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Em uma perspectiva diacrônica do latim ao português, Cart et al (1986) afirmam que as preposições, em sua origem, são advérbios de sentido local mais ou menos estendido. Introduzem substantivos, pronomes e, algumas vezes, adjuntos adverbiais. Quanto ao uso, os autores afirmam que as preposições, em latim, nunca são seguidas de um infinitivo, mas de um gerúndio ou gerundivo, como em: “ad vicendum, para vencer;

Já no latim vulgar, Maurer Jr. (1959) afirma que as preposições, além dos usos em latim clássico, passam a ser utilizadas antepostas às palavras, como uma espécie de realce, o que ocorre principalmente com ad, in, per e, sobretudo, com de, que inicialmente expressava a noção de ponto inicial, mas, aos poucos, torna-se um expletivo, sem função semântica específica. Diacronicamente, portanto, o uso de preposições se estende, passando a introduzir nomes em muitas outras funções.

De acordo com Câmara Jr. (1975), com a eliminação do sistema casual latino, a marca de subordinação recaiu exclusivamente na preposição, que é responsável pelo estabelecimento da relação de subordinação entre os constituintes de uma oração.

Poggio (2002, p.100) define preposições como “partículas relacionais que exercem um papel importante na comunicação, são elementos fundamentais na estrutura linguística”. De acordo com a autora, quanto à forma, “a preposição é um lexema gramatical que constitui uma classe de palavras” (POGGIO, 2002, p.101); do ponto de vista sintagmático, é um elemento funcional ou indicador de funções, já que “estabelece as relações, marcando sua natureza sintática” (POGGIO, 2002, p.101); por tais características, ainda segundo a autora, as preposições se tornaram “elementos básicos na estrutura sintática das sentenças do português e das outras línguas românicas” (POGGIO, 2002, p.101)

Castilho (2009, p.36) estabelece que as preposições são “[...] palavras morfologicamente invariáveis, dotadas semanticamente de um sentido geral de localização, tendo por função sintática ligar palavras e sentenças e por função discursiva assinalar o tópico textual e agregar funções secundárias [...]”. O autor ainda caracteriza as preposições como operadores de predicação, que tomam por escopo a figura, ou antecedente, e o ponto de referência, ou consequente, atribuindo-lhe propriedades semânticas de visibilidade variável. A partir disso, afirma que as mais gramaticalizadas se unem ao ponto de referência para atribuir propriedades semânticas à figura e que, para isso, dependem mais da composicionalidade semântica das construções. Castilho (2009) cita como tipos de predicação exercidos pelas preposições: localização, aspectualização, temporalização, quantificação partitiva e distributiva e tematização.

Castilho (2010, p.583) destaca as funções desempenhadas por essas palavras que atuam como núcleo do sintagma preposicional:

(i) função sintática: ligação de palavras e de sentenças; (ii) função semântica: atribuição ao seu escopo de um sentido geral de localização no espaço; (iii) função discursiva: acréscimo de informações secundárias ao texto e organização do texto, no caso das construções de tópico preposicionado.

O autor ainda ressalta que, frequentemente, os gramáticos afirmam que as preposições são “vazias de sentido”, o que decorre provavelmente da dificuldade de se identificar o sentido nessa classe. No entanto, rejeita essa postura, afirmando que a dificuldade de apreensão do sentido não justifica a adoção da tese do “sentido vazio”. Ao contrário, ele assume que cada preposição tem um sentido de base, de localização temporal ou espacial.

Raposo e Xavier (2013) definem preposição como palavra invariável, geralmente monossilábica, que estabelece relação sintática e semântica entre duas expressões X e Y, como em:

“Eu fiquei contente com o seu comportamento” (RAPOSO; XAVIER, 2013, p.1497) X Y

Nesse exemplo, o termo X (“contente”), que determina a presença da preposição, é completado pelo termo Y (“o seu comportamento”).

O termo subordinante X pode ser um verbo, um nome, um adjetivo, um advérbio, ou uma oração, como em:

“O ladrão assaltou o banco com um cúmplice (RAPOSO; XAVIER, 2013, p.1497). X Y

Nesse exemplo, a oração “o ladrão assaltou o banco” é complementada pela expressão “um cúmplice”, que é introduzido pela preposição “com”.

