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O PENSAMENTO DE BOFF NA DISCUSSÃO SOBRE ECOLOGIA

3.1 Parte 1: Científica

3.1.5 A nova centralidade: a ecologia

A nova cosmologia proposta no ponto anterior é construída tendo como base esta nova centralidade, a ecologia. Nas palavras de Boff, um pensar sempre holístico:

A ecologia holística é uma prática e um pensamento que incluem e relacionam todos os seres entre si e com o respectivo meio ambiente numa perspectiva do infinitamente pequeno das energias e partículas elementares, do infinitamente grande dos espaços cósmicos, do infinitamente complexo da vida, do infinitamente profundo coração humano e do infinitamente misterioso, anterior ao big-bang, oceano ilimitado de Energia do qual tudo promana (vácuo quântico, símbolo do Deus criador) (2004, p. 67).

Este novo pensar holístico contempla a contemporaneidade no ambiente da pós-modernidade, da interioridade, e por conseqüência, da percepção dos sentimentos e da mística. O curso do tempo testemunhou a inferência do humano na cadência rítmica do planeta. A reflexão de Boff sempre aponta para o movimento dos primórdios do big-bang até a complexidade atual, evolução constante, tendo como orientação as energias em movimento, num inter-relacionamento que deve ser levado em conta em toda e qualquer experimentação, seja filosófica, seja científica.

A evolução aponta para a capacidade do universo de se auto-organizar, implicando uma capacidade de expansão da vida em detrimento da morte. Boff pega carona no consenso de que o universo está em expansão em constantes re-ligações carregadas de direção e racionalidade, e discorre com bases em artigos científicos assinados por cientistas como Edwin Powel Hubble, Georges Lemaître, Arno Penzias, Robert Wilson, Steven Weinberg e Stephen W. Hawking. Seu objetivo é propor uma irmandade total de todas as coisas existentes no universo, animadas e inanimadas. Em suas próprias palavras, “há um tempo estávamos todos juntos sob

forma de energia e partículas originárias...”, por isso, “formamos uma grande comunidade cósmica.” (2004, p. 70). Assim a nova centralidade ganha sentido nesta reflexão no argumento de que temos o mesmo código genético, e tudo isto atestado por teorias científicas. Sob esta perspectiva a Terra ainda não está pronta, indo rumo a alcançar uma identidade constituída, e então, apta para resistir.

Este avançar acontece neste tempo e espaço, nas trocas constantes de energias, que levam a sistemas mais complexos. Boff confere a estas relações diálogos permanente que, por sua vez, geram informações do mesmo modo complexas. Ou seja, para Boff a complexidade vem do mesmo código genético, nas incontáveis transformações energéticas, cuja leitura nos leva a entender o acumulo de mais e mais informações, no qual temos a capacidade de ler esta complexidade. Seguindo esta lógica, teremos seres pensantes melhores no futuro, completamente diferentes dos que temos hoje, pois este seguir adiante, numa complexidade cada vez maior, no acumulo de informações que geram mais informações devem culminar numa situação de harmonia, uma vez que este universo auto-consciente se auto- organiza para um rumo conscientemente organizado. É uma soteriologia que se concretiza a partir da conscientização da real identidade do universo, do ser pensante, e a cada dia passa a compreender melhor seu próprio status. Em conseqüência disto, reage e retorna ao seu ponto de origem, pois o mal é exatamente o distanciamento de si mesmo.

Estas implicações surgem naturalmente nos escritos de Boff. Mais uma vez, utilizando-se das reflexões científicas, chega a afirmar que “não precisamos recorrer a um princípio transcendente externo para explicar o surgimento da vida, como fazem comumente as religiões...” (2004, p. 77). Então, Deus é um criador

transcendente, que cria um princípio cosmogênico, e a partir daí, tudo parte rumo a complexidade universal. O universo se cria, e continuamente, se diferencia na seta do tempo. A vida é fruto de uma possibilidade que aconteceu a partir da matéria e da energia.

Esta base que Boff vem construindo serve para apoiar sua inclinação:

Presume-se que as mais diversas formas de vida se originaram todas de um único vivente, Áries, 4 bilhões de anos atrás. Ele se reproduziu, se transformou, se difundiu a todos os quadrantes, se adaptando aos mais diversos ecossistemas, nas águas, nos solos, nos ares. Há cerca de 600 milhões de anos começou-se a formar uma espantosa diversificação das formas de vida, plantas, invertebrados e vertebrados, répteis e mamíferos. Com os mamíferos surge uma nova qualidade da vida, a sensibilidade emocional, na relação sexual e na relação mãe-filho, o que marcará indelevelmente a estrutura psíquica dos viventes com sistema nervoso central. Dentre os mamíferos, há cerca de 70 milhões de anos, se destacam os primatas e depois, por volta de 35 milhões de anos, os primatas superiores, nossos avós genealógicos, e há 17 milhões de anos, nossos predecessores, os hominídeos, para, por fim, há cerca de 10 milhões de anos, emergir na África o ser humano, o australopiteco (Boff, 2004, p. 79).

Nesta abordagem, Boff harmoniza sua declaração de que a Bíblia é narrativa mitológica, pois a ciência ganha autoridade neste campo e suplanta a idéia de um Deus criador e imanente no processo da criação, um Deus pessoal e presente em todos os eventos na história da humanidade. Esta visão é importante no pensamento de Boff para o seu entendimento do ser humano no contexto ecológico, cuja característica é a auto-organização, a autonomia, a adaptabilidade, a reprodução e a auto-transcendência. O homem tem uma dinâmica e por isso consome energia, dissipando forças que levam a uma desordem até o caos total, que é marca que uma nova ordem irá emergir. Como diz Boff, “o caos e generativo.” Outra faceta do entendimento de Boff com relação à origem da vida é a impossibilidade do acaso puro, ou seja, há uma ação do acaso no surgimento e

desenvolvimento de todas as coisas, porém deve-se levar em conta a presença de um grau superior interferindo neste processo.

A consciência de ecologia neste contexto científico fica evidente neste contexto:

Somos, portanto, feitos do mesmo material e fruto da mesma dinâmica cosmogênica que atravessa todo o universo. A consciência é um tipo especial de relação, relação que constitui tudo o mais no cosmos. O ser humano, pela consciência, se encaixa plenamente no sistema geral das coisas. Ele não está fora do universo em processo de ascensão. Encontra-se dentro, como parte e parcela, capaz entretanto de saber de si, dos outros, de senti-los e de amá-los (12004, p. 85).

Para Boff, o homem é parte do todo e o todo é parte do homem, o homem é tudo e tudo é o homem. Não somente a matéria, mas também sua consciência é derivada do meio, filha da grande mãe Gaia. A distinção está na função de cada elemento deste todo. É evidente que em partes de sua reflexão evidencia tratar-se de possibilidades, como no fato de propor de que tudo pode ser meramente matéria e energia, e que há um vácuo quântico de onde tudo vem e para onde tudo vai. Boff declara que “formamos um todo organicamente articulado e re-ligado, onde não existe um ser desgarrado do outro” (2004, p. 87).

Nesta nova centralidade, o ser consciente perceberá a riqueza da natureza e da cultura, e poderá, num ato de amor entendido como entrega desinteressada pelo outro, transformar todas as experiências e conhecimento, voltando as costas para a atitude de rebelião e exclusão em relação ao universo. É a proposta da fuga da tragédia em direção à realização do próprio universo pela descoberta do eu integrado que decide por admirar, venerar e capturar uma nova mensagem do mistério, que Boff chama de Deus.