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1.2 Educação para a Saúde

1.2.2 O paradigma salutogénico e a promoção da saúde

1.2.2.4. Os Recursos Gerais de Resistência

Dando continuidade a seus estudos, Antonovsky pesquisou alguns fatores epidemiológicos correlacionando-os à saúde. Ele identificou então, os Recursos Gerais de Resistência (RGR), ou seja, recursos efetivos de que o indivíduo lança mão para lidar

com situações estressoras e que o fazem aumentar sua capacidade de se relacionar positivamente com os fatores causadores. (Carrondo, 2006).

Os RGRs são forças encontradas dentro do indivíduo correlacionadas consigo próprio, à sua capacidade, ao ambiente ao seu redor e às suas qualidades materiais e imateriais, que dão orientação global para a vida. O ponto nevrálgico não é o que está disponível no momento, mas como o indivíduo irá usar os recursos que possui no controlo dos agentes estressores. De acordo com Lindström & Eriksson (2005), os RGRs fornecem ao indivíduo um conjunto de meios para alcançar experiências significativas e coerentes de vida. De acordo com Long (2001), os RGRs agrupam-se em 6 categorias:

• artefato-material;

• composição física e bioquímica; • recursos de resistência cognitiva; • recursos de resistência emocional; • relação interpessoal-relacional;

• desenvolvimento macro-sócio-cultural.

A Figura 8 apresenta um resumo de como estes recursos estão intimamente relacionados ao Sentido Interno de Coerência. Observámos que quanto maior o SOC, maior o tempo de vida do indivíduo com saúde e qualidade, tendo em vista que este dispõe de prontidão e vontade para explorar os recursos que possui para enfrentar as situações-limite. (Antonovsky, 1987).

Figura 8: Resultados da saúde relacionados ao desenvolvimento de um SOC forte. Adaptado de “Salutogenesis - an introduction”, por Lindstöm & Eriksson, 2010, figura 7.

Como afirma Long (2001), os Recursos Gerais de Resistência focam na influência das caraterísticas emocionais, físicas, psicológicas e Sociais no enfrentamento de uma situação estressante (como é o câncer) e como elas afetam a saúde, a qualidade de vida e o bem-estar da pessoa. Eles são moldados ao longo da vida através das experiências vivenciadas pelo indivíduo. São considerados como as bases para o desenvolvimento de um SOC elevado, ou seja, forte. Se estão disponíveis ao indivíduo, maior a probabilidade de gerenciar situações de stress.

Uma situação estressante leva a sentimentos e a sensações que podem conduzir o indivíduo a se entregar ou a reconfigurar sua vida. O advento do câncer como situação limite traz consigo sofrimento e dor que podem ser traduzidos em dimensões das mais diferentes formas, mas inatingíveis à compreensão humana visto que não somos preparados para tal. No capítulo seguinte, discutimos o sofrimento e suas dimensões como um agente propulsor de recursos (endógenos e exógenos) para o entendimento, a mudança e a reconfiguração da vida.

SOC

Acrescentando dias à vida

Média do SOC Resultado da Saúde Idade Resultado do bem-estar Saúde Mental estar Perceber a Saúde estar Qualidade de vida Comportamento de saúde Doenças crônicas NCDs Gerenciamento do Stress Eventos da vida + + + +

Capítulo II

DOR E SOFRIMENTO

Os corpos não sofrem, as pessoas sofrem.

(Eric Cassell)

Neste capítulo, apresentamos uma visão dos conceitos de dor e sofrimento e das dimensões do sofrimento, tendo em vista que o doente oncológico tem o sentimento do sofrimento desde o momento em que houve o diagnóstico da doença (e, principalmente, a palavra “câncer”), acompanhado ou não da sensação de dor, de diferentes maneiras. Procurámos, portanto, apresentar uma análise de termos muito utilizados por aqueles que se encontram numa situação limite, como é o advento do câncer, e que de alguma forma aprendem algo.

El dolor y el sufrimiento pueden constituir un fator educativo: enseñan prudencia, compensan la fragilidad de la condición humana imprimiendo fortaleza allá donde el contratiempo ha impuesto mutilación, discapacidad, disfunción: uno puede sobreponerse al dolor y al sufrimiento del infortunio y transformalo en una fuente de creativid y bienestar. (Boixareu, 2008, p. 269).

Erick Cassell (1991), em seus escritos, apresentou uma definição para o sofrimento que resume tudo o que foi dito neste parágrafo: “an anguish that is experienced, nor only as a

pressure to change, but as a threat to our composure, our integrity, and the fulfillment of our intentions”. (p.261).