Já o termo Y geralmente é um sintagma nominal, mas também pode ser:  uma oração finita, como em “Eles fizeram com que eu me atrasasse”; uma oração infinitiva, como em “Estou a pensar em comprar um

 um sintagma verbal no interior de uma perífrase verbal, como em “A Clara acabou de ver televisão”;

uma predicação secundária não-verbal, como em “Com a criança doente, a Maria não podia sair de casa”;

um sintagma preposicional, como “O avião voa por entre as montanhas”; um adjetivo, como “O Pedro passou de eufórico a deprimido”;

um advérbio “o furacão passou por perto/aí” (RAPOSO; XAVIER, 2013, p.1497-1498)

Semanticamente, portanto, o termo Y completa a preposição; preposição e seu complemento são chamados de sintagma preposicional.

As preposições podem ser simples, ou seja, constituídas por apenas uma palavra, e as mais frequentes são monossilábicas. As mais comuns no português europeu, de acordo com os autores, são: a, ante, após, até, com, contra, de, desde, em, entre, para,

perante, por, sem, sob, sobre. Afirmam ainda que a palavra mais frequente em

português é o de, e estão entre as 15 mais frequentes as preposições a, com, em, para e

por.

Convém ressaltar que as palavras apontadas como mais frequentes pelos autores coincidem com as preposições classificadas por Ilari et al. (2008) como mais gramaticalizadas, que são apresentadas por Castilho (2009) através de um quadro de

continuum de gramaticalização, reproduzido a seguir:

Quadro 1 - Continuum de gramaticalização das preposições

Fonte: Castilho, 2009, p.323

Menos gramaticalizadas Mais gramaticalizadas (-) (+)

GRAMATICALIZAÇÃO

Contra < sem < até < entre Sobre

sob

Por < com < a < em < de para

As preposições mais gramaticalizadas são aquelas que, além de terem uma alta frequência de uso, introduzem argumentos verbais, além de adjuntos, podem ser contraídas com artigos e pronomes - pelo, co’a, cocê, ao, àquela, no, num, nisto, do,

dum, disso, docê, pro, prum, praquilo, procê etc. - e possuem valor semântico mais

complexo (CASTILHO, 2010), ou seja, de mais difícil apreensão (ILARI et al., 2008). Raposo e Xavier (2013) ainda fazem referência à locução prepositiva, isto é, duas ou três palavras que funcionam como preposição. Essas locuções incluem, na parte final, uma preposição simples, geralmente “de” ou “a”, que servem apenas de ligação gramatical entre a parte inicial da locução e seu complemento.

Semanticamente, “a maioria das preposições tem um significado muito geral e uma plasticidade semântica que lhes permitem adaptar-se à variabilidade desses contextos” (RAPOSO; XAVIER, 2013, p.1517). Os autores ressaltam que, nos casos em que mais de uma preposição é possível, os gramáticos reconhecem que a preposição veicula significado, visto que se altera o sentido da frase ao se trocar a preposição, como em “Maria viajou na Europa” ou “Maria viajou para a Europa” (RAPOSO; XAVIER, 2013, p.1522), em que a alternância de preposições implica modificação de sentido.

Já em casos de regência fixa, isto é, quando apenas uma preposição é possível na complementação do termo regente, afirmam que a questão é saber se as preposições têm algum significado. Para isso, são aplicados os princípios da teoria da informação:

(...) quanto menos possibilidade de escolhas paradigmáticas houver, menor é a informação trazida pelo elemento escolhido na cadeia sintagmática, ou seja, na sequência linear constituída por um sintagma ou por uma frase. No caso limite, quando não há escolha e só um elemento é possível, a informação veiculada por esse elemento é nula e o elemento é redundante. A aplicação deste princípio aos exemplos de regência fixa apoia-se no seguinte raciocínio: (i) se não há escolha possível entre preposições, aquela que pode ocorrer num determinado SP não traz qualquer informação; (ii) o sentido do termo regente (por hipótese, um verbo) e do complemento da preposição são, neste caso, suficientes para determinar a interpretação do complemento preposicionado e a contribuição semântica que este traz para o predicado; (iii) logo, semanticamente, a preposição é redundante e sua única função consiste em estabelecer uma ligação gramatical entre o verbo e o complemento (RAPOSO; XAVIER, 2013, p.1522-1523).

