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A noção de stress e o paradigma salutogénico

1.2 Educação para a Saúde

1.2.2 O paradigma salutogénico e a promoção da saúde

1.2.2.3. A noção de stress e o paradigma salutogénico

O stress tem sido uma das palavras mais comuns no mundo moderno. Não que em tempos passados não houvesse o stress. A cada tempo e espaço este sentimento/sensação foi expresso na vida do homem em função de razões diferentes e de formas diferentes. Até o século XVII eram utilizados os termos aflição e adversidade (Lazarus & Lazarus, 1994); no século XVIII referia-se “à ação de força, pressão ou influência sobre uma pessoa, causando nela uma deformação”. (Allegrette, 2006, p. 4). De 1950 a 1970 o stress foi associado à incapacidade de conciliar repouso e trabalho, repercutindo em preocupações com o desempenho da indústria que desencadeavam ansiedade e doenças. De acordo com Quartilho (2016), o stress passou a ter uma forte conotação de “pressão da vida moderna em substituição da ansiedade e da ‘rotura nervosa’ que o precederam”. (p. 115). A partir da década de 1980, o stress passou a ter uma relevância em termos de saúde quando inúmeros artigos foram publicados, colocando-o como um problema da vida moderna relacionado ao estilo de vida.

O stress foi considerado como causa universal de sintomas, doenças e infelicidade. (...) Mas do mesmo modo que surgiu como determinante de patologia individual e social, o conceito de stress também promoveu uma procura alternativa de bem-estar e felicidade, um objetivo proeminente para os habitantes das Sociedades modernas ocidentais, com estilos de vida não saudáveis, sujeitos às agressões do ambiente e à pressão constante de uma vida competitiva. (Quartilho, 2016, p. 116).

Segundo Lipp (2004), nas últimas décadas, a busca por causas e formas de controlo e/ou redução do stress tem sido importante tema para inúmeros pesquisadores, visto que ele envolve a qualidade de vida das pessoas repercutindo em inúmeras consequências sobre sua vida em nível pessoal, bem como de outras pessoas com as quais mantêm alguma relação (social, profissional, emocional, etc.). Sadir, Bignotto e Lipp afirmam:

Percebe-se que os efeitos do stress excessivo e contínuo não se limitam ao comprometimento da saúde. O stress pode, além de ter um efeito desencadeador do desenvolvimento de inúmeras doenças, propiciar um prejuízo para a qualidade de vida e a produtividade do ser humano, o que gera um grande interesse pelas causas e pelos métodos de redução do stress. (...) Qualidade de vida é um estado de bem-estar físico,

mental e social e não somente a ausência de doenças. As pessoas que se consideram felizes atribuem sua felicidade ao sucesso em quatro áreas (social, afetiva, saúde e profissional). (Sadir, Bignotto & Lipp, 2010, pp. 75-76).

A palavra stress advém do latim stringere que significa dificuldades e tensão. Trata-se de um termo equívoco. Usa-se para significar: cansaço, dificuldade de raciocínio, falta de paciência, ansiedade, desleixo, desorganização, lentidão, explosão, sofrimento, infortúnio, infelicidade, dor física, carga/peso invisível. Porém, no contexto da saúde, Claude Bernard em 1879 e Camon em 1932 já haviam demonstrado interesse no tema relacionado ao stress. Hans Selye, em 1926, utilizou esta palavra para expressar a resposta do organismo humano a uma determinada situação a ele demandada. O stress é como um propulsor já que sua ausência levaria o organismo à morte.

Após inúmeros experimentos Selye constatou (em 1936) que o organismo após ser exposto a um agente estressor (uma doença, uma tragédia, dentre outros) desenvolve a “Síndrome de Adaptação Geral”, ou seja, uma reação sistêmica que ativa o organismo diante de uma exposição permanente a um agente estressor. (Allegrette, 2006).

Continuando seus estudos, em 1956, Selye definiu três fases (Fator de stress → Reação de alarme → Fase de resistência → Fase de exaustão) do quadro de stress (Tabela 4), que ainda são utilizadas como base para estudos sobre os agentes estressores sobre o indivíduo e, posteriormente, ampliado para quadrifásico por Lipp (2004).

