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Na abordagem funcionalista, subordinação é, em geral, definida como um processo sintático em que uma oração é tomada como argumento de outra oração (GIVÓN, 1980; NOONAN, 1985; DIK, 1997; HENGEVELD; MACKENZIE, 2008).

Hopper e Traugott (1993) definem sintaticamente uma sentença complexa como uma unidade que consiste em mais de uma cláusula, isto é, um núcleo e um ou mais núcleos adicionais. Dentre os núcleos adicionais, também chamados pelos autores de “margens”, há três tipos semanticamente distintos: os complementos, que funcionam como uma frase nominal; as cláusulas relativas, que funcionam como modificadores do nome; e as cláusulas adverbiais, que modificam a frase verbal ou toda a proposição. (THOMPSON; LONGACRE, 1985 apud HOPPER; TRAUGOTT, 1993, p.169).

Sob perspectiva da mudança linguística, Hopper e Traugott (1993) afirmam que as cláusulas complexas se iniciaram a partir da combinação entre dois núcleos separados e autônomos que eram mutuamente relevantes (HOPPER; TRAUGOTT, 1993). Seguem afirmando que unir linguisticamente essas cláusulas é uma estratégia retórica. Nessa perspectiva, as estruturas independentes e autônomas são, então, combinadas. Os autores propõem um cline com três pontos de fragmentação:

A)“Parataxis,” or relative Independence, except as constrained by the pragmatics of “making sense” and relevance.

B) “Hypotaxis” or interdependency, in which there is a nucleus, and more clauses which cannot stand by themselves, and are therefore relatively dependent. However, they are typically not wholly included within any constituent of the nucleus.

C) “Subordination,” or, in its extreme form, “embedding,” in other words, complete dependency, in which a margin is wholly included within a constituent of the nucleus (HOPPER; TRAUGOTT, 1993, p.170).

A partir dessa definição, estabelecem um cline de combinação de sentenças: parataxe > hipotaxe > subordinação. Considerando-se os critérios de dependência e de encaixamento das sentenças, tem-se:

Parataxe > hipotaxe > subordinação

- dependente + dependente + dependente - encaixado - encaixado + encaixado

(HOPPER; TRAUGOTT, 1993, p.170).

Os autores defendem que, estabelecendo essa classificação, a terminologia de duas tradições é definida: parataxe e hipotaxe - parataxe inclui todos os tipos de justaposição, e hipotaxe inclui todos os tipos de dependência; e coordenação e subordinação – encaixamento -, definidos em termos de estrutura constituinte. Ainda na explicação de tais conceitos, apresentam a seguinte figura:

Figura 1 – Propriedades relevantes para o cline de combinação de cláusulas

Fonte: Hopper; Traugott (1993, p.171)

Assim, a parataxe é o tipo de relação mais simples, ou seja, nela ocorre apenas a justaposição de dois ou mais núcleos, e a relação semântica é apenas inferida. O exemplo dado é “Veni, vidi, vici (I came, I saw, I conquered)” (HOPPER; TRAUGOTT, 1993, p.172). Para os autores, construções com um contorno de entonação sentencial e um conectivo como “and” são consideradas mais gramaticalizadas do que as construções que não trazem essas características, isto é, elas têm uma morfossintaxe gramatical mais evidente, como em “I came and I saw and I conquered” (HOPPER; TRAUGOTT, 1993, p.173).

A hipotaxe, por sua vez, é apresentada como o equivalente das orações coordenadas nas línguas europeias modernas e, em muitas línguas, aparece sem conjunção coordenativa evidente, ou em cláusulas paratáticas simples ou como margem com um núcleo.

Já na subordinação, as cláusulas são dependentes de várias formas da oração principal: não têm força ilocucionária diferente da principal; equivalem a um constituinte do que expressam; e são entrelaçadas de alguma forma.

Dixon (2006), em um estudo sobre estratégias de complementação, separa três tipos de sentença complexa. No primeiro, lista as coordenadas e as construções subordinadas não-encaixadas, para as quais usa os seguintes exemplos do inglês:

(14) John came in and (Mary) closed the door.

(15) The librarian cancelled the journal subscription (in order) (for the university) to cut costs. (DIXON, 2006, p.2)

Parataxe ---Hipotaxe ---Subordinação (Independência) (interdependência) (dependência) Núcleo --- margem Integração mínima ---Integração máxima Máxima vinculação evidente ---Mínima vinculação evidente

Na primeira frase (14), há duas cláusulas, que poderiam aparecer sozinhas, mas que estão conectadas por “and”; na segunda (15), apenas a primeira cláusula pode aparecer sozinha. Nos dois exemplos, se o sujeito da segunda for o mesmo do sujeito da primeira, ele pode ser omitido.

