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Para um estudo diacrônico da complementação sentencial em português, é importante analisar como era a composição dos períodos em latim. Cart et al (1986) afirmam que, em latim, uma oração é subordinada quando depende de uma outra e pode ser introduzida por uma conjunção subordinativa, por uma palavra interrogativa ou relativa. Afirmam ainda que as orações infinitivas e participiais (ablativo absoluto) são “subordinadas sem palavra subordinante e sem verbo em modo pessoal” (CART et al, 1986, p.128).

No ponto dedicado às orações subordinadas, os autores afirmam que as completivas desempenham principalmente a função de objeto de um verbo, às vezes, a função de um sujeito e que há 3 tipos de completivas: subordinada interrogativa; subordinada infinitiva; subordinadas conjuncionais iniciadas por ut, ne, quin, quominus (acompanhado de subjuntivo) ou quod (acompanhado de indicativo).

Em uma parte intitulada “noções complementares”, os autores listam 4 construções de orações subordinadas:

 Oração sem verbo: construção em que falta o verbo, o que geralmente ocorre com o verbo sum, com outro verbo fácil de suprir (como “dizer”, “fazer”) ou ainda com um verbo de uma oração próxima que não foi repetido. Ex.: “Si dolor

gravis, brevis (Se a dor é forte, é rápida)” (CART et al, 1986, p.129).

 Subordinadas sem palavra subordinante: algumas completivas, no subjuntivo, não apresentam palavra subordinante. Os autores afirmam que é “vestígio do estado antigo da língua em que as orações eram simplesmente justapostas” (CART et al, 1986, p.129). Ex.: “Cave cadas (Livra-te de cair)”; “Fac diligas

fratem meum (Faça por amar meu irmão)”.

 Subordinadas que se prendem a um substantivo: quando um substantivo exprime ideia verbal, a completiva pode se prender a ele, e não a um verbo. Ex.: “Timor

ne hostes redeant (O temor de que os inimigos voltem)”; “Nuntius hostes redire

(a notícia de que os inimigos voltam)”; “quaestio num animus sit immortalis (o problema de saber se a alma é imortal)” (CART et al, 1986, p.129)

 Subordinadas que desenvolvem um demonstrativo: frequentemente a subordinada desenvolve o sentido de um pronome ou advérbio demonstrativo

que está na oração principal: “Suscipienda bella sunt ob eam causam ut in pace

vivatur (deve-se empreender as guerras por este motivo: viver em paz)” (CART

et al, 1986, p.129).

Retomando as completivas, temos:  Subordinada interrogativa

A oração interrogativa pode ser direta, nesse caso, é uma oração independente, ou indireta, constituindo uma subordinada. Os autores apontam que as orações subordinadas interrogativas são objetos de verbos como: “quaerĕre, rogare, interrogare, sciscitari, perguntar; dicĕre, dizer; docĕre, ensinar; scire, saber; intellegĕre, compreender; mirari, admirar-se; dubitare, duvidar; experiri, tentare, experimentar, etc.” (CART et al, 1986, p.130).

Subordinada infinitiva

São listados 3 sinais particulares desse tipo de construção: ausência de palavra subordinante; sujeito no acusativo; e verbo no infinitivo, por exemplo: “Scio vitam esse brevem. Sei que a vida é breve (a vida ser breve)” (CART et al, 1986, p.132).

A construção é utilizada com verbos que exprimem declaração, opinião ou conhecimento, como: dicĕre (dizer), negare (negar), narrare (narrar), nuntiare (anunciar), tradĕre (contar), credĕre (crer), ducĕre (julgar), putare (pensar), sentire (sentir), sperare (esperar), audire (ouvir/falar), animadvertĕre (notar), ignorare (ignorar), nescire (ignorar), scire (saber), etc., por exemplo: “Dicunt Homerum caecum fuisse. Dizem que Homero era cego.” (CART et al, 1986, p.132).

Ainda é possível acompanhar verbos de vontade (como jubēre, ordenar; velle, querer; sinĕre, pati, permitir; vetare, proibir; prohibēre, impedir; cogĕre, obrigar) ou de sentimento (como gaudēre, laetari, alegrar-se; indignari, indignar-se; mirari, admirar- se; queri, queixar-se), além de ser sujeito de locuções e de verbos impessoais.

Completivas introduzidas por uma conjunção

Com verbos de vontade, pedido e esforço (como imperare, ordenar; edicĕre, determinar; praecipĕre, prescrever; optare, desejar; orare, suplicar; petĕre, pedir;

que; impetrare, obter), a subordinada fica no subjuntivo e começa por ut ou uti (que), por ne ou ut ne (que não). Os exemplos citados são:

“Suadeo tibi ut legas. Aconselho-te a ler (que leias).

