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Um novo conceito de saúde e de Educação para a Saúde

1.2 Educação para a Saúde

1.2.2 O paradigma salutogénico e a promoção da saúde

1.2.2.1 Um novo conceito de saúde e de Educação para a Saúde

Aaron Antonovsky, sociólogo e médico formado nos Estados Unidos, elaborou a teoria da salutogénese a partir de estudos relacionados ao processo de stress que acomete o indivíduo, propondo o conceito de Sentido Interno de Coerência, ou simplesmente Sentido de Coerência.

Na década de 1960, após seu doutoramento em Sociologia nos Estados Unidos, país de seu nascimento, Antonovsky foi convidado a trabalhar em medicina social no Instituto de Pesquisas Sociais de Israel. Lá desenvolveu pesquisas sobre o período do climatério (uma situação de stress) em mulheres de etnias diferentes, sendo este seu ponto de partida para um novo enfoque em suas pesquisas, o que culminou com a elaboração da teoria salutogénica. Os estudos etnográficos foram importantes para que Antonovsky elaborasse

sua teoria, pois ele se baseou na observação aprofundada de uma unidade cultural.

Botsaris (n.d.) afirma que “caso fossem potencializadas as forças que se opõem ao estímulo causador de doença, seria possível evitar que as pessoas adoecessem. Portanto, ele [Antonovsky] propunha formas de estimular e preservar esta força, através do paradigma por ele denominado de salutogénese”.

O termo Salutogenesis vem do latim salus=saúde e do grego genesis=origem e, segundo seu propositor, é entendida como “the process of movement toward the health end of a health ease/disease continuum”. (Antonovsky, 1996). Ou seja, designa as forças que promovem a saúde em oposição à patogénese. Assim, saúde e doença não são realidades opostas entre si, mas cada indivíduo, em cada momento da vida, está situado “num ponto do continuum saúde-doença, ao mesmo tempo que tem a capacidade de identificar recursos para fazer face a essa situação e de usá-los para viver melhor”. (Azevedo, 2014, p. 876).

O termo utilizado por Antonovsky é o continuum saúde-doença, caraterizado como uma linha horizontal representada de um lado pela ausência total de saúde (H-) e do outro pela total Saúde (H+), estando o indivíduo, ao longo da sua vida, em algum ponto desta linha. (Antonovsky, 1987). Durante nossa vida, alguns estressores podem nos perturbar e gerar uma tensão sobre nós. Quando isso acontece, se temos recursos para enfrentar esses estressores, recuperámos nossa saúde através da salutogénese e caminhámos rumo à saúde total (H+). Do contrário, se nos direcionarmos no sentido das forças patogénicas, podemos “quebrar” (Figura 2).

Figura 2: Continuum saúde-doença proposto por Antonovsky. Adaptado de “Salutogenesis - an introduction”, por Lindstöm & Eriksson, 2010, figura 3.

Para Antonovsky, a doença, ou por que as pessoas adoecem, não pode ser o ponto central do modelo de saúde, e sim o que as mantém saudáveis, apesar de estarem expostas a diferentes fatores de risco. Os estados de tensão podem ser provocados por estressores diversos, porém ações de enfrentamento podem ser tomadas em prol do bem-estar, ou do mal-estar, caso não sejam bem gerenciadas. Assim, o conhecimento em saúde, a atividade física, os hábitos de vida e de inclusão social devem ser integrados a um conceito holístico e unificado de vida defendido por Antonovsky como “continuum saúde-doença” (Figura 3).

Figura 3: Modelo salutogénico proposto por Antonovsky. Adaptado de “Unraveling the Mystery of healt: How people manage stress and stay well”, Antonovsky, A., 1987, p.17.

Como apresentado na Figura 3, o modelo da salutogénese inclui fatores económicos, sociais e ambientais como determinantes na saúde. A proposta de Antonovsky (1987) surgiu da análise das abordagens clássicas (patogénicas) utilizadas pelos profissionais da saúde que focavam na doença para tentar explicar por que o indivíduo adoece. A abordagem, proposta por ele, não negava a doença; porém, mudava o foco para o indivíduo como um todo, buscando entender os fatores que interferem na condição de uma vida saudável. “Pensar em termos salutogénicos significa enfocar as questões da etiologia e do diagnóstico olhando a pessoa como um todo e não apenas o fator causador da doença”. (Dantas, 2007, p. 11). Passamos a focar no indivíduo como um sistema holístico (e não na doença) e nos fatores que promovem a saúde contrapondo ao risco. (Azevedo, 2014).

Na tentativa por demonstrar a mudança do paradigma biomédico e o da salutogénese e da promoção da saúde, Antonovsky elaborou uma metáfora da “Health in the River of Life”, (Figura 4) onde este autor “sustenta que não basta evitar o stress e que, em vez disso, as

pessoas deviam ser autossuficientes, “aprender a nadar” (Boeiro, 2015). Esta imagem clássica, denominada “rio da saúde”, explica a diferença entre cuidados, proteção, prevenção e educação em saúde, abrindo para promoção da saúde. A correnteza do rio da saúde está se concentrando em processos onde a exposição ao risco já pode ter causado danos (cura, proteção, prevenção e muitas vezes a educação para a saúde) (Eriksson & Lindstön, 2008).

