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1.1 Educação: processo de aprendizagem

1.1.1 Educar/aprender ao longo da vida

Aprender significa tornar-se, sobre o organismo, uma pessoa, ou seja, realizar em cada experiência humana individual a passagem da natureza à cultura.

(Carlos Rodrigues Brandão)

O conceito de Educação ao Longo da Vida (lifelong learning) vem ao encontro das mudanças na sociedade moderna e pós-moderna, permitindo ao homem um conhecimento dinâmico. Segundo Dias (2009), para estar preparado para a vida, o ser humano deve ser

agente de sua própria educação, moldando-a de forma a concretizar suas realizações pessoais “em comunhão com todos os outros membros da Família Humana e dentro dos condicionalismos do respetivo ecossistema” (Dias, 2009, p. 216).

Para refletir sobre o conceito de Educação ao Longo da Vida (lifelong learning), partiremos das discussões sobre a educação de adultos efetivadas no final da primeira metade do século XX, especialmente as conferências da UNESCO.

A educação de adultos foi inicialmente considerada como supletiva da educação das crianças e dos jovens, depois sendo considerada como necessária a todos. É a partir do segundo entendimento que se cria o conceito de Educação Permanente, mais ou menos equivalente à Educação ao Longo da Vida, embora esta última também inclua a dimensão comunitária. Alguns tendem a interpretá-la numa perspetiva apenas socioprofissional.

A Tabela 1 apresenta um breve relato dos pontos mais importantes dessas Conferências Internacionais da Unesco, que culminaram em uma mudança no foco da educação.

Tabela 1

Conferências Internacionais da Unesco 1ª Conferência da Unesco –

1949 – Dinamarca

“Educação para reconstrução do mundo”, com foco na formação profissional. Foco na dimensão económica.

2ª Conferência da Unesco – 1960 – Canadá

“Educação de Adultos num mundo em Transformação”, preocupada com a sobrevivência humana. Prima pela sinergia entre dimensões técnicas e humanistas.

3ª Conferência da Unesco – 1972 – França

“Educação de Adultos no Contexto da Educação ao Longo de Toda a Vida”. Percebe-se que a dimensão humanista, a técnica e a económica devem ser desenvolvidas em conjunto.

A década de 1970 foi marcada pela Educação Permanente, na qual os conhecimentos se baseavam nos aspetos culturais, políticos e económicos. Há uma conscientização acerca de um novo paradigma da educação: a Educação ao Longo da Vida.

“A concepção tradicional fazia corresponder o processo educativo à intervenção dos adultos sobre as crianças e os jovens, no sentido de assegurar a sua «preparação para a vida (adulta)». Mas, se a educação se estende também aos adultos, deixa de constituir uma preparação para a vida

para transformar-se num processo coextensivo à duração da existência, numa dimensão da própria vida” (Dias, 2009, p.18).

4ª Conferência da Unesco – 1985 – Tóquio

“O Desenvolvimento da Educação de Adultos: aspetos e tendências”. Absorveram o modelo da Educação de Adultos de tipo funcional, estendendo o sistema educativo a todos os adultos.

A Educação Permanente é instituída pela Unesco como responsabilidade do Estado e um novo conceito emerge: “o novo conceito de Educação Permanente (tradução do original francês) ou Educação ao Longo da Vida (tradução do original inglês), que passa a designar o processo de crescimento global e harmónico de cada ser humano, ao longo das diferentes fases da sua existência, desde que nasce até que morre” (Dias, 2009, p. 19). 5ª Conferência da Unesco –

1997 – Alemanha

A conferência de Hamburgo em 1997 instituiu formalmente uma mudança de paradigma da Educação Permanente para a Aprendizagem ao Longo da Vida, sendo esta última entendida como um instrumento capaz de incentivar a participação do indivíduo na promoção do desenvolvimento sustentável. Essa conferência representou um grande marco ao abordar diferentes formas de aprendizagem fora do ambiente escolar, ou seja, mostrando ser possível e importante considerar, além da educação formal, a aprendizagem informal e não formal no contexto da educação. Passámos da Educação Permanente à Educação ao Longo da Vida ou aprendizagem ao longo da vida, orientada para o desenvolvimento de competências básicas voltadas para a empregabilidade. Mudámos os conceitos de saberes e conhecimentos para competências.