Suadeo tibi ne legas. Aconselho-te a não ler (que não leias)” (CART et al, 1986, p.134).

Com verbos que exprimem uma eventualidade ou um resultado (como evenit, acontece; contingit, acontece; accidit, acontece; fit, acontece; sequitur, segue-se;

afficitur, conclui-se), a subordinada também aparece no subjuntivo, iniciada por ut (que)

ou ut non (que não). Exemplo: “Fit ut non legas. Acontece que não lês” (CART et al, 1986, p.134).

Com verbos de temor (como timeo, vereor, metuo, temo, por exemplo), a subordinada fica no subjuntivo e é iniciada por ne (que) ou ne non (que não). Exemplo: “Timeo ne veniat. Timeo ne non veniat. Temo que ele venha. Temo que ele não venha.” (CART et al, 1986, p.134).

Por fim, pode aparecer com verbos de impedimento (como impedio, obsto, impeço; recuso, recuso), nesse caso, pode ser introduzida por ne (que) em caso de verbo de impedimento afirmativo; e por quominus ou quin (que) em caso de verbo de impedimento empregado negativamente.

Em outro estudo sobre a complementação sentencial latina, Vasconcellos (2013, p.27), com muito cuidado, afirma que “há uma tendência a supor que, do indo-europeu a uma língua como o latim, desenvolveu-se a hipotaxe a partir da parataxe” e que, no primeiro, haveria a predominância de justaposição de enunciados sem conectivos, tendência também válida para o latim, que revela um uso crescente da hipotaxe a partir da parataxe. No entanto, o autor afirma que:

preferimos pensar que parataxe e hipotaxe conviveram desde sempre, como convivem no latim da época clássica, e que, se é possível reconstituir um trajeto da hipotaxe à parataxe inicial, isso se deve à gramaticalização, fenômeno presente em toda língua (VASCONCELLOS, 2013, p.27).

Sobre a formação de conjunções, o autor afirma que derivam do pronome interrogativo-indefinido-relativo indo-europeu ou de partículas adverbiais. Destaca ser esse um processo comum às línguas: that (inglês), dass (alemão), ou seja, em várias

línguas o demonstrativo assume função de conectivo, por um processo de gramaticalização.

O autor afirma que se emprega oração subordinada sem conectivo e com verbo no subjuntivo com:

 Verbos que denotam volição (vontade, ordem, exortação, pedido, proibição e desejo), casos em que a subordinada é completiva direta;

 Com verbos e expressões impessoais, casos em que a subordinada é subjetiva;  E com alguns verbos no imperativo.

Vasconcellos (2013) também afirma que as orações subordinadas substantivas podem ser introduzidas por ut, quod, quin e quominus.

Emprega-se a conjunção integrante ut depois de verbos de volição, como ordem, desejo, conselho; após verbos e expressões que significam “fazer” (com que), como “obrigar”, “conseguir”, “cuidar para”; encontra-se ut com certos verbos e expressões impessoais, nesse caso, acompanhado de subjuntivo. Com verbos de temor, traduz-se ut por “que não” quando o desejo é de que algo aconteça e se teme que não ocorra; e traduz-se ne por “que” quando o desejo é de que algo não ocorra e se teme que aconteça. O autor cita os seguintes exemplos:

Timeo: ut pluat! (temo que chova! Meu desejo é que chova!)

Timeo ut pluat. (temo a respeito disto: desejo que chova – Temo que não chova)

Timeo: ne pluat! (temo que não chova! Meu desejo é que não chova!) Timeo ne pluat. (temo a respeito disto: desejo que não chova – Temo que chova) (VASCONCELLOS, 2013, p.58-59)

Utiliza-se também ne non, principalmente após verbo negativo.

Emprega-se quod com vários verbos, geralmente no indicativo, em construções em que quod tem valor declarativo (equivalente a “o fato de que”). Também é utilizado após os verbos fero e facio, além dos que significam “acontecer”, formas sempre acompanhadas de um advérbio de modo ou de um adjetivo neutro.

O autor adverte para o fato de as gramáticas latinas classificarem esse último tipo de oração como completivas e não como causais e atenta para o fato de que, para

uma oração introduzida por quod ser completiva, ela deve introduzir uma oração equivalente a um elemento integrante da oração regente, e não um termo acessório.

Com verbos de afeto, Quod também é usado. As orações com quod se alternam com orações infinitivas e, no próprio latim, já havia a discussão sobre tais orações serem completivas ou causais.

