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Após recuperarmos o nascimento da gramática, refletirmos um pouco sobre a constituição da norma linguística como reflexo dos acontecimentos histórico-culturais, e percorrermos o trajeto das completivas (des)preposicionadas e das preposições em vários manuais metalinguísticos, podemos traçar algumas correlações.

Como já pontuamos, há pelo menos três momentos determinantes no processo de normatização linguística que julgamos importantes. O primeiro momento, que corresponde à primeira metade do século XVI, é marcado pela necessidade de se provar que as línguas nacionais são “dignas” de descrição. De acordo com Santos (2010, p.476), com a publicação das primeiras gramáticas de língua portuguesa (OLIVEIRA, 1536; BARROS, 1540), inicia-se, no domínio da codificação, “o processo secular e multiforme de afirmação e autonomização do português”.

Nesse momento, observamos, nas gramáticas analisadas, que a maior preocupação é enaltecer a língua portuguesa, comparando-a à língua latina. Há uma única preocupação: padronizar a ortografia.

O segundo momento importante ocorre em meados do século XVIII, quando se observa a chegada tardia das “Luzes” a Portugal, e, consequentemente, a busca “pela utilidade, pela necessidade e pela racionalidade” (GONÇALVES, 2010, p.85) norteia a atividade metalinguística em torno da “norma” da língua portuguesa, o que se reflete em uma busca pela correção e pela prevalência da lógica na língua.

Linguisticamente, o racionalismo do período se fundamenta no pressuposto de que as línguas são regidas por princípios gerais ou universais da razão; assim, com pensamento racionalista, a gramática portuguesa daria mais ênfase à sintaxe ao invés de privilegiar apenas as partes do discurso.

Assim como apontado por Neves (2005) para as gramáticas gregas, até neste momento a sintaxe não havia sido abordada em manuais metalinguísticos portugueses. Em Argote (1725), pela primeira vez, nos manuais analisados, aparece a exploração da “sintaxe”, definida como a “boa ordem e disposição das palavras”, ou seja, estarem no número, no caso e no lugar devidos.

Leite (1999) assinala que, no século XVIII, houve avanços no estudo da língua em Portugal, e assistiu-se à fundação da Arcádia Lusitana (1756) e, posteriormente, da

Academia Real Portuguesa (1779), promovendo “a renovação filosófica e crítica” (LEITE, 1999, p.24); nesse período, também ocorre a publicação de diversos manuais metalinguísticos.

É no século XVIII que os manuais começam a expor uma preocupação com a sintaxe e, aos poucos, a prática de escrita passa a apresentar períodos mais longos, construídos por hipotaxe; tais períodos, paulatinamente, passam a ser introduzidos também por preposições. Dos manuais pesquisados, observa-se, em Antonio José dos Reis Lobato (1770), em Arte da grammatica da lingua portuguesa, o uso de períodos mais longos, constituídos, muitas vezes, por subordinação e, inclusive, ocorre uma construção com uma relativa preposicionada (“cousa, de que Pedro tem carência”). É importante salientar que, apesar de começar a ocorrer na prática de escrita dos gramáticos, a construção dos períodos ainda não é tratada explicitamente, ou seja, não aparece na elaboração metalinguística.

Leite (1999) afirma que, no século XVIII, já se observa a preocupação com o “bom português”, embora a metalinguagem sobre essa preocupação só aparecesse no século XIX, terceiro momento decisivo na constituição da norma. O século XIX é o momento em que ocorre a difusão da racionalização preconizada pelo Iluminismo.

Dos manuais metalinguísticos analisados, A Gramática filosófica da linguagem

portuguesa, de João Crisóstomo do Couto e Melo (1818), é a primeira que aborda os

períodos. A gramática de Jerônimo Soares Barbosa (1822) avança em relação às anteriores ao usar exemplos com períodos compostos e ao abordar as relações expressas pelo “que”, ainda sem mencionar seu uso preposicionado.

Constâncio (1855), apesar de não tratar explicitamente de períodos compostos, faz uso de exemplos com tais construções e, assim como Barbosa (1822), também aborda o “que” relativo, incluindo um exemplo preposicionado: “com que (com as quaes) roubão o alheio” (CONSTÂNCIO, 1855, p.167).

Reis (1871), ao contrário dos anteriores, aborda e conceitua o período composto. Pelos exemplos citados, percebe-se que as conjunções preposicionadas são usadas, mas o autor não as explora, nem cita exemplos com tais construções, ou seja, as construções são usadas na prática de escrita, mas ainda não aparecem na elaboração metalinguística.

Em Grammatica portugueza, de Julio Ribeiro (1881), ocorrem construções completivas preposicionadas, e a nomenclatura utilizada em coordenadas e

subordinadas e em cláusulas substantivo, adjetivo e advérbio é idêntica à nomenclatura tradicionalmente utilizada; mesmo na classificação das cláusulas substantivo, a nomenclatura aproxima-se bastante da classificação adotada em gramáticas tradicionais. É nesse manual, do final do século XIX, que ocorre a exploração do período composto preposicionado de forma explícita pela primeira vez.

Em Sintaxe histórica portuguesa, Epifanio da Silva Dias (1918) observa que um fato notável nas línguas românicas é o emprego de preposições com infinitivo. Este manual, diferente da maioria dos anteriores, descreve o uso de preposições em completivas nominais e verbais – sem usar essa nomenclatura – e prevê o uso variável do nexo prepositivo nesse contexto, usando exemplos de autores respeitados.

Napoleão Mendes de Almeida (1995), na parte destinada às orações subordinadas em sua gramática, faz uma observação sobre a necessidade da preposição antes de alguns verbos. O autor considera a presença de preposições obrigatória em completivas e em objetivas indiretas. Napoleão Mendes de Almeida prescreve uma norma mais rígida, que parece seguir uma lógica gramatical mais estreita, tanto que só aborda a variação no emprego da preposição considerando a mudança de sentido e de classificação da sentença em questão. Tal lógica é diferente da de gramáticos mais antigos, que tinham como ideal de norma a língua dos grandes escritores, e estes apresentavam variação na presença de preposição em completivas.

Cegalla (1994) traz a classificação tradicional das orações subordinadas substantivas, com exemplos, em uma abordagem mais descritiva. Cunha e Cintra (2000) e Bechara (2009) também trabalham com a nomenclatura atual e adotam a prescrição do emprego de preposições nos contextos estudados.

Diante de tal cenário, podemos afirmar que sintaxe e subordinação são comentados a partir do século XVIII, mas é só no final do século XIX que o tema é explicitamente tratado. Assim, observa-se uma gradação – na prática de escrita e na elaboração metalinguística - no que se refere às completivas sentenciais (des)preposicionadas: os primeiros gramáticos portugueses não utilizavam construções subordinadas, na prática de escrita de gramáticos posteriores, paulatinamente começam a aparecer tais construções; no século XVIII, observa-se a prática linguística constituída por período composto nos manuais, mas somente posteriormente ocorre a elaboração metalinguística sobre ele; no século XIX, na prática de escrita, então, começam a

aparecer completivas preposicionadas, que só ocorrerão na elaboração metalinguística no final do século.

Nesse sentido, é importante considerarmos uma ruptura na abordagem dada ao fenômeno em análise: os gramáticos mais contemporâneos, de meados do século XX em diante, já incorporam a preposição em completivas sentenciais como prescrição normativa, postura bastante diferente dos primeiros gramáticos a abordarem o tema, no final do século XIX.

Dessa forma, após revisão sobre os pontos que fundamentam o presente estudo – norma, complementação sentencial finita (des)preposicionada e preposição – é possível afirmar que há uma confluência entre os momentos históricos de maior reflexão linguística e uma maior elaboração metalinguística nos manuais normativos. A seguir, apresentaremos a análise de dados do córpus, para verificarmos se essa confluência entre períodos de maior reflexão linguística e uma maior elaboração metalinguística nos manuais realmente se reflete na prática de escrita.

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

A fim de compor um quadro descritivo do emprego de preposições em completivas nominais e verbais, neste capítulo, apresentam-se os resultados encontrados a partir da análise quantitativa realizada. Primeiramente são apresentados os resultados gerais das completivas sentenciais (des)preposicionadas, isto é, os resultados da totalidade de dados analisados, contemplando tanto as completivas nominais quanto as verbais. Em seções posteriores, tais dados são apresentados separadamente, já que foram considerados diferentes grupos de fatores para as completivas nominais e para as completivas verbais. Em uma última seção, os resultados encontrados são correlacionados às questões normativas.