6ª Conferência da Unesco – 2009 – Brasil

“Aproveitando o poder e o potencial da aprendizagem e educação de adultos para um futuro viável”, convocada para reexaminar os compromissos da Educação de Adultos firmados em Hamburgo (Alemanha). O paradigma estabelecido em Hamburgo foi consolidado a partir da valorização da aprendizagem ao longo da vida.

O marco desta conferência, voltou-se para o facto de novamente ser ampliado o conceito de aprendizagem e educação de adultos que, de acordo com a Unesco, é entendida como “componente significativo do processo de aprendizagem ao longo da vida, envolvendo um continuum que passa da aprendizagem formal para a não formal e para a informal” e “imperativos para o alcance da equidade e da inclusão social, para a redução da pobreza e para a construção de sociedades justas, solidárias, sustentáveis e baseadas no conhecimento” (UNESCO, 2010, p.7).

Fonte: Adaptado de “Educação o Caminho da Nova Humanidade”, por Dias, J., 2009, Porto: Papiro Editora.

De acordo com Alheit & Dausein (2006), nas últimas décadas, o conceito de Educação ao Longo da Vida passou a ter um caráter mais estratégico e funcional, principalmente quando se consideram as sociedades pós-modernas. De acordo com o Memorandum sobre a Educação e a Formação ao Longo da Vida (lifelong learning) publicado em 2000 pela Comissão Europeia, é este o conceito a ser utilizado:

A aprendizagem ao longo da vida (lifelong learning) não é apenas mais um dos aspetos da educação e da aprendizagem; ela deve se tornar o princípio diretor que garante a todos o acesso às ofertas de educação e de formação, em uma grande variedade dos contextos de aprendizagem. (Alheit & Dausien, 2006, p. 177)

Ainda de acordo com este documento, a aprendizagem ao longo da vida possui um caráter bastante amplo, pois envolve processos formais de aprendizagem pautados em certificados e processos não formais baseados no conhecimento adquirido e transmitido no dia a dia do indivíduo, ou seja, fora dos estabelecimentos de ensino formais, sendo menos rígida em termos de desempenho, pois se preocupa com os problemas rotineiros (Somtrakoll, 2002). Neste último caso, podemos dizer que se trata de um processo que ocorre durante a vida, no qual o indivíduo aprende valores, habilidades, atitudes, conhecimentos a partir de seu dia a dia, pois cada ser humano é único e, portanto, percorre seu próprio caminho, como também afirma Dias (2009, p. 252): “Ninguém cresce ninguém. Cada um de nós é que cresce, ao seu próprio ritmo e para a sua própria meta, a partir das capacidades recebidas na origem e das condições criadas pela comunidade envolvente durante o percurso”.

A este respeito podemos exemplificar a sociedade canadense que entende a aprendizagem ao longo da vida de forma holística, ou seja, como um modo de vida. Especificamente nas artes há instituições de ensino e outros centros e organizações que abrem suas portas para grupos de diferentes idades, como uma forma de disseminar o conhecimento das artes. No Brasil, o Ministério da Educação e Cultura estabelece que toda instituição para ser reconhecida como Universidade deve praticar ensino, pesquisa e extensão. Neste último caso, a extensão deve envolver a comunidade em todos os sentidos. Assim, cada vez mais crianças, jovens, adultos e idosos têm sido envolvidos em projetos sociais nos quais a troca de experiências é a grande temática.

A história brasileira tem mostrado ser este um processo recente. A partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, em seu artigo 205 (alterado em 2009), nossa legislação torna obrigatória a educação de jovens e adultos fora das faixas etárias escolares.