O segundo tipo de sentença complexa é o de construções relativas. Nesse caso, a cláusula relativa é parte de um NP que tem o seu argumento (sujeito, objeto, etc.) em outra cláusula, assim como um adjetivo ou demonstrativo fazem:

(16) [Which car]O did you buy?

(17) I bought [the red car [ (that/which) we lookedat on Saturday] ] O

(DIXON, 2006, p.4)

Em (17), o carro é especificado por dois modificadores, pelo adjetivo “red” e pela cláusula “(that/which) we lookedat on Saturday”, que funciona como parte do objeto da primeira cláusula.

O terceiro tipo de sentença complexa é o de cláusulas complementares, que funcionam como argumento núcleo da primeira sentença, como no seguinte exemplo:

(18) I heard [the result] O

(19) I heard < (that) Brazil beat Argentina> O (DIXON, 2006, p.4)

Em (18), o complemento é “the result” e, em (19), o complemento é representado por uma sentença complementar introduzida por “that”, que pode ser omitido.

O autor estabelece quatro critérios que precisam ser preenchidos para que um constituinte seja reconhecido como sentença complementar:

(I) Precisa ser uma estrutura constituinte interna da sentença;

(II) Deve funcionar como um argumento núcleo da sentença principal;

(III) A sentença complementar sempre deve descrever uma proposição, que pode ser um fato, uma atividade etc.;

(IV) Funciona como argumento núcleo de verbos com sentido como “see”,

“hear”, “know”, “believe” etc. (DIXON, 2006, p.15)

A partir das propostas apresentadas, as orações estudadas no presente trabalho são consideradas dependentes e encaixadas, enquadrando-se na classificação de subordinação de Hopper e Traugott (1993). São constituintes internos de uma sentença, funcionando como argumento núcleo da sentença principal e também descrevem uma proposição, além de funcionarem como argumento núcleo de verbo como os listados por Dixon (2006); sendo assim, são consideradas cláusulas complementares de sentença complexa (DIXON, 2006).

Em um estudo sobre complementação, Cyrino, Nunes e Pagotto (2009) afirmam que, em português, é possível ter três tipos de complementos verbais em relação à estrutura sintática. Um argumento interno pode ser: uma sentença, um sintagma nominal ou um sintagma preposicional.

Em relação ao complemento sentencial, há três estruturas possíveis: sentenças com tempo finito, sentenças com verbo no infinitivo e estruturas predicativas sem verbo, chamadas miniorações (CYRINO; NUNES; PAGOTTO, 2009).

Os complementos sentenciais com tempo finito são introduzidos por uma conjunção subordinativa e podem apresentar o verbo no indicativo ou no subjuntivo, dependendo do verbo da oração anterior. Os complementos infinitivos, por sua vez, não são introduzidos pela conjunção.

De acordo com os autores, esses dois tipos de complementos contrastam em relação à manutenção da preposição selecionada pelo verbo da sentença anterior: enquanto as construções infinitivas mantêm a preposição, os complementos finitos “podem dispensá-la” (CYRINO; NUNES; PAGOTTO, 2009, p.69), conforme os exemplos abaixo:

(20) “eu gosto [de ficar em lugares isolados] (D2 RJ 355)”

(21) “então eu gostaria [Ø que a presença fosse... mais: compacta melhor...] (EF REC 337)” (CYRINO; NUNES; PAGOTTO, 2009, p.69)

Os autores ainda observam que o verbo pode pedir uma preposição quando o complemento é uma sentença finita, mas não fazer isso quando for uma sentença infinitiva ou um SN. O exemplo dado é “fazer com que”, “fazer parecer” e “fazer uma casa” (CYRINO; NUNES; PAGOTTO, 2009, p.70), em que só aparece a preposição no complemento finito.

