se possa aplicar ao regime dos atos jurídicos o paradigma dos negócios jurídicos, uma vez que o Código Civil centrou o tratamento da matéria sobre o padrão dos negócios jurídicos.

Por outro lado, para Mota Pinto, os efeitos dos negócios jurídicos produzem-se por terem subjacente uma ou mais declarações de vontade, por isso são distinguíveis dos atos jurídicos precisamente neste critério da “relação que intercede entre a vontade ou volição das partes dirigida a um resultado e os efeitos produzidos”93.

Após esta abordagem ao conceito doutrinal de facto e ato, convém salientar que em sede de registo comercial, são os fatos jurídicos que traduzidos em atos registrais que definem a situação jurídica das entidades sujeitas à obrigação de promover os mesmos.

Na definição dos fatos e atos jurídicos, respeitantes às entidades comerciais e afins, sujeitos a registo obrigatório que o legislador elenca94. São eles os fatos constitutivos, modificativos ou extintivos de direitos, que devem obrigatoriamente ser registados e que definem a situação jurídica das entidades, desde a sua constituição ao enceramento da sua liquidação.

Para tal, estipula também um prazo de dois meses para cumprimento da obrigação de registar95, a contar da data em que tais fatos tenham sido titulados, com a cominação sanção

pecuniária, em caso de pedido de registo extemporâneo. Quanto à inscrição por depósito da prestação de contas prevê a lei um prazo especial, determinado a partir do encerramento do exercício anual, que pode não coincidir com o ano civil, e sendo este o caso é predeterminado no ato constitutivo da entidade comercial e constará do respetivo registo96.