A Constituição Federal do Brasil incorporou como princípio que toda e qualquer educação visa o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (CF.Art. 205). Retomado pelo Art. 2º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) 9.394/96, este princípio abriga o conjunto das pessoas e dos educandos como um universo de referência sem limitações. Assim, a Educação de Jovens e Adultos, modalidade estratégica do esforço da Nação em prol de uma igualdade de acesso à educação como bem social, participa deste princípio e sob esta luz deve ser considerada. (CONFITEA, 2016)

A educação toma uma dimensão maior na medida em que busca resgatar perdas Sociais da população que não teve acesso a uma educação formal. Nesse sentido, a Educação ao Longo da Vida assume uma importância vital na sociedade da informação. Esse novo paradigma abarca o ciclo de vida do ser humano de modo a incentivá-lo a buscar mais conhecimentos. Trata-se de uma aprendizagem baseada na colaboração para a construção do conhecimento, que nos auxilie, nas demandas do mundo atual (demandas pessoais e profissionais), calcado na rapidez, nas reinvenções, no encurtamento de distâncias.

Em suma, é pertinente fortalecermos as formas de aprendizagens já oficializadas. Contudo, se torna necessário entender e saber aplicar as formas de aprendizagens atribuídas aos modos informais e não formais de educar. A educação não acontece apenas nas escolas, pois o ser humano aprende desde o seu primeiro minuto de vida. “A educação tem uma dimensão maior do que propriamente ensinar e instruir, o que significa dizer que o processo educacional não se esgota com as etapas previstas na legislação” (Vianna, 2006, p. 130).

Assim, este novo conceito (lifelong learning) busca uma sinergia entre os três processos ou modos de aprendizagem: formais, informais e não formais. De acordo com Alheit & Dausein (2006, p. 178), trata-se de um conhecimento “lifewide”, ou seja, generalizado

aprendizagem nos quais os diferentes modos de aprendizagem encontram-se para complementarem-se organicamente”. Omolewa (2002), ao estudar a educação em sociedades africanas, concluiu serem essas muito mais baseadas na não formalidade e na informalidade, pois tinham como principal caraterística a troca de experiências que ocorriam nos mais diversos lugares: casas, mercados, locais religiosos, na comunidade, no trabalho e outros. Para este autor, os tipos de aprendizagens incluíam: “a) learning from experience; b) learning on the job; c) learning from mistake; d) learning a trade or a vocation; e) learning to lead; and f) learning to learn and live in a community” (Omolewa, 2002, p. 15), o que mais se aproxima da perspetiva apresentada por Delors (2012).

Em um mundo pós-moderno, o lifelong learning e o lifewide learning têm um importante papel, pois a efemeridade dos conhecimentos traz consigo uma grande necessidade de rapidez na era da informação e da comunicação e um aprendizado constante. Essa rapidez vem acompanhada pela ideia da busca por criatividade, do empreendedorismo, que nem sempre acontece em ambientes acadêmicos ou apenas parte de quem possui conhecimentos formais. Assim, as aprendizagens formais, não formais e informais se entrelaçam na busca pelo avanço, pela rapidez do conhecimento, pela geração de novos paradigmas.

Sabemos que conhecimento é poder e, nesse sentido, muitas atrocidades ocorridas são justificadas pela busca do conhecimento e do poder. O século XX foi marcado por grandes avanços tecnológicos e científicos usados para o bem e para o mal. No entanto, muitas vezes o que aprendemos de maneira não formal é esquecido em prol do “desenvolvimento” a qualquer preço. Cabe aqui o papel de educador (formal ou não) para buscar um mundo ambientalmente mais humano, sustentável, próspero e pacífico como mencionado por Alexander (2002).

We need to pay more attention to social invention and development, to our relationships with each other and the rest of nature, because the world of 2100 is sown in the imagination today. Our values and social context inform our priorities for learning. We do not lack technical skills and knowledge, but the political will and ability to use them

effectively. In particular, we need to recognize that all learning has a global dimension. (Alexander, 2002, p. 77)

O estudo da Educação ao Longo da Vida é amplamente discutido na atualidade, em função das várias caraterísticas sociais, culturais e económicas que envolvem a complexidade do tema que pressupõe a combinação das três formas de educar: formal, não formal e informal. Para Somtrakoll (2002), a educação deve promover a felicidade, sendo uma ferramenta imprescindível para se viver melhor e em harmonia.

To lead a happy life in society, one should be involved in education throughout life. Education is a tool for human beings to use for solving daily problems, or adjusting to the environment: in other words, “education for life and life for education”. (Somtrakoll, 2002, p. 29).