Também se pode usar o Quod para introduzir uma apositiva, que desenvolve um pronome demonstrativo da oração regente; esse tipo de oração também pode vir depois de um substantivo. Além disso, Quod pode aparecer no início do período, como uma espécie de marcador discursivo, colocando em foco o tema sobre o qual se vai falar, ou seja, introduz o tópico da frase.

O autor afirma que quod tendeu a se tornar uma conjunção universal e sua confusão com quid explica o largo emprego do “que” no português. Ele ainda diz que a subordinação completiva com quod surgiu do seu emprego como pronome relativo associado à palavra anterior, assim, o pronome se especializou e funciona como verdadeira conjunção integrante.

As orações subordinadas também podem ser introduzidas por quin e quominus, que, seguidos de subjuntivo, podem ser usados após verbos e expressões de impedimento que estejam acompanhadas de palavras negativas ou que sejam oração interrogativa prevendo resposta negativa.

Usa-se quin e subjuntivo depois de verbos e expressões que significam “duvidar”, “conter-se”, “abster-se” se estiverem acompanhados de negação ou em interrogativas de sentido negativo. Também se usa quin em expressões como:

“facere non possum quin” não posso deixar de “haud multum abest quin” não falta muito para que

“Non abest suspicio quin” não está afastada a suspeita de que

“nulla est causa quin” não há motivo que impeça de, não há motivo para que não

“quae causa est quin...?” que motivo há para não...?

“Paulum abest quin” falta pouco para que (VASCONCELLOS, 2013, p.78)

O autor afirma que há um uso da conjunção quin (“que não”) que parece indicar sua confusão com o relativo, retomando o termo anterior. Em vez de se usar “nemo est qui non”, “nihil est quod non”, “nulla ciuitas est quae non”, emprega-se quin, sem

flexão, após nomes masculinos, femininos e neutros. Com o tempo, quin e quominus vão sendo substituídos por quod.

De acordo com Maurer Jr. (1959), no latim vulgar, a subordinação era bem mais “pobre” do que na língua clássica e se usava mais a parataxe do que a hipotaxe. O maior uso da parataxe é característica apontada por Vasconcellos (2013) para outras sincronias linguísticas anteriores ao latim, o que Maurer Jr. (1959) também afirma ser característica da fase antiga das línguas românicas, pelo menos no português, no espanhol, no francês e no italiano.

Apesar da simplificação ocorrida com a subordinação, Maurer Jr. (1959) aponta que restaram muitas características da subordinação do latim clássico no latim vulgar e que há peculiaridades notáveis em relação ao verbo e à conjunção.

O autor afirma que, no latim vulgar, o tipo clássico de oração infinitiva se perdeu, conservando apenas restos dessa construção, preservados principalmente em textos literários. O autor indica ser possível perceber a origem literária de construções como “creio ter êle chegado ontem, sei estar êle na cidade” (MAURER JR., 1959, p.216), conservação possível pela tradição erudita latina.

Quanto à oração conjuncional, há duas construções: a de sentido declarativo, como “eu disse que êle vinha” e a de sentido volitivo, como “eu disse que êle viesse” (MAURER JR., 1959, p.216). A de sentido declarativo, uma completiva, era construída por quod e quia, posteriormente por quid, que acabou concorrendo com o uso de quod mais tarde, e verbo no indicativo, às vezes, no subjuntivo para exprimir dúvida, como no português “duvido que ele venha” (MAURER JR., 1959, p.217), em que a presença do subjuntivo também assinala uma possibilidade. Tal construção substitui normalmente a oração infinitiva do latim clássico.

A oração conjuncional volitiva, empregada com verbos que marcam decisão, ordem, desejo, receio, não apresentou modificações, exceto a troca de conjunções: as antigas foram substituídas por quod, depois se registra o uso de quia e quid.

A subordinação de uma oração interrogativa, no latim clássico, era marcada pelo verbo no subjuntivo. No latim vulgar, tal distinção não era feita, prevalecendo o emprego do verbo no indicativo; o subjuntivo só era utilizado se houvesse ideia de incerteza, dúvida. Outra peculiaridade é o emprego de si no lugar de ne ou num. Tanto o uso de si como do verbo no indicativo são atestados nas línguas românicas.

Resumidamente, do latim clássico ao vulgar, houve substituição da sentença infinitiva por uma completiva introduzida por partícula relativa, que passou a ser o quid, no latim vulgar. Como é possível observar pelos exemplos citados pelos autores, no latim – tanto no clássico como no vulgar6 - não havia uso de preposições na introdução de completivas sentenciais, o que significa que tal uso foi uma inovação de línguas românicas, especificamente, do espanhol e do português, línguas em que se verifica a variação entre presença e ausência de preposição na introdução de completivas sentenciais.