Depois de listar os princípios da teoria da informação, os autores ressaltam que, mesmo redundantes de um ponto de vista informativo, as preposições, em contexto de

regência fixa, não perdem necessariamente a sua semanticidade, já que geralmente existe uma motivação semântica para a seleção desta e não daquela preposição. Assim, afirmam que “a regência fixa resulta do facto de o significado do verbo regente restringir o espaço semântico do complemento preposicionado, afunilando concomitantemente a escolha da preposição adequada” (RAPOSO; XAVIER, 2013, p.1524).

Os autores dedicam uma seção a restrições entre preposições e orações regidas, afirmando que os sintagmas preposicionais estão sujeitos a condições diferenciadas conforme sejam complemento de orações finitas ou infinitivas. Os autores afirmam que, quando as orações têm estatuto de complemento, a situação é mais complexa.

Nesses casos, quando ela é regida por um verbo, afirmam que são 4 preposições que admitem complementos oracionais: a, com, em e por – não classificam o de porque alegam que tem um estatuto diferente, principalmente quando introduz orações finitas. Os autores comparam as orações em que o complemento é um sintagma nominal, como em (32), com estruturas em que o complemento é oracional finito, introduzido pelo “que”, como em (33):

(32) a.O Estado-Maior anuiu {ao envio de mais tropas/a isso}. b. Contamos {com o Pedro/ isso}

c. Ele confia {em mim/nisso}

d. Ansiamos todos {por um ideal/por isso}

(33) a. O general anuiu a que o Estado-Maior enviasse mais tropas. b. Contamos com que a gramática fique pronta até ao fim do ano.

c. Ele confia em que a comida vai chegar para todos os convidados.

d. Ansiamos todos por que a inspiração não nos abandone. (RAPOSO; XAVIER, 2013, p.1525)

Os autores elencam outros verbos que pertencem a estas classes e afirmam que a omissão da preposição é possível nesses casos, em alguns até preferível, como nos casos da preposição com e em, como em (34bc); mas, segundo eles, a omissão é menos aceitável com a preposição a, como em (34a).

(34) a. ??O general anuiu que o estado-Maior enviasse mais tropas. b. Contamos que a gramática fique pronta até ao fim do ano. c. Ele confia que a comida vai chegar para todos os convidados

d. Ansiamos todos que a inspiração não nos abandone. (RAPOSO; XAVIER, 2013, p.1525)

Já com as orações infinitas, afirmam que a presença da preposição é mais aceitável, exceto o com:

(35) a. o Estado-Maior anuiu a enviar mais tropas.

b. Contamos com terminar a Gramática até ao fim do ano. c. Ele confia em fazer um bom jantar.

d. Ansiamos todos por triunfar na revolução. (RAPOSO; XAVIER, 2013, p.1526)

Nesse caso, assinalam que a preposição com pode ser substituída por em, o que não ocorre em complementos com oração finita ou com sintagma nominal. Na sequência, afirmam que a omissão da preposição, em complementos com oração infinitiva, está sujeita a algumas restrições, que, nesse contexto, a preposição que mais resiste é o a e que a omissão é impossível se o verbo regente for conjugado reflexamente, como em:

(36) a. Eles preocuparam-se muito com terminar a gramática até ao fim do ano.

b. O chefe esforçou-se por fazer um bom jantar.

c. Os jogadores empenharam-se em fazer o melhor possível.

d. O Estado-Maior opôs-se a enviar mais tropas. (RAPOSO; XAVIER, 2013, p.1527)

Nesses últimos exemplos, os autores consideram agramaticais as construções com a omissão das respectivas preposições, afirmando que, assim como um sintagma nominal não aceita diretamente um complemento, sendo necessária a presença da preposição, um verbo construído com pronome reflexivo também não aceita uma oração infinitiva diretamente, exigindo a preposição.

Com oração finita como complemento de um verbo com pronome, citam os seguintes exemplos:

(37) a. Ele conformou-se com que lhe pagassem apenas parte do salário prometido.

b. O treinador esforçou-se por que a seleção jogasse melhor. c. O chefe empenhou-se em que o jantar saísse o melhor possível. d. O Estado-Maior opôs-se a que mais tropas fossem enviadas.

