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1. Origem do direito comercial

6.1 Os princípios jurídico-civis

6.1.2 O princípio da boa fé

Este é um princípio transversal a toda a ordem jurídica, no entanto interessa-nos mais o conceito de boa fé no direito civil, na medida em que integra a bonae fidei possessio.

Devemos, desde logo, tomar em consideração as duas grandes vertentes da boa fé, a boa fé objetiva, como exigência de um comportamento, e a boa fé subjetiva que é um estado psicológico.

O decurso do tempo releva para direito, na medida em que faz extinguir ou criar direitos e obrigações, por caducidade e prescrição. A usucapião que está regulada quanto aos direitos reais recorre ao princípio da boa fé subjetiva para dizer “que a posse e de boa fé, quando o possuidor ignorava lesar, ao adquiri-la, o direito de outrém”253.

A usucapião que é uma prescrição aquisitiva que opera após um certo lapso de tempo, e este é maior ou menor segundo o possuidor estiver de má fé ou de boa fé conforme está consagrado no CC.

“Sendo uma criação do direito, a boa fé não opera como um conceito comum”254.

Considerando a múltipla referência à boa fé no direito civil e processual civil e ainda às várias situações em que se aplica o conceito de boa fé subjetiva, aconselha-nos Menezes Cordeiro: “estude-se a boa fé no sistema, não se parta da boa fé para um sistema ou de um conceito central abstrato para a boa fé (…) proceda-se a uma redução dogmática do problema, com a consequente integração sistemática”255.

Do elenco de situações em que a boa fé subjetiva é consagrada na lei civil, interessa-nos aqui, sobretudo a boa fé possessória por servirem de base ao reconhecimento da posse e seus efeitos, nomeadamente a contagem do tempo para a aquisição de um direito de propriedade plena, a partir da posse.

De aplicação direta ao nosso direito registal consideramos também a aquisição através do registo, mesmo quando este registo venha a ser considerado nulo. Isto é, nas palavras de Menezes Cordeiro “ a pessoa que esteja de boa fé, que adquira um direito a título oneroso,

252 Vide o Apêndice A.

253 C. Mota Pinto, Teoria Geral, p.123.

254 A. Menezes Cordeiro, A Boa Fé no Direito Civil, p.17. 255 Idem, p.410-411.

que aja com base no registo prévio a favor do alienante e que registe o direito adquirido antes de registada a ação de declaração de nulidade, vê constituir-se, a seu favor, o direito em causa, ainda quando na base, exista uma invalidade registal ou substantiva, com inclusão, pois, da ilegitimidade por alienação a non domino256. A boa fé registal prescreve que “ os efeitos do registo de boa fé incluem a aquisição tabular”257. O nosso sistema registal é meramente enunciativo e dele emerge uma presunção elidível. O efeito da publicidade prestada pelo registo é a produção de prova. O conceito de boa fé na aquisição tabular significa o desconhecimento por parte do adquirente do direito que esse tipo de aquisição vai prejudicar. No entanto, devemos sublinhar que a “aquisição tabular, no direito português, não é a regra, mas exceção”258.

A boa fé do possuidor é o desconhecimento do vício do título que o impede de se tornar proprietário.

O conceito da boa fé ou má fé aplicada aos direitos reais suscita uma possibilidade de uma aplicação analógica quanto usucapião de participações sociais. A posse durante um certo lapso de tempo – que é maior ou menor, consoante seja de má fé ou de boa fé – de um direito real gozo permite ao possuidor adquirir a propriedade plena. Será, então, aceitável dar relevância ao facto jurídico da posse para efeitos de usucapião259, no caso de um estabelecimento comercial, e nas participações sociais de sociedades? A doutrina é quase unânime em aceitar260, a jurisprudência ainda não se fixou nesse sentido261. Menezes Cordeiro considera que a usucapião só pode funcionar perante os elementos corpóreos do estabelecimento comercial. Embora admitindo a usucapião de ações de sociedades anónimas, o autor considera que as normas possessórias, nada tendo de excecionais, podem ser objeto de interpretação analógica, caso a caso262. A usucapião é uma aquisição originária do direito, não

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Ibidem, p.462. O autor entende que a fé pública registal justifica a proteção que é dada ao adquirente.

257 Ibidem, p.464. É o que nos diz o art.º 85.º do CRPred. Quando afirma que a nulidade do registo não afeta os direitos adquiridos (…) por terceiro de boa fé que estiverem registados à data em que a ação de declaração de nulidade foi registada.

258 Ibidem, p.463. 259

Prescrição aquisitiva, no Código Civil de Seabra. A partir de 1967 a usucapião está regulada nos artigos 1251.º a 1301.º do CC.

260 Na mesma esteira e fundamentando, o facto de as participações sociais serem passíveis de usufruto, penhora e outros direitos reais menores, pode ocorrer a usucapião sobre quotas sociais. Pupo Correia, Direito Comercial, p.228-229.

261 A questão foi abordada pelo Juiz Conselheiro do STJ, Eduardo de Melo Lucas Coelho. “Pontos Críticos do Código das Sociedades Comerciais na Jurisprudência” in Nos 20 Anos do Código das Sociedades Comerciais, Vol. I, p.49. Pese embora ter sido reconhecido em 1ª instância o direito de aquisição por usucapião, uma quota de uma sociedade comercial por quotas, a Relação e o Supremo negaram essa possibilidade “por não se tratar de um direito sobre coisa móvel, nem sendo objeto material, nem se configurando como direito real”. in Ac. do STJ 082124 de 10-11-1992 , 10 de novembro de 1992, de Amâncio Ferreira, com voto de vencido.

operando ipso iuri, deve ser invocada pelo usucapiente e reconhecida no tribunal, defendida por ação ou por exceção263. A respetiva ação deve ser registada264.