Figura 4: A saúde no rio da vida, com indicação da direção da Salutogénese. Adaptado de “Salutogenesis - an introduction”, por Lindstöm & Eriksson, 2010, figura 2.

Antonovsky (1996) não aceitava que o estado de saúde fosse o contrário da doença, ou seja, que somente haveria dois estados em que o indivíduo estaria: ou na doença, ou na saúde. Pelo contrário, para ele um indivíduo doente tem também um certo grau de saúde e vice-versa. Carrondo (2006), ao discernir as caraterísticas da patogénese e da salutogénese, ressalta que enquanto o primeiro foca na prevenção, no diagnóstico e no tratamento da doença, o segundo (salutogénese) preocupa-se com uma visão global do indivíduo (visão holística):

Posicionamento num continuum (bem-estar/mal-estar). O bem-estar total e o mal-estar total são o extremo dos polos. Ninguém está sempre numa das extremidades, desde o momento do nascimento até ao momento da morte. Nesta perspetiva, todos estamos em parte “saudáveis” e em parte “doentes”. (Carrondo, 2006, p. 38).

Oliveira & Costa (2012, p. 701), ao estudar a teoria salutogénica, afirmaram que “pesquisar a salutogenia significa focalizarmos a nossa atenção naquilo que resiste aos fatores estressantes (stress) da vida humana, contrapondo-se esta pesquisa àquela que procura os fatores predisponentes para o surgimento de patologias”. Esses fatores estressantes correlacionam-se com o que Lazarus e Folkman (1986) denominaram de “afrontamento do stress”, que se caracteriza por situações estressantes que um indivíduo pode passar, ou seja, condições além daquelas quotidianas que ele possui para lidar com um problema podem levá-lo a modificar seus esforços cognitivos e comportamentais de modo a enfrentar tal situação.

Tais “mecanismos de enfrentamento” tornam-se essenciais para regular as respostas emocionais surgidas dessas situações de stress. Nesse sentido, o lidar com tais situações de stress torna-se algo próprio de cada indivíduo (sua condição física, psicológica, social, suas crenças, sua cultura, suas habilidades, suas convicções, seus recursos financeiros e materiais ou até mesmo suas necessidades momentâneas), da forma em que enxerga a situação e como (com que “armas”) poderá lidar com ela. Esta forma de enfrentamento aproxima-se da lifelong learning conforme a apresentámos na primeira parte deste capítulo.

Outra condição motivadora de Antonovsky (1996), ao formular sua teoria, pode ser associada a seus antepassados judeus que viveram em campos de concentração. Ele se interrogava por que alguns sobreviventes conseguiram superar o sofrimento e deram um novo rumo a sua vida, enquanto outros se entregaram e não se recuperaram. Segundo Eriksson & Lindström (2005), ele se questionou por que, apesar de tudo, eles se mantinham saudáveis.

He postulated it was because of the way they viewed their life and their essence of existence. Through research three components emerged: the ability for people to

understand what happens around them, to what extent they were able to manage the situation on their own or through significant others in their social network, and the ability to find meaning in the situation. (Eriksson & Lindström, 2005, p. 460).

Desse modo, seus estudos voltaram-se para a busca por esta resposta, buscando compreender o que leva o indivíduo a se manter equilibrado, de bem com a vida, mesmo após ter enfrentado uma situação de grande stress. De modo a melhor exemplificar este novo paradigma, Carrondo recorda a metáfora do rio, descrita por Antonovsky:

Antonovsky (1990) utiliza a metáfora do rio para descrever a salutogénese e para comparar o pensamento e a acção predominantes na área clínica com a perspetiva salutogénica. O rio simboliza a vida e a pessoa encontra-se sempre a nadar num rio mais ou menos perigoso. A orientação patogénica procura retirar as pessoas, a grande custo, do perigoso rio. Por outro lado, na orientação salutogénica, a nossa capacidade como nadadores consiste numa das defesas contra a perigosidade do rio. A capacidade individual para nadar é análoga ao conceito que Antonovsky designou “sentido de coerência”. Encoraja assim uma mudança de paradigma, do paradigma patogénico (onde inclui o modelo biopsicossocial) para o paradigma salutogénico, apresentando o “sentido de coerência” como conceito operacionalizador do paradigma salutogénico e ainda outro componente fundamental, os “recursos gerais de resistência”. (Carrondo, 2006, p. 39).

Em suma, para a salutogénese, a preocupação não mais se voltava para um posicionamento dualista, ou seja, corpo e mente, mas para uma perspetiva mais ampla [holística], na qual deve observar-se o bem-estar global, contrariando o paradigma mecanicista. (Oliveira, Pellanda, Boettcher & Reis, 2012). Porém, esta teoria não anula os avanços da outra (patogénese). A salutogénese busca aumentar a saúde a partir da melhoria da qualidade de vida do indivíduo (física, mental e social), enquanto a patogénese (ainda praticada) melhora a saúde ao diminuir a doença. Para Eriksson & Lindstrom (2008, p.7), “however, one must not neglect the fact that there is just as much a need to understand pathology, cure and prevention in combination with salutogenesis as a complement”. Esses dois paradigmas combinados poderão montar melhores estratégias para criar um ambiente de sinergia que nutre, apoia e facilita o bem-estar ideal da população.