(38) a. ?Ele conformou-se que lhe pagassem apenas parte do salário prometido.

b. ?O treinador esforçou-se que a seleção jogasse melhor. c. ?O chefe empenhou-se que o jantar saísse o melhor possível.

d. ??O Estado-Maior opôs-se que mais tropas fossem enviadas. (RAPOSO; XAVIER, 2013, p.1527)

Convém notar que, apesar de os autores indagarem a gramaticalidade das construções (38), pelo menos algumas delas parecem possíveis em dados do português brasileiro.

Quando a preposição é regida por um nome, as preposições possíveis se ampliam, e os autores incluem a preposição de. Eles classificam como impossível a omissão de preposições quando o regente é um nome e o complemento é uma oração infinitiva. Os exemplos são:

(39) a. {o sonho/a preocupação} {com/em/de} terminar a Gramática até ao fim do ano

b. {a ânsia/o esforço} {por/em/de} fazer o melhor possível c.{a confiança/ o empenho} {em/de} ganhar o jogo

d. {a anuência/ a oposição} a enviar mais tropas (RAPOSO; XAVIER, 2013, p.1527-1528)

Já com orações finitas, os autores afirmam que a omissão da preposição não causa “danos5” tão severos como quanto nas completivas infinitivas. Os exemplos são:

(40) a. {o sonho/a preocupação} com/de que a Gramática fique terminada até ao fim do ano

b. {a ânsia/o esforço} por/de que a Seleção jogue o melhor possível c.{a confiança/ o empenho} em/de que a comida chegue para os convidados

d. {a anuência/ a oposição} a que se enviem mais tropas

(41) a. ?{o sonho/a preocupação} que a Gramática fique terminada até ao fim do ano

b. ?{a ânsia/o esforço} que a Seleção jogue o melhor possível

c.?{a confiança/ o empenho} que a comida chegue para os convidados d. *{a anuência/ a oposição} que se enviem mais tropas (RAPOSO; XAVIER, 2013, p.1528)

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Salientamos que não compartilhamos da ideia de que a ausência de preposição cause “danos”, consideramos apenas que seja uma das possíveis formas de construção das completivas.

Novamente, convém pontuar que os exemplos em que se indaga a gramaticalidade das construções, em (41), são aceitáveis – e, muitas vezes, preferidos - no português brasileiro.

Depois dos exemplos, os autores concluem que:

Sem prejuízo da variação nos juízos de aceitabilidade que existe nesta área gramatical, salientamos desta discussão dois pontos importantes: (i) As orações finitas admitem a omissão da preposição de uma forma mais livre do que as orações infinitivas; estas, em contrapartida, apenas podem ocorrer sem preposição quando o regente é um verbo não conjugado reflexamente, e mesmo assim com restrições. A preposição a é a que resiste mais a ser omitida, mesmo quando introduz orações finitas” (RAPOSO; XAVIER, 2013, p.1528).

Em relação à semanticidade das preposições, os autores afirmam que, às vezes, a função básica, e quase exclusiva, das preposições é servir de elo gramatical entre os termos que conectam, casos que chamam de preposição gramaticalizada. Em casos de gramaticalização pura, em português, ocorre a preposição de – o que justifica a exclusão dessa preposição, pelo autores, em casos notados anteriormente com introdutores de complementos oracionais, por ser esta de estatuto diferente. Além de preposição gramaticalizada, os autores consideram preposições semigramaticalizadas, ou seja, “uma preposição pode ter uma função gramatical, mas mantém algum grau de semanticidade, geralmente associada ao aspecto ou à modalidade”, casos em que se destacam as preposições a e de (RAPOSO; XAVIER, 2013, p.1529).

A partir das definições encontradas na literatura, adota-se aqui a noção de que preposições ligam palavras e sentenças e possuem um sentido prototípico, geralmente espacial, verificados desde sua origem latina, sentido esse que pode ser abstraído para sentidos menos concretos, como o de tempo, de modo, de finalidade, de noção etc.

Nos contextos estudados no presente trabalho, geralmente a preposição é selecionada por uma questão mais de composicionalidade do que por recuperação de um sentido, pois geralmente há regência fixa, casos em que ela pode ser mais suscetível de variação, já que funciona como item gramatical. É importante pontuar que esse contexto de conexão de sentenças não favorece muito a percepção de seu sentido prototípico, já que, muitas vezes, é essa regência fixa que seleciona a preposição, fazendo com que o nexo prepositivo tenha um valor semântico de mais difícil apreensão.