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A Escola Itinerante Sementes do Amanhã no Acampamento Chico Mendes – Paraná

Atualmente, a estrutura da Escola Itinerante Sementes do Amanhã compreende oito salas, construídas não mais de lona como era em seu início, mas com paredes de madeirite e cobertura em eternit53. O piso das salas é de chão batido, sendo que uma delas é destinada aos educadores. Além das salas, há outros espaços que compõem a escola: uma secretaria, uma biblioteca, um refeitório. Além de uma casa de madeira destinada a Ciranda Infantil.

Existiam, em maio de 2007, aproximadamente 140 educandos distribuídos em nove turmas, da Educação Infantil aos primeiros anos do Ensino Fundamental. São duas turmas de Educação Infantil, duas turmas do 1° ano do 1° ciclo, duas turmas do 2° ano do 1° ciclo, duas turmas 1° ano do 2° ciclo e uma turma do 2° ano do 2° ciclo. As crianças que estudam pela manhã estão nas turmas do 2° ciclo (1° e 2° ano) e no 2° ano do 1° ciclo. As demais turmas, Educação Infantil e 1° ano do 1° ciclo, freqüentam a escola durante a tarde. Existem também, na escola, duas turmas de EJA (Educação de Jovens e Adultos), as quais compreendem cerca de quinze alunos e duas educadoras. As aulas desta modalidade de ensino ocorrem todos os dias da semana no período noturno. A ciranda infantil54 também está organizada no acampamento. Em novembro do mesmo ano o número de crianças na escola diminui consideravelmente, pois durante o ano letivo foram realizadas 51 transferências, questão essa atrelada a rotatividade e a diminuição das famílias neste acampamento, que tratamos anteriormente.

Materializam-se nesta escola a organização dos Tempos Educativos presentes na proposta de educação do MST e que têm como intuito:

Reforçar um princípio importante de nossa pedagogia: escola não é só lugar de estudo, e menos ainda onde se vai apenas para ter aulas, por melhor que elas sejam, devam ser. A escola é lugar de formação humana, e por isso as várias dimensões da vida devem ter lugar nela, sendo trabalhadas pedagogicamente (MST, 2005, p 215).

Desta forma, cada escola possui autonomia em relação aos tempos educativos que adota e da forma que se estrutura em sua dinâmica. Os tempos educativos existentes na Escola

53 Essa estrutura é característica das Escolas Itinerantes do Paraná e segundo informações do Setor de Educação

do MST no Paraná, esses materiais são utilizados para a construção destas escolas porque suas construções não podem ser permanentes, para facilitar seus deslocamentos, quando necessário.

54 Refere-se à proposta do MST no trato pedagógico com as crianças de 0 a 6 anos. No acampamento em

Itinerante Sementes do Amanhã são: Tempo Formatura, Tempo Aula, Tempo Leitura, Tempo recreio, Tempo Oficina e Tempo Trabalho55.

1.6.1 Os educadores da Escola Itinerante

Os educadores da Escola Itinerante Sementes do Amanhã, no ano de 2007, compreendem 23 pessoas, todas residentes no acampamento Chico Mendes, com exceção da coordenadora pedagógica da escola, que reside num assentamento da região. Doze desses educadores são responsáveis pelas turmas de Educação Infantil e as primeiras séries do Ensino Fundamental, uma pessoa é responsável pela secretaria da escola, outra pela biblioteca e mais uma pela coordenação pedagógica, duas educadoras trabalham com as turmas de EJA (alfabetização), duas pessoas são responsáveis pela cozinha e outras duas desenvolvem suas atividades na Ciranda Infantil.

Dezoito destes educadores responderam nosso questionário56, dez são mulheres e oito homens. No geral são jovens com média de idade aproximadamente de vinte e dois anos. Os educadores, em sua maioria, não tiveram nenhuma experiência docente anterior ao acampamento, exceto quatro educadores, sendo que três deles trabalharam na modalidade EJA, em outro acampamento.

Destes, 11 são contratados pela Secretaria de Estado da Educação do Estado, via convênio, desta com a ACAP (Associação de Cooperação Agrícola e Reforma Agrária) entidade jurídica que representa o MST no Estado do Paraná que possibilita o pagamento da ajuda de custo para os educadores, questões estas que debatemos no capítulo três, no ponto sobre a relação da Escola Itinerante com o Estado.

Em relação à escolaridade três estão cursando o Ensino Fundamental, outros três cursam o Ensino Médio, em modalidade EJA. Os doze restantes possuem o Ensino Médio concluído, e destes, atualmente seis estão cursando Magistério no Instituto de Educação Josué de Castro (que tem como mantenedora o ITERRA), gestado pelo MST. A coordenadora pedagógica desta escola é formada nesse mesmo curso.

Sobre as vivências escolares que tiveram enquanto alunos das séries iniciais do Ensino Fundamental, as lembranças são distintas. Alguns identificam esse período positivamente

55 Sobre tempos educativos ver: Como fazemos a escola de educação fundamental. In: MST Dossiê MST -

Escola. Documentos e estudos 1990- 2001. 2 ed. Expressão Popular, São Paulo, 2005.

56 Não constam os dados dos educadores responsáveis pela Ciranda Infantil e pela Cozinha e de uma educadora

enfatizando seu relacionamento com os amigos e