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Elementos para situar historicamente a Educação para a Saúde

1.2 Educação para a Saúde

1.2.1 Elementos para situar historicamente a Educação para a Saúde

Hablar de salud exige plantearlo como un reto creativo. Cómo hacer de la actualidad un potencial positivo que posibilite la oportunidad de una calidad de vida satisfactoria?

(Rosa Maria Boixareu)

O final do século XX foi marcado pelo surgimento de uma nova abordagem no sistema de saúde e biomédico, buscando-se mudar o foco das ações voltadas até então para a doença e partindo para um modelo mais integrador, baseado no conceito de saúde numa perspetiva positiva.

Até então, o paradigma patogénico (isto é, centrado na génese da patologia) estruturava o modelo biomédico, ou seja, trabalhando de forma retrospetiva, corretiva e reativa,

focava suas ações na busca pela descoberta e explicação das causas das doenças como o caminho a ser percorrido em prol da prevenção da enfermidade. Conforme afirma Helman (2009), este modelo tem suas raízes na antiguidade, tendo sua centralidade baseada em uma medicina humanitária.

(...) sua principal preocupação tem sido tratar a doença, melhorar o bem-estar e aliviar o sofrimento e a dor dos seres humanos utilizando todos os meios possíveis à sua disposição. (Helman, 2009, p. 113).

Este paradigma voltava suas atenções para a explicação da patogenia (a origem da doença, diagnóstico), seu tratamento e sua prevenção (primária, secundária e terciária). O conceito de saúde é visto como negativo e redutor, visto que se foca em um diálogo unidirecional (profissional-população), no qual suas atenções voltam-se para a doença e não para o indivíduo como um todo. Observámos que há uma dicotomia na classificação do indivíduo, ou seja, ou se está saudável, ou doente.

Para o paradigma patogénico, o ator principal é o profissional da saúde, o único que pode intervir por estar preparado em termos de conhecimentos, visto que nesse paradigma buscamos livrar o indivíduo dos agentes estressores. Aqui a educação formal é essencial, pois é necessário o conhecimento dos agentes biológicos causadores das doenças. De acordo com Carrondo (2006), os resultados esperados para quem se utiliza desse paradigma são: “Diminuir os fatores de risco”, buscar “o tratamento específico para a doença” e buscar “evitar o aparecimento de doenças (Prevenção Primária), das suas complicações ou a recuperação de funções (Prevenção Secundária ou Terciária)”. (Carrondo, 2006, p. 38).

Seguindo esse raciocínio, Helman (2009) completa:

Os fenómenos relacionados à saúde e à doença só se tornam “reais” se puderem ser observados objetivamente e medidos sob essas condições. Uma vez observados, e frequentemente quantificados, eles tornam-se “factos” clínicos, cujas causas e efeitos devem então ser descobertos. (Helman, 2009, p. 113).

Cabe ainda destacar, ser este um modelo reducionista no qual o foco do profissional está sempre voltado para doença de um indivíduo, mais especificamente um órgão, um sistema, não ampliando os horizontes da análise para um contexto familiar, comunitário ou mesmo da sociedade em que ele vive. Ressaltámos ainda que, à exceção da saúde pública e da saúde da família, as demais áreas da medicina possuem um foco reducionista e limitante. As principais caraterísticas do paradigma patogénico, de acordo com Becker, Glascoff & Felts (2010), podem ser assim resumidos nos pontos seguintes:

• emprega dicotomia entre indivíduos saudáveis e doentes; • procura evitar ou minimizar problemas e suas causas; • trabalha para eliminar fatores de risco;

• toma uma abordagem reativa, isto é, os profissionais reagem a sinais, a sintomas e a indicações de doença;

• considera todos os estressores como potencialmente patogénicos; • persiste a perspetiva idealista de que trata (cura) a doença; • o foco é prevenir a dor ou perda;

• tende a se concentrar em doenças específicas; • interessa-lhe combater fatores que causam doenças; • somente são estudados aqueles que estão doentes;

• atenção primária – prevenção de problemas de saúde negativos; • benefício secundário – promoção da saúde;

• resultado – ausência de problema.

Não se pode negar que o modelo trouxe avanços para a medicina, sendo considerado como uma importante base para os serviços de saúde. Porém, mesmo trazendo avanços, por vezes, os tratamentos para as doenças não estão ao alcance de todos, pois são necessários recursos financeiros, por vezes elevados, restringindo-se o acesso. Soma-se a isso o facto de que mesmo quem pode fazer os tratamentos não tem a garantia de cura para algumas enfermidades.

Nesse sentido, tornou-se importante a mudança de orientação geral na saúde, propondo dar ênfase na promoção da saúde, tirando o foco dado à doença, na busca exclusiva da cura. Distanciando-nos do modelo reducionista patogénico, investimos cada vez mais na Educação para a Saúde, considerando esta a via mais promissora para promover modificações de hábitos e de comportamentos. Essa forma de educar inicia-se dentro do ambiente familiar, prolongando-se por toda a vida do indivíduo e expandindo-se para o ambiente de estudo, de trabalho e o comunitário.

A ênfase na saúde procura focar-se na capacitação do indivíduo para controlar melhor sua saúde, responsabilizando cada um por ela e tendo os serviços de saúde como mediadores nesse processo. Para tanto, são propostas estratégias baseadas em políticas públicas de saúde, criação de ambientes de suporte, fortalecimento de ações comunitárias, capacitação pessoal, investimentos em educação formal e reorientação dos serviços públicos de saúde. É nesta linha que a OMS (Organização Mundial da Saúde) construiu o conceito de Educação para a Saúde, destacando a importância em formar e fomentar modos de vida saudáveis. (WHO, 1986).

