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O PENSAMENTO DE BOFF NA DISCUSSÃO SOBRE ECOLOGIA

3.3 Parte 3: ecoespiritualidade

Nesta terceira parte, Boff objetiva elaborar uma espiritualidade que seja capaz de promover esta re-ligação entre o criado e o criador. Ele assevera que todo o seu escrito vem contemplado de espiritualidade, mas há uma reflexão mais particular do tema que se faz necessária.

A lógica de Boff se fundamenta na verificação de que as revoluções surgem diante da necessidade de respostas que as ideologias vigentes não possuem. Diante de tal situação, faz-se necessário abandonar as estruturas limitadas e projetar novas para que tais problemas não fiquem sem solução. De modo simples, a revolução surge quando não se encontra solução pela compreensão tradicional.

Lutero, por exemplo, não queria fundar uma nova Igreja, nem dividir o corpo eclesial. Viu, como outros já em séculos anteriores, a necessidade de reforma da instituição eclesiástica. Percebeu que a concessão de indulgências em troca de dinheiro abusava da boa-fé

dos fiéis. Sentiu a urgência de fazer alguma coisa para remediar tal sacrilégio. Seguiu-se, como fato inevitável, a reforma, cujas demandas à Igreja romano-católica, no sentido da mudança de seu estilo de poder centralizado, persistirem até os dias de hoje (BOFF, 2004, p. 253).

O novo paradigma clama: Se não houver mudança, os problemas continuam, as crises se aprofundam e a esperança se perde. Eis a base da nova espiritualidade, onde Boff aponta para a urgência de uma revolução espiritual, e por isso propõe uma teologia diferente da tradicional, de modo que se encontre uma resposta para a atual crise ecológica, que se apresenta como revolução ecológica. A espiritualidade neste sentido é uma captação da experiência global de re-ligação. Em momento algum Boff fala em abandonar o que já foi construído até aqui, mas em salto de qualidade, utilizando o que se pode para gerar algo novo e melhor.

Segundo Boff, tal tradição teológica na vislumbra o resgate da matéria, mas apenas do humano. Neste sentido urge a necessidade de se conhecer melhor a cosmologia para se conhecer melhor a glória de Deus e criar condições para que apareça a nova espiritualidade: viver a presença de Deus em tudo e de tudo em Deus. Esta idéia está em harmonia no conceito teológico do Deus panenteísta. Tal espiritualidade deve ser percebida na experiência ecológica de modo que o espiritualista descubra este Deus em cada manifestação do universo. São Francisco de Assis se torna o exemplo daquele que vivia a partir de uma nova identificação com a natureza.

A Terra está cheio de espírito, pois é portadora do espírito. Esta afirmativa de Boff nos remete à grande mãe geradora Gaia, que dá vida a tudo. Assim, o espírito da pessoa está conectado com o espírito da natureza, pois o ser humano “não é o único portador do espírito, nem pode ficar isolado do processo cosmogênico...”

(BOFF, 2004, p. 255). Assim, o espírito vivifica o universo, pois é carregado de energia e, no ser humano se torna consciente e aberto nas relações com o todo. A espiritualidade de Boff encontra base nestas reflexões, pois se trata de dignificação da vida, de sua promoção e defesa, e potencialização da comunhão universal. Eis a vida. Seu contrário, morte, é são todos os processo que levam à desestruturação deste princípio. Tal morte se materializa na opressão, injustiça, descuido, enfermidades, desumanização, destruição das paisagens e a perda do equilíbrio físico-químico dos solos e da atmosfera. Assim, esta nova espiritualidade se confronta com esta morte:

Hoje esta espiritualidade descobre as dimensões ecológicas de nossa responsabilidade pela paz, pela justiça e pela integridade de todo o criado. Optar pela vida implica em optar pelo planeta Terra como um todo orgânico, agredido e ferido (geocídio) para que possa continuar a existir no valor autônomo e relacionado de todos os seres existentes nele (BOFF, 2004, p. 257).

É o que se pode esperar numa teologia prática, que sua espiritualidade seja prática. Boff denuncia que a atual lógica submeteu o planeta a um perigoso processo de desequilíbrio e, por conta disto, toda a ecosfera está ameaçada. Daí a nova espiritualidade, o não modificar e destruir, mas o conservar. Voltamos novamente a proposta de Boff para um novo paradigma, pois para conservar o mundo, é preciso mudar o atual paradigma e propor uma conversão coletiva de mentes de modo que os parâmetros sejam cada vez menos destruidores.

A nova espiritualidade propõe um ser humano que se sinta parcela do todo maior, com o qual tem plena comunhão e por isso toma consciência da comunidade cósmica dentro da qual está inserido. Este ser humano deve cuidar do jardim que lhe foi conferido. Boff compreende que tal ser humano se desviou da consciência cósmica e por isso todo o universo paga um alto preço ecológico que se apresenta

na desestruturação dos ecossistemas e no conseqüente excesso de violência contra a natureza, sociedades e pessoas humanas. O ser humano precisa ser reintroduzido na comunidade dos viventes e a nova espiritualidade pode realiza isto devolvendo- lhe à “Terra como pátria e mátria comum” (BOFF, 2004, p. 264).

Como surge está nova espiritualidade? Boff responde, de uma nova sensibilidade que já se encontra na nova cosmologia, a qual já está se impondo de modo lento e crescente por todas as partes.

Descubra em ti as energias em ebulição, o desejo de vida e de comunicação, os impulsos para cima e para frente e a capacidade de criação. Comporta-te não como um espectador ou gestor desta energia vital, mas como um celebrante. Através de tua própria vitalidade sinta-te participante da Energia vital. Una-te ao todo. Não temas! Tua singularidade não será destruída, ao contrário, será potenciada, porque sentirás uma centelha do fogo universal que arde em ti e em todo o cosmos (BOFF, 2004, p. 267).

Assim, Boff propõe estes imperativos, próprios da descoberta da nova espiritualidade, onde o ser deve penetrar todas as coisa e permitir que todas as coisas lhe penetrem o interior. Para isto, a necessidade de um retorna a simplicidade em contraste com o sistema dominante consumista esbanjador. A ecoespiritualidade proposta por Boff clama por uma tomada de consciência para uma mudança radical nos parâmetros da vida moderna, numa decisão da busca apenas das necessidades básicas de modo a retirar apenas o suficiente da natureza para o suprimento básico.

O estilo de vida ecologicamente sustentável se baseia em relações de cooperação em todas as atividades e em todos os momentos, pois esta é uma das leis que regem o próprio universo e que garantem a cadeia das interdependências de todos os seres (BOFF, 2004, p. 268).

Esta ecoespiritualidade revela cuidado e preservação da comunidade cósmica, nas palavras de Boff, no viver na globalidade do ser, no sentimento que

freme, na inteligência que se alarga infinitamente, no coração que se inunda de comoção e ternura. Aquele que está na ecoespiritualidade, naturalmente irá colaborar com tal cuidado, perceberá que a Terra está garantida num futuro bom e se unirá ao todo no perfeito elo do amor. Neste sentido, Boff propõe o pensar como Terra, sentir como Terra e amar como Terra.

CAPÍTULO 4

A CRISE DO MEIO AMBIENTE E A TEOLOGIA DE LEONARDO BOFF: UMA