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A ocupação de terras é uma marca característica do MST na luta pela terra presente desde suas primeiras ações. A ocupação cria um fato político e vem se mostrando uma forma de pressão característica na luta pelo acesso à terra no Brasil, em nossos dias.

Para Medeiros (2007), a ocupação no Brasil, principalmente nas últimas décadas, tornou-se a forma por excelência da luta pela terra, expressando a continuidade da questão fundiária no país e a consolidação em nível nacional, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra: “Ao longo das últimas décadas, constitui-se quase um consenso entre os pesquisadores da questão agrária brasileira de que ocupações e acampamentos têm sido o principal impulsionador da realização de desapropriações e assentamentos” (Medeiros, p.580).

Além da ocupação de terras improdutivas e/ou que possam vir a ser desapropriadas, o MST utiliza a ocupação de rodovias, prédios públicos, entre outros, também como forma de pressão, visibilidade e mobilização.

A ocupação de terra é uma criação histórica. É um acontecimento resultado de um conjunto de causas, que contém a necessidade, o interesse e a resistência dos camponeses. É portanto um fato criado pelas pessoas e suas causas. E a principal causa é a defesa da vida (FERNANDES, 2000, p. 56).

Fernandes (2000) classifica as ocupações de terra da seguinte forma: 1) Quanto à propriedade da terra: a) públicas, b)capitalistas, c) de organizações não-governamentais. 2) Quanto à organização das famílias: a) movimentos isolados, b) movimentos territorializados. Os primeiros têm sua base social determinada pela ação do movimento (em um município pequeno ou num pequeno conjunto de municípios) e nascem em diferentes pontos do espaço geográfico, em lutas de resistência. Já os movimentos territorializados ou socioterritorial atuam em diferentes locais e ao mesmo tempo. 3) Quanto ao tipo de experiências que constroem: a) espontâneas e isoladas, b) organizadas e isoladas, c) organizadas e especializadas. As primeiras são geralmente intervenções de pequenos grupos, voltadas à sobrevivência, sem existir uma preparação anterior a ocupação. As demais são realizadas por meio dos movimentos sociais isolados, onde as famílias formam o movimento antes de ocuparem a terra e, após sua conquista, acabam ou tornam-se movimentos territorializados. Por fim, a última classificação:

São experiências de luta resultantes de experiências trazidas de outros lugares. Estão contidas em um projeto político mais amplo e podem fazer parte de uma agenda de lutas. O significado de especialização tem como referência a participação de trabalhadores, que já viveram a experiência da ocupação de diversos lugares e regiões, e como militantes espacializam essas experiências, trabalhando com a organização de novas ocupações, territorializando a luta e o movimento na conquista de novas frações de território – o assentamento – a terra de trabalho (FERNANDES,2000, p. 278).

As ocupações do MST, de uma forma geral, caracterizam-se pela classificação quanto ao tipo de experiências que constroem organizadas e especializadas. Nesse processo geram uma mobilização social e vários setores sensibilizam-se com a luta dos trabalhadores. Elas também dependem da conjuntura, sendo que o contexto e as relações sociais são estudadas para posterior tomada de decisão por parte do Movimento a respeito de quais terras podem ser ocupadas, em determinado momento. O que temos observado é que o MST, além das terras improdutivas, opta, estrategicamente, em ocupar outras terras que estão com problemas judiciais, grandes latifúndios e também áreas de propriedades de empresas transnacionais.

Além do estudo da conjuntura e da escolha da terra, o ato de ocupar demanda também a organização dos sujeitos envolvidos. Geralmente faz-se um trabalho de base, ou seja, de conscientização em regiões empobrecidas do campo e da cidade. Desse trabalho resulta a mobilização e a organização de famílias para uma ocupação. O Setor de Frente de Massa é quem organiza esse momento.

Sobre a condição das pessoas que escolhem engrossar as fileiras do MST, uma acampada relata que são “aquelas que quase não vêem mais uma luz no fim do túnel, vem buscar alguma coisa para sobreviver” (informação verbal) 30. Porém, nem todas as pessoas que se encontram na miséria ou com muita dificuldade de sobreviver se dispõem a participar de uma ocupação, acampamento, enfim, da organicidade do MST ou de outro movimento social. Assim, parece-nos que uma complexidade de elementos objetivos e subjetivos compõe essa tomada de decisão. Desta forma, concordamos com Abramovay (1985, p.56), que diz: “o acampamento não é apenas o produto da revolta e do desespero. Ao contrário, a decisão de acampar supõe grande maturidade política, organização, coesão, disciplina e sobretudo fé e esperança”.

Os acampamentos vinculados ao MST são, em sua maioria, frutos de uma organização prévia, que emerge logo após uma ocupação. Caracterizam-se por barracas de lonas pretas que servem de moradia para as famílias acampadas e também pela presença de símbolos do MST, em especial as bandeiras do Movimento, que demarcam a terra ocupada.

Como observamos no acampamento Chico Mendes, as estruturas e condições de um acampamento são precárias, os barracos de lona estão suscetíveis à entrada de animais, à chuvas e ventos fortes, o que obriga sua constante reconstrução. Há ausência de rede de saneamento básico e de água, o que inclui nas atividades diárias dos acampados o carregamento de água de torneiras coletivas espalhadas pelo espaço do acampamento até os barracos. A exposição a essas condições torna os acampados mais propensos a algumas doenças, tais como as verminoses.