Segundo Oliveira (2009, p. 15), “a educação é também um processo histórico e sociocultural, porque se desenvolve no tempo humano, através das histórias de vida dos indivíduos e da história da sociedade”. Para Brandão (2002), a educação ocorre por toda a vida, pois acompanha o indivíduo que cria e recria, aprende e reaprende continuamente. Ao relacionar-se com outros indivíduos, há uma troca de experiências que reafirmam conhecimentos, modificam ou mesmo recriam saberes.

Estuda-se e deve-se estar sempre aprendendo, porque se é desde sempre uma pessoa cidadã, ou em construção da cidadania desde a tenra infância, ao longo de uma sempre contínua descoberta e recriação de si-mesmo com, para e através de outros. (Brandão, 2002, p. 79).

Para Gadotti (1981, p. 168), o objetivo da Educação ao Longo da Vida é “a formação total do ser humano, sendo um processo que se desenrola enquanto dura a vida e pressupõe relações com o outro”. Não há um período definido específico para isso. Estámos formando o ser humano continuamente, na medida em que não podemos deixar de aprender e de ensinar. As ideias de Gadotti (1981) corroboram Freire quando este afirma que o homem tem a consciência que ao longo de sua vida podia aprender ainda mais, pois

Aprender e ensinar fazem parte da existência humana, histórica e social, como dela fazem parte a criação, a invenção, a linguagem, o amor, o ódio, o espanto, o medo, o desejo, a atração pelo risco, a fé, a dúvida, a curiosidade, a arte, a magia, a ciência, a tecnologia. (Freire, 1993, p.19)

Uma outra ideia de Freire (1997), relacionada com esta perspetiva é a de que somos seres “inconclusos”, pois, enquanto vivemos, aprendemos. Estámos permanentemente buscando novos conhecimentos ou mesmo aprimorando o que já conhecemos, para melhorar nossa formação. Ele afirma: “o inacabamento do ser ou sua inconclusão é próprio da experiência vital. Onde há vida, há inacabamento” (Freire, 1997, p. 55). A educação é um direito de todos na medida em que, vivendo em sociedade, precisámos dela para viver de modo digno. É nesse sentido que aprender e ensinar devem ser comuns a qualquer indivíduo. Podemos aprender a todo instante, socializar o conhecimento e provocar o aprendizado constante é ensinar de forma a auxiliar o outro a crescer, a melhorar. Além disso, a Educação ao Longo da Vida pode ser entendida como uma base para o ser humano na medida “em que o homem, ao aprender a ser, aprende a valorizar a sua condição humana e a sua dignidade, em respeito pela condição humana e pela dignidade dos seus semelhantes”. (Areias, 2012, p. 58).

Anibal (2013) destaca que o reconhecimento dos modos informais e não formais de aprendizagem no mundo integra estratégias recentes para a criação de novas técnicas voltadas para o desenvolvimento da educação de adultos.

(...) o reconhecimento destas aprendizagens não escolares é, paradoxalmente, uma medida humanista e de caráter emancipatório, pelo que essa validação altera, em termos de reconhecimento social de espaços, contextos e tempos de aprendizagem que, até então, eram considerados menores, ou insignificantes, quando comparados com a instituição escolar, detentora exclusiva da produção do saber. É-o, também, por convidar a um outro olhar sobre os tempos e espaços da vida que podem ser encarados como geradores de aprendizagens, tanto ao nível da história de vida individual, aplicando-se às aprendizagens já realizadas (podendo, através da respetiva validação, integrar processos educativos formais), como em termos de aprendizagens futuras, revelando as inúmeras possibilidades de aprendizagem trazidas pelo meio que nos envolve e pela nossa intervenção nele. (Aníbal, 2013, p. 25)

Desse modo, quando se trata de educar para cuidar tem-se, na Educação ao Longo da Vida, um grande aliado teórico, pois o conhecimento aqui advém da educação informal, não formal e não apenas do formal. Estabelece-se, portanto, o liame necessário entre educação, ética e saúde, pois a Educação ao Longo da Vida requer a criação de condições para que cada pessoa, dentro de suas capacidades e em seu espaço-tempo, se conscientize de suas necessidades e tome iniciativa de buscar sua autorrealização.