Tabela 4

Modelo quadrifásico do stress proposto por Selye (1956) e adaptado por Lipp (2004)

Fase Autor Caraterísticas

Reação de alarme Selye (1956)

Corresponde à fase inicial diante de um estímulo estressor, no qual o organismo se prepara para a reação de luta ou fuga. Ex.: insônia, aumento da pressão arterial, tensão muscular, mudança de apetite, dentre outros.

Fase de

resistência Selye (1956)

Etapa iniciada caso o organismo não tenha reagido na primeira fase e eliminado o estressor. Ex.: Diminuição da libido, queda na produtividade e criatividade,

cansaço e problemas de memória.

Fase de quase

exaustão Lipp (2004)

Caracterizada pelo enfraquecimento da pessoa que não consegue resistir ao stress. Ocorre exaustão psicológica (depressão) e física (doenças).

Fase de exaustão Selye (1956)

Fase caraterizada pela quebra total da resistência, sendo marcada pelo aparecimento de sintomas com maior magnitude do que a fase de alerta e de quase exaustão. Fonte: Adaptado “The stress of life”. Selye, H., 1956.; “O stress no Brasil: pesquisas avançadas”, Lipp, M., 2004.

Quando se trata de modelos de stress na saúde-doença, considerámos três modelos interpretativos: Modelo de Holmes e Roche (stress como estímulo a uma carga); Modelo de Selye (Síndrome de Adaptação Geral); e Modelo Transacional de Stress de Lazarus (interação dinâmica entre o indivíduo e o meio, e a avaliação subjetiva do stress feita pelo indivíduo). (Selye, 1956).

Conforme afirma Helman (2009), o stress pode ter uma conotação moderada (eustresse), quando se trata de uma forma de proteção ao indivíduo, e negativa quando corresponde a uma situação patológica (distresse), que pode levar a extremos como a morte. Para a Organização Mundial da Saúde (WHO,1997), o stress resulta de uma tentativa infeliz do organismo de lidar com um fator ambiental adverso, daí decorrem doenças que podem surgir ou ser potencializadas.

Nesse sentido, nos cabe aqui uma conceituação de stress como a condição desencadeadora de um processo, ou seja, que ultrapassa a condição de resposta do organismo a acontecimentos externos (estressores), que exijam do indivíduo (e seu organismo) uma “resposta adaptativa ao estímulo do meio”. (Abreu, 2012).

Stress has become an important topic in health care in last years, and the management of

stress a major way of helping people cope with the stress of their lives... Stress is an existential condition characteristic of four times. It happens in a world that is constantly changing, and results chiefly form the pressures of technological change and the social dislocations that accompany it. (Abreu, 2012, p. 147).

O conceito de stress foi utilizado por Lazarus & Folkman (1986) em seus estudos, definindo o termo como sendo uma condição na qual os valores dados, por uma determinada circunstância, superam os recursos produzidos pelo indivíduo, gerando uma situação que pode colocar em risco seu bem-estar. Trata-se de uma resistência oferecida pelo organismo de acordo com os estímulos dados.

Partindo dessas ideias surgiu o conceito de coping, ou seja, um conjunto das estratégias utilizadas pelas pessoas para se adaptarem a circunstâncias adversas ou estressantes (Santos, 2013). Para Lazarus & Folkman (1984), que se dedicaram ao estudo do coping, este é um processo de transição e, portanto, o indivíduo tem que lançar mão de um conjunto de estratégias, cognitivas e comportamentais, que o auxilie a lidar/enfrentar determinadas situações, intensas e carregadas de stress, que estejam sobrecarregando ou excedendo os recursos pessoais de que dispõe. (Lazarus & Folkman, 1984). Tais condições estressantes, baseadas em fatores intrínsecos e extrínsecos, são envoltas de sofrimento e dor que fazem com que o indivíduo encontre recursos (endógenos e exógenos) até então não utilizados para enfrentar esta situação limite. Desse modo, buscamos encontrar recursos que nos capacitem a enfrentar os agentes estressores. O Sentido Interno de Coerência preconizado pelo paradigma salutogénico exprime uma forma intrínseca de lidar com uma situação estressante na medida em que buscamos gerenciar, compreender e investir nossos recursos na gestão do stress, na busca por encontrar coerência interna em sua vida, em razão das adversidades enfrentadas.

Se por um lado, existiam agentes estressores, de outro haviam capacidades de resistência, o que levou Antonovsky ao conceito de Recursos Gerais de Resistência (RGR), como visto na sequência.