Em uma nomenclatura gramatical mais tradicional, Neves (2000) afirma que há orações que equivalem a um sintagma nominal, por isso são chamadas orações substantivas. Tais orações são encaixadas ou integradas à oração considerada matriz ou principal, introduzidas por conjunção integrante e geralmente funcionam como complemento de um termo da outra oração, desempenhando papel de argumento da oração principal. Ela pode ser argumento de um verbo, de um substantivo e de um adjetivo, desempenhando diferentes funções, conforme exemplos abaixo:

a) Argumento de um verbo:  Sem preposição:

Sujeito: “Parece QUE tenho asa (MPF)”

Objeto direto: “Geisel respondeu QUE considerava seus serviços imprescindíveis ao

Governo (TF)” (NEVES, 2000, p. 335)

 Com preposição:

Objeto indireto: “Apesar de terem respondido que eu estava meio indisposta, papai insistiu em QUE me chamassem (A)” (NEVES, 2000,p.336)

b) Complementação de um substantivo (com preposição):

“ Tenho certeza de QUE ela não o teria deixado se você fosse rico (AC)” (NEVES, 2000,p.336)

c) Complementação adjetiva (com preposição):

“Mas me calei, prudente, desejoso de QUE ela pusesse fim às suas confissões e me

Além das orações em função argumental, a autora separa as orações em função predicativa (“O problema é QUE não consegui ampliar a produção (AGF)” (NEVES, 2000,p.337); e em função apositiva (“O meu mandamento é só este: QUE vos ameis uns aos outros, assim como eu vos amei (SO) (NEVES, 2000,p.338)).

Considerando que as construções que interessam ao presente trabalho são as orações que desempenham função argumental com preposição, é importante notar que a autora faz algumas observações sobre a variação no emprego da preposição nesses contextos. Ela afirma que alguns verbos, como gostar, duvidar e insistir, quando construídos com complemento não oracional, são construídos com objeto indireto, no entanto, quando o complemento é oracional, podem ter a preposição omitida, construção, segundo ela, “não bem-aceita pela gramática normativa”, como ocorre em: “não duvido QUE pense fazer essa longa viagem em tua companhia (PRO)” (NEVES, 2000, p.359). Além da variação em completivas oracionais verbais, Neves (2000, p. 361) também registra a variação em completivas nominais: “Num registro mais informal ocorre oração completiva de substantivo sem preposição: Não há dúvida QUE irei embora (CCA)”.

Ainda sobre as sentenças argumentais que envolvem preposição, Gonçalves, Souza e Casseb-Galvão (2008), ao analisarem as construções subordinadas substantivas, também afirmam que é invariante a “preservação da preposição” (GONÇALVES; SOUZA; CASSEB-GALVÃO, 2008, p.1068) em sentença não-finita de qualquer tipo, verbal, nominal ou adjetival. Estão incluídas, nessa regra, as completivas nominais encaixadas nos seguintes predicados nominais:

(...) aspectuais (acostumado, habituado), de modalidade deôntica orientada para o agente ou para o evento (apto, capacidade, capaz,

condição, possibilidade, oportunidade, obrigação), avaliativos

(dificuldade, facilidade, problema, besteira), de modo/maneira (jeito,

modo, maneira, forma), enunciativos (fato, assunto, negócio, conceito), finalidade (finalidade) e de manipulação (forçado, impelido, obrigado). Para as objetivas indiretas, raríssimos foram os

casos de ocorrência na forma finita, casos registrados apenas com o predicado gostar; em todos os demais predicados encaixam-se sentenças na forma não-finita. (GONÇALVES; SOUZA; CASSEB-GALVÃO, 2008, p.1068)

Já em relação ao encaixamento da sentença finita, afirmam que o comportamento da preposição é variável, podendo ser preservada ou apagada. Dizem que o predicado ser de natureza verbal é categórico para o cancelamento da preposição; já se for nominal ou adjetival, há a atuação de fatores de ordem semântica para esse cancelamento, “como é o caso de modalidade epistêmica orientada para a proposição (certeza/incerteza) e de atitude emocional subjetiva, que, fortemente, favorecem o apagamento da preposição” (GONÇALVES; SOUZA; CASSEB-GALVÃO, 2008, p.1068-1069).

Em um capítulo dedicado à subordinação argumental finita, Barbosa (2013) define orações subordinadas argumentais como “aquelas que satisfazem as propriedades de um dado predicador, ou seja, que funcionam como argumentos desse predicador” (BARBOSA, 2013, p.1821), como nos seguintes exemplos:

(22) a. O atleta disse [que não estava nas melhores condições de saúde].

b. Todos lutámos por [que a proposta fosse aprovada]

c. [Que os exames sejam adiados] não nos convém absolutamente nada.

