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O princípio da personalidade coletiva

1. Origem do direito comercial

6.1 Os princípios jurídico-civis

6.1.1 O princípio da personalidade coletiva

A evolução técnico-jurídica da personalidade coletiva, da época pré-codificação adquiriu maior estado de abstração com os juristas do humanismo. Superada a indistinta contraposição entre pessoa singular e pessoa coletiva.

O reconhecimento do direito à associação está plasmado na Constituição da República Portuguesa, bem como o direito à personalidade coletiva236. A atribuição de uma esfera de

direitos e deveres às pessoas coletivas, relançou um conceito jurídico que apenas se aplicava às pessoas singulares. Ora, personalidade jurídica é um conceito elaborado na lei - código civil - e desenvolvido pela doutrina que reconhece às pessoas singulares e atribui às pessoas coletivas, mutatis mutandis. A capacidade jurídica, que é a medida dos direitos e obrigações das pessoas coletivas i.e. todas aquelas que sejam inseparáveis da personalidade singular. As pessoas coletivas surgiram com a atribuição pelo direito, de um centro autónomo de deveres e direitos, a que os indivíduos que delas fazem parte e por aquelas entidades respondem na medida dos seus interesses e deveres.

Ao reconhecimento da personalidade jurídica individual contrapõe-se uma ficção jurídica que é a personalidade coletiva. Consagradas ambas no direito privado geral, a personalidade individual e a personalidade coletiva237, no entanto, diferem quanto ao modo e ao momento em que lhes é reconhecida a aquisição, às pessoas singulares, desde o nascimento completo e com vida. No que se refere à personalidade coletiva, adquirem personalidade jurídica, a partir da celebração de escritura pública, ou outro meio legalmente permitido.

A “moderna teoria da personalidade coletiva foi introduzida por Guilherme Moreira, nos princípios do século XX”238.

Assim, gozam de personalidade jurídica três tipos de entidades: as associações, as fundações e as sociedades civis puras, estão reguladas no Código Civil. Muito embora não seja unânime na doutrina a atribuição de personalidade coletiva às sociedades civis puras, estas podem transformar-se em sociedades sob forma comercial239 240. A doutrina não é unânime em

236 Cf. art. 12.º n.º 2 da CRP, bem como art. 160.º do CC, as Pessoas Coletivas gozam de direitos e estão sujeitas aos deveres compatíveis com a sua natureza.

237 Cf. respetivamente para as pessoas singulares e coletivas os art. 66.º e 158.º n.º1 do CC. 238 António Menezes Cordeiro, Código das Sociedades Comerciais Anotado, anotação ao art. 5º.

239 É o caso da sociedade civil pura, ou sociedade civil sob forma civil que não está sujeita ao registo comercial obrigatório. Mas está sujeita a inscrição no FCPC, Cf. arts. 4.º n.º 1 a) e 6.º, ambos do RRNPC. Para submeter a inscrição no FCPC de uma sociedade civil pura é necessário a apresentação de uma escritura pública ou documento particular autenticado, segundo a interpretação conjugada dos arts. 36.º n.º 3 e 42.º do RRNPC com

reconhecer personalidade jurídica às sociedades civis. Antunes Varela e Pires de Lima, negam a atribuição de personalidade coletiva241. Por outro lado, Pedro Pais de Vasconcelos considera

a existência de sociedades civis simples com e sem personalidade jurídica. Por isso acolhe o sentido da personificação que a forma de escritura pública, e a publicidade dadas pelo registo no RNPC lhes confere aplicando o regime consagrado para as associações242.

As sociedades civis podem adotar um tipo comercial, mesmo que o seu objeto social seja a prática de atos não comerciais243.

Outros autores, como Francisco Mendes Correia, defende a personalidade jurídica das sociedade civil pura transformação de sociedades comerciais – Delimitação do Âmbito de Aplicação no Direito Privado Português, 2009, p.206, define a sociedade civil pura como “a sociedade civil pura será aquela em que duas ou mais pessoas se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício em comum de certa atividade económica, que não seja de mera fruição, e que não se traduza na prática de atos de comércio de forma regular, a fim de repartirem os lucros resultantes dessa atividade, e que não adote um dos tipos de sociedade comercial referidos no nº 2 do art. 1º do CSC”. O autor considera a hipótese de a sociedade civil ter personalidade jurídica, por isso, pode transformar-se em sociedade civil sob forma comercial, ao abrigo das normas do art. 130.º nº 2, 3 e 6 do CSC. No caso de não ser reconhecida personalidade jurídica à sociedade civil, o autor preconiza a transformação sem dissolução, através da qual adquire personalidade jurídica e passa a estar registada.

os arts. 22.º d) e 24.º do CN, “se esta for a forma exigida para a transmissão dos bens com que os sócios entram para sociedade”.