Os termos dor e sofrimento têm sido usados por muitos como equivalentes, envolvendo o físico e o não físico, pelo menos em parte sobreponíveis. Para autores como Torralba i Roselló (1998), Boixareu (2008), Ricoeur (1994), Costa (2014), e outros, a dor é física e pode ser medida, localizada. Já o sofrimento, ao ser espiritual, psíquico, ou da alma, é mais amplo, não se mede, não se localiza. Para Boixareu (2008, p. 264), “dolor y sufrimiento convergen en una sola realidad que se expresa con un concepto: padecimiento, es decir, aquello que capta la propia sensibilidad y afecta con un sentimiento de debilidad, de pérdida, de daño sobreañadido y no querido.” O ponto de convergência está na universalidade de ambos, isto é, no facto de todos os indivíduos, desde que não tenham problemas neuronais relacionados a ausência de dor, em algum momento da vida, experimentarem tanto um como outro, embora nem sempre simultaneamente, em conexão com uma causa que pode ser uma doença, uma perda, uma busca. A dor e o sofrimento têm a função de mostrar-nos que estámos vivos, que algo não vai bem, que precisámos mudar:

Por de pronto, es necesario distinguir entre sufrimiento y dolor. El dolor se refiere, por lo general, a la percepción de un mal de orden físico, somático o biológico. El dolor de cabeza, el dolor de riñón, el dolor de hígado son dolores de orden somático. El sufrimiento, por otro lado, tiene un sentido más amplio y se refiere a un modo de padecer que no necesariamente se relaciona con lo físico o somático del ser humano, sino con el recinto de su interioridad y todos los niveles de experiencia que conlleva. (Torralba i Roselló, 1998, p. 272).

Torna-se relevante pensar não somente na dimensão física, mas na social, na psíquica, na emocional e na espiritual. Para Costa (2014, p. 26), “(...) a palavra sofrimento – dentro de uma visão dicotómica – tem sido associada ao psíquico, ao mental ou à alma, enquanto a palavra dor, geralmente, é referente a algo localizado no corpo”.

Esta conceção de Costa (2014) corrobora o que o filósofo Paul Ricoeur (1994) apresenta em seus escritos sobre sofrimento e dor quando faz uma distinção entre os dois termos:

Concordaremos por isso em reservar o termo dor para os efeitos sentidos como localizados nos órgãos particulares do corpo ou no corpo inteiro, e o termo sofrimento aos efeitos suscitados sobre a reflexividade, a linguagem, a relação a si, a relação ao outro, a relação ao sentido, ao questionamento. (Ricoeur, 1994, p.58).

Marquez (1994), afirma que há um limite conceptual muito tênue entre os dois termos, mas que ainda não foi rompido. No entanto, segundo Ricoeur (1994), esse limite ainda se confunde,

Mas a dor pura, puramente psíquica, continua a ser um caso limite, como o é talvez o suposto sofrimento puramente físico, o qual raramente deixa de ser acompanhado por um grau de somatização. Esta sobreposição explica as hesitações da linguagem comum: falamos de dor por ocasião da perda de um amigo, mas dizemos sofrer de um mal de dentes.3 É, portanto, a partir de um ideal tipo que distinguimos a dor e o sofrimento na base das duas semiologias que acabamos de referir. (p. 58).

Porém, ao buscar a compreensão do sofrer, Ricoeur(1994) assim o define:

Para acabar, encontramos o primeiro sentido de sofrer, a saber, suportar, isto é, perseverar no desejo de ser e no esforço para existir apesar de…. É este «apesar de…» que delineia a última fronteira entre a dor e o sofrimento, mesmo quando eles habitam o mesmo corpo. (p. 69).

Para C. Lewis (1986), dor e sofrimento confundem-se em alguns casos, mas mesmo assim ele apresenta uma diferenciação pautada em condições físicas e não físicas, palpáveis ou não. Apesar de ambos (dor e sofrimento) serem sentidos negativamente pelo indivíduo, o

3 É preciso entender essas expressões no contexto da língua francesa em que Ricoeur escreve, “avoir mal aux dents”, “mal à tête”, etc., pois elas são traduzidas para o português como “ter dor de dentes”, “ter dor de cabeça”, etc. Ricoeur refere-se aqui ao sentido de sofrer com isso e não apenas a expressão de um sintoma. Esta diferença de termos na traduçãoo mostra a ambiguidade da distinção e a facilidade com que ocorre o uso equívoco dos dois termos.

sofrimento é mais amplo, pois pode vir ou não acompanhado da dor:

Mas a verdade é que a palavra Sofrimento possui dois sentidos que devem ser agora diferenciados: A. Um tipo de sensação particular, provavelmente transmitida por fibras nervosas especiais, e reconhecida pelo paciente como sendo esse tipo de sensação quer goste ou não dela (e.g., a leve dor em meus membros seria reconhecida como dor, mesmo que não fizesse objeção a ela). B. Qualquer experiência, seja física ou mental, que desgoste o paciente.

Note-se que qualquer Dor no sentido A se torna uma dor no sentido B se se elevar além de um certo nível de intensidade, mas que as dores no sentido B não têm necessidade de sê-lo no sentido A. A dor em B é, de facto, um sinônimo de “sofrimento”, “angústia”, “tribulação”, “adversidade”, ou “dificuldade”, e é nessa relação que surge o problema do sofrimento. (Lewis, 1986, pp. 44-45).

Sofrimento e dor constituem-se, pelas condições impostas ao indivíduo, em situações que requerem enfrentamento, como é o caso do câncer. Lewis (1986, pp. 45-46) encara o sofrimento como “um mal às claras”, visto que quando percebemos algo fora da normalidade, sofremos. Cada um sente, demonstra, reage de forma diferente, tendo em vista o que aprendeu ao longo da vida e dos recursos de que dispõe para lidar com esta doença. Mas o sofrimento (imbuído ou não de dor física), em sua complexidade, ensina, alerta, descortina para um novo olhar sobre a vida.