O tempo de espera para liberação da área para o assentamento das famílias varia conforme o acampamento. No caso estudado, o acampamento possui mais de três anos. Infelizmente essa situação é comum a muitos acampamentos, fato que requer dos acampados um alto grau de identidade com a luta para permanecerem. “Se você não tiver consciência, você não fica no acampamento. Está demorando muito para sair os assentamentos” (informação verbal31).

O acampamento é um espaço privilegiado para construção de novas relações sociais que podem vir a desafiar e questionar a lógica do capital, como nos mostra Grade (1999):

O Movimento, enquanto acampamento, parece engendrar homens que refletem outras relações sociais, a partir de uma base produtiva diferenciada, possibilitada pela solidariedade. Nesse espaço o Movimento se materializa. Entretanto na passagem para o assentamento essa possibilidade parece diluir- se (GRADE, 1999, p.20).

A autora centra suas análises na base produtiva que os acampamentos e assentamentos possibilitam construir, demonstrando que as positividades presentes em questionar a base material nos acampamentos são maiores, uma vez que nos assentamentos existe uma acomodação grande e um retorno a relações hegemônicas de produção da vida. Nos acampamentos a produção de alimentos destina-se prioritariamente para o consumo dos acampados e a organização do trabalho não é regida e determinada tão somente pelo lucro, mas também pela solidariedade entre as pessoas.

Nos acampamentos as pessoas dividem as mesmas dificuldades e o mesmo sonho de conquistar a terra e, para sustentar a vida, os acampados precisam responder aos desafios diários de forma imediata e coletiva. Essas condições colocam a solidariedade e o companheirismo como necessidade para a manutenção da vida nessas condições.

A proximidade dos barracos e a organicidade dos acampamentos possibilitam uma agilidade de ação frente a uma demanda imediata. Presenciamos a solidariedade e a

contribuição prestada pelos moradores do acampamento Chico Mendes frente a um confronto violento, o qual resultou em mortes na área da empresa Syngenta, reocupada pelo Movimento.

Logo depois que a notícia desse fato chega ao acampamento percebo que as pessoas acampadas, apesar do medo pela situação, mostram-se solidárias e identificam-se com a luta empreendida na Syngenta, defendem os trabalhadores sem-terra mesmo sem saber ao certo o que de fato havia acontecido na área. Poucas horas depois do confronto, sai um ônibus do acampamento em direção a Syngenta, com acampados que vão contribuir, massificar e garantir a continuidade dessa ocupação, como também a segurança das famílias que por lá estão (Diário de Campo, outubro 2007).

Consideramos os acampamentos como espaços potenciais para a construção de novas experiências no trabalho, na política, na organização da vida, na educação, entre outros. Vivências de organização política nesse momento de luta são freqüentes, como por exemplo, as reuniões entre os acampados, as assembléias e outros instrumentos compõem o cotidiano dessas pessoas, podendo elas, desta forma, participar, decidir e construir o rumo do acampamento e, conseqüentemente, de suas vidas.

A mobilidade e a dinamicidade dos acampamentos são também positividades, porém o aspecto da provisoriedade vem se perdendo no interior dos acampamentos, tanto no que se refere à estrutura física, quanto: na produção, na escola, refletindo na postura de acomodação dos acampados32. Assim antecipam-se relações comuns a assentamentos sem uma vinculação mais orgânica com o MST, principalmente em alguns acampamentos onde os lotes já estão divididos por família. Nesses priorizam-se relações individuais, diminui ou se tornam ausentes espaços de discussão e participação coletiva, abortando-se a positividade e a possibilidade de construir novas relações no interior dos acampamentos. A morosidade em assentar as famílias acampadas certamente é um fator que contribui para se estabelecer relações mais fixas e permanentes nos acampamentos.

Caldart (2004) indica como diferentes vivências no cotidiano das ações do MST podem ser consideradas significativas do ponto de vista do processo de formação dos trabalhadores Sem Terra. A ocupação e o acampamento são algumas dessas vivências que explicitam o caráter educativo do Movimento.

Pessoas que eram acostumadas a obedecer e a não questionar, agora coordenam reuniões, emitem opiniões, ouvem a opinião dos outros, ajudam a formular propostas para a vida no acampamento, trabalham de forma coletiva, assumem tarefas no interior do Movimento, negociam com as autoridades, entre outras. Aprendem a construir barracos e os que não

tinham experiências anteriores com a terra aprendem com os outros a plantar; afinal, trocam experiências no trabalho, na vida. Como nos relata uma acampada: “Aqui no acampamento aprendi a ser mais humana, aprendi que a gente não é só a gente, que meus sonhos são pequenos perto dos sonhos coletivos” (Entrevista assentada)33.

Enfim, certamente a ocupação e o acampamento trazem diversas aprendizagens que muitas vezes entram em confronto com valores anteriores, alterando a visão de mundo e a consciência destes trabalhadores.

Se tomarmos a classificação de Fernandes (2000) a respeito do tipo de ocupações possíveis, podemos dizer que o acampamento Chico Mendes, particularmente, é o resultado de uma ocupação em terra capitalista, de um movimento territorializado e de uma experiência organizada e especializada, pois está articulada a um projeto político mais amplo de uma organização de caráter nacional e que possui referências de outras lutas e conquistas. É sobre a história e a constituição do Acampamento Chico Mendes que trataremos no próximo item.