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Em resposta à questão de como registar esta transformação o Conselho Técnico do IRN pronunciou-se, sem tomar partido na controvérsia da atribuição de personalidade à sociedade civil, adotando a solução de lavrar o registo de constituição de uma sociedade civil sob forma comercial, cujo título (fundamento, causa) a transformação. “Na hipótese considerada, não hesitaríamos em registar a constituição da sociedade comercial (ou civil sob forma comercial) “resultante” da transformação da sociedade civil pura. E argumentaríamos em termos básicos: a sociedade civil não está sujeita a registo comercial, pelo que este registo não pode ser o pressuposto de aquisição da personalidade jurídica; a sociedade comercial (ou civil sob forma comercial) goza de personalidade jurídica e existe como tal a partir do registo definitivo do contrato (cfr. art. 5º do CRCom), donde resulta que é a constituição (o contrato) da sociedade comercial (ou civil sob forma comercial), e não a constituição (o contrato) da sociedade civil pura, que deve ser registado, embora aquele contrato tenha resultado da transformação desta sociedade”. No referido registo deverá constar a menção especial de que a constituição da sociedade resulta de transformação de sociedade civil pura, identificando esta sociedade (resulta da interpretação extensiva do art. 10.º al. b) do RRC. Parecer Pº C.Co. 101/2010 SJC-CT, em 26-05-2011.

241 Por Antunes Varela e Pires de Lima, Código Civil Anotado, Vol. II, anotação ao art. 981.º pp. 458-464. 242 “Pensamos que a personalidade coletiva responde à necessidade de fazer intervir no diálogo social novos autores, além das pessoas físicas, mas exige um mínimo de formalização que permita e suporte a reconhecibilidade social e exterior (perante terceiros) dos novos sujeitos de direitos autónomos. Este mínimo de formalização é satisfeito pela escritura pública e pelo registo [no RNPC]. Defende o autor, a aplicação do regime consagrado nos arts. 195.º-197.º do CC, por analogia. Na mesma linha, Carvalho Fernandes, Menezes Cordeiro e Pedro Pais de Vasconcelos, concordam no reconhecimento de personalidade jurídica às sociedades civis simples que estipula o art. 165.º n.º 1 do CC. Cf. Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, pp.204-210. 243 Cf. art. 1.º n.º 4 do CSC.

Quanto às sociedades comerciais, e entidades afins, são reguladas respetivamente no Código das Sociedades244 e em legislação avulsa245.

A constituição de uma pessoa coletiva é o “momento em que passam de mera entidade de facto a centro autónomo de relações jurídicas”246. A forma de atribuição da personalidade jurídica difere conforme a natureza da entidade. Por isso, as associações e as sociedades adquirem personalidade coletiva por reconhecimento normativo condicionado, i.e., existem para o direito, desde que preenchidos os requisitos de forma e observada a legalidade dos seus estatutos.

Quanto às fundações aplica-se o reconhecimento individual por concessão, da competência de autoridade administrativa247.

O momento da aquisição da personalidade coletiva era determinado por uma autorização administrativa, quando falámos das Companhias Reais.

Mas, desde a liberalização da iniciativa privada, na senda da liberdade de associação, o legislador ainda retém o privilégio especial do reconhecimento administrativo de personalidade coletiva às fundações. Quanto às associações, a liberdade de constituição está prevista, apenas com o condicionamento a posteriori, do controlo de legalidade do teor dos seus estatutos248.

Quanto às associações, cabe ao MP a função fiscalizadora da legalidade, nos termos previstos na lei, nos seguintes momentos: na constituição das pessoas coletivas249; dos estatutos e suas alterações250; da extinção das pessoas coletivas251.

A classificação doutrinária de pessoas coletivas252 revela o vasto conjunto de pessoas coletivas. Aquelas, mesmo estando inscritas no RNPC, nem todas têm personalidade jurídica.

244 De acordo com o art. 1.º do CSC são “sociedades comerciais aquelas que tenham por objeto a prática de atos de comércio e adotem o tipo de sociedade em nome coletivo, de sociedade por quotas, de sociedade anónima, de sociedade em comandita simples ou de sociedade em comandita por ações”.

245 Estas entidades estão sujeitas a registo comercial obrigatório, cujo regime jurídico substantivo está regulado em diplomas dispersos e são: a Sucursal ou Representação Permanente, a Cooperativa, o Agrupamento Complementar de Empresas, o Agrupamento Europeu de Interesse Económico, a Sociedade Anónima Desportiva, a Sociedade Europeia, a Sociedade Gestora de Participações Sociais, a Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, a Sociedade de Advogados, a Associação, e a Fundação. E ainda, a Entidade Pública Empresarial, e a Empresa Municipal. Os atos sujeitos a registo encontram-se previstos no CRCom e nos termos da legislação complementar regulatória de cada um dos tipos jurídicos. Cf. Apêndice A esquema da classificação doutrinal de pessoas coletivas.

246 C.A. Mota Pinto, Teoria Geral, p.30. 247 Op. cit., p.309-315.

248 Cf. No que diz respeito à aplicação à Associação na Hora, deste princípio da legalidade, o já supracitado Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria da República, n.º P001602004.

249 Cf. arts. 158.º-A e 185.º do CC. 250 Cf. arts. 168.º, 185.º e 280.º do CC. 251 Cf. arts. 182.º, n.º 2 e 183.º, n.º 2 do CC.

Dificuldades que haja, na distinção entre sociedade comercial e outras figuras, teremos aqui um critério formal, através do tipo societário adotado.