Quando se utiliza esse conceito, termos e expressões como “capacitar” e “agir isoladamente ou em conjunto”, há uma evolução importante para a sociedade, pois lhe devolve o direito de escolha de participar das decisões, de se envolver, de aprender, mas de também ensinar - sua autonomia. Portanto, passou a ser um processo interativo e contínuo que permite ao indivíduo utilizar os recursos de que dispõe e agir sobre situações que influenciam sua saúde, aproximando-se do paradigma salutogénico.

Ao analisarmos a evolução do processo de Educação para a Saúde, podemos dividi-la em três modelos (intervencionista, comportamental e integralista), considerando desde o paradigma patogénico até os dias atuais nos quais o foco é o indivíduo visto de forma mais holística. Partimos de um modelo unidirecional para outro próximo da Educação Popular e dialógica, pautado pela preocupação global do indivíduo, preservando sua autonomia e considerando seus conhecimentos já adquiridos.

A Tabela 2 apresenta as principais caraterísticas de cada um dos três modelos de Educação para a Saúde:

Tabela 2

Modelos de Educação para a Saúde

Foco Caraterísticas

Intervencionista Aproxima-se do paradigma patogénico ao focar em modelos informativos e biomédicos, levando o educador a propagar a ideia da escolha do indivíduo por modos de vida pautados na redução do risco de contrair doenças e pela facilitação na recuperação (Queiroz, 2011).

A saúde define-se como ausência de doença.

Papel do educador: transmitir conteúdos sem que o indivíduo intervenha na escolha dos procedimentos.

Este modelo é paralelo a que Paulo Freire denomina de Educação Bancária, onde a informação é unidirecional e sem questionamentos, não há espaço para a criatividade.

Comportamental A saúde é resultante do comportamento do indivíduo influenciado pelo meio.

O indivíduo é um agente participativo na medida em que interpreta a informação recebida, isto é, inclui-se o seu processo cognitivo.

Incentiva e valoriza a negociação e a colaboração, permitindo que o indivíduo decida de forma livre e consciente (Queiroz, 2011).

Papel do educador: conduzir a aprendizagem cognitiva, com vista a promover/induzir mudanças de comportamento (Araújo, 2004).

Integralista Educação para a Saúde Crítica

A saúde é um processo de construção coletiva. Envolve o meio ambiente e as instituições Sociais.

A participação comunitária é fundamental, pois se transfere para o indivíduo, a família e a sociedade a responsabilidade pela sua saúde e seu bem-estar.

O educador apoia-se em diferentes bases científicas (psicologia cognitivista, humanista, dinâmicas de grupo, teoria crítica e modelo dialógico de Paulo Freire) e no envolvimento da comunidade, para o sucesso de um programa de Educação para a Saúde (Santos, 2000). “O processo educativo tem por base um processo global, onde se atribui grande importância aos métodos e estratégias didáticas que ativam os diferentes domínios da aprendizagem colocando-o numa posição em que pode utilizar as suas capacidades” (Araújo, 2004, p. 71).

Fonte: Adaptado de “Aprendem doença, educam para a saúde”, por Araújo, I.,2004; “Reflexões sobre educação para a saúde”, por Queiroz, S., 2011.

Portanto, a Educação para a Saúde possui um papel importante na sociedade por ter seu campo de atuação voltado para a coletividade, independente de raça, cor, sexo, condição socioeconómica, política ou cultural. Ros (2008), em relação à Educação para a Saúde, alerta para a importância da influência da família, da escola, do espaço de convívio (sociedade), da comunicação e dos serviços sanitários no desenvolvimento do comportamento da saúde. A autora destaca a relevância da Educação para a Saúde ao afirmar ser esse o passo inicial para que esse novo modelo seja colocado, definitivamente,

Conocer y reflexionar sobre la educación para la salud y la manera de llevarla a término, sin menospreciar suas limitaciones, es un primer paso para asumir este rol inherente a cualquier profesional sanitario y no sólo al equipo de atención primaria, que es el que ha asumido esta función como competencia propia. (Ros, 2008, p. 368).

Segundo Ros (2008), a Educação para a Saúde associa-se às condutas e aos hábitos que permeiam a vida, considerando o binómio saúde-doença, ou mesmo quando se inverte esta condição, tendo em vista que uma doença acaba por modificar o cotidiano do indivíduo, obrigando-o a modificar seus hábitos e modos de vida de forma temporária ou permanente. Tais modificações no estilo de vida requerem um “educar para a saúde”, visto que observámos a necessidade de rever os hábitos e adotar novas condutas. A Educação para a Saúde deve ser uma ferramenta para o desenvolvimento de uma autonomia, de uma autogestão e de um autocuidado.

É nesse contexto que se concebe um grande desafio à educação: conscientizar para mudar hábitos que foram repassados e reforçados ao longo da vida. Esta tarefa requer a junção de diferentes variáveis: fatores endógenos e exógenos, conhecimentos/ habilidades/ atitudes, questões afetivas que, quando conjugadas, levam ao sucesso, mas, se desconectadas, podem levar o indivíduo ao retrocesso ou à deterioração ainda maior da condição prévia.

Para Ros (2008), não se trata de uma simples troca de hábitos de forma coercitiva, mas uma mudança consciente, responsável e participativa que interfere no comportamento. Assim, a Educação para a Saúde “(...) es la combinación de experiencias de aprendizaje planificadas sobre conocimientos, actitudes y habilidades destinadas a facilitar la adopción voluntaria de comportamientos positivos de salud individual y coletiva”. (Ros, 2008, p. 369). Essa educação visa a promoção e a prevenção, mas também a restauração da saúde.

Quando aprendermos a focar em uma Educação para a Saúde sob o viés da promoção e da prevenção, estaremos trabalhando o ser humano de forma holística, primando por sua saúde e não somente pelo tratamento da doença.