(23) a. Tenho medo (de) [que ele se esqueça dos comprimidos] b. É um disparate [que proíbam essas coisas]

(24) a. O Pedro está convencido (de) [que a sua equipa ganha o jogo] b. É evidente [que o carro não pega sem gasolina] (BARBOSA, 2013, p.1822)

Por esses exemplos, é possível observar que as orações finitas podem ser complemento de um verbo (como em 22), de um nome (como em 23) e de um adjetivo (como em 24), desempenhando função de complemento (como em 22a, b; 23a; 24a) e de sujeito (como em 22c; 23b; 24b). Preposições e advérbios também podem selecionar uma oração subordinada, como ocorre nos seguintes exemplos:

(25) “Não saio daqui sem [que me digam as notas]”

(26) “Antes [que os convidados chegassem], dei de comer ao cão.” (BARBOSA, 2013, p. 1823)

Em (25), a preposição “sem” seleciona o complemento; e, em (26), o advérbio “antes” seleciona o argumento. A autora ressalta que, nesses casos, a combinação de

preposição/advérbio mais “que” complemento funciona como adjunto adverbial; assim, em (25), temos adjunto adverbial com ideia de circunstância negativa e, em (26), temos localização temporal. Nesses casos, a autora salienta que a tradição gramatical opta por classificar tais estruturas – orações completivas que são complemento de advérbios e de preposições - na subordinação adverbial, classificação seguida também pela autora.

Retomando as orações que são complemento de verbos, nomes ou adjetivos, ela distingue dois tipos de construções:

 Estruturas em que a preposição tem um valor semântico e é ela própria selecionada pelo verbo, nome ou adjetivo com o qual se combina, para formar um predicador complexo que seleciona a oração completiva. Nestes casos, a escolha da preposição varia consoante o item lexical que a seleciona.

 Estruturas em que a preposição é vazia de significado e serve apenas de elo de ligação entre um núcleo e o seu complemento; nestes contextos de pura gramaticalização, é usada a preposição de, sendo que a sua presença não é obrigatória quando o complemento é uma oração finita; estes casos ilustram-se em:

a. Ela gostou muito (de) [que a fossem visitar]

b. Tenho medo (de) [que ele se esqueça dos comprimidos]

c. O Pedro está convencido (de) [que a sua equipa ganha o jogo] (BARBOSA, 2013, p.1824)

Funcionalmente as orações subordinadas completivas são caracterizadas por poderem, de maneira geral, ser substituídas por argumentos de natureza nominal, motivo pelo qual são chamadas de substantivas na tradição gramatical. Em relação à forma, tais orações podem ser finitas ou infinitivas: as finitas apresentam o verbo no indicativo ou no subjuntivo, e concordam com o sujeito; nas infinitivas, o verbo aparece no infinitivo, que, no português, pode ser flexionado.

(27) a. O treinador afirmou [que o atleta não estava nas melhores condições de saúde].

b. O treinador não afirmou [que o atleta estivesse nas melhores condições de saúde].

(28) a. Os atletas garantiram [estar nas melhores condições de saúde]. b. O treinador garantiu [estarem os atletas nas melhores condições de saúde] (BARBOSA, 2013, p.1827).

Em (27), observam-se exemplos de completivas finitas, respectivamente com verbo no indicativo e no subjuntivo; em (28), veem-se exemplos de completivas infinitivas, respectivamente com infinitivo não flexionado e com infinitivo flexionado.

Ainda em relação à forma dessas completivas, se um predicador seleciona uma completiva finita, também é possível construí-lo com uma completiva infinitiva; já o inverso não é possível, ou seja, se um predicador seleciona uma completiva infinitiva, nem sempre é possível construir o complemento com uma finita, o que faz com que as completivas finitas tenham uma distribuição mais restrita. Os exemplos dados são:

(29) O atleta disse [que não estava nas melhores condições de saúde]. (30) O atleta disse [não estar nas melhores condições de saúde] (31) Eles ousaram [responder-lhe]

*Eles ousaram [que lhe respondessem/responderam] (BARBOSA, 2013, p.1828)

Nesse caso, a completiva finita (29) pode ser transformada em infinitiva (30), mas a infinitiva (31) perde a gramaticalidade se construída com complemento finito.

Considerando o estatuto das completivas sentenciais, o objeto de análise do presente estudo são as sentenças encaixadas ou integradas à oração matriz, introduzidas pela conjunção integrante “que”, e que funcionam como complemento de um verbo, de um substantivo ou de adjetivo da outra oração, desempenhando papel de argumento (des)preposicionado da oração principal. Nesse sentido, pretende-se estabelecer o estatuto de tais estruturas diacronicamente, sempre o relacionando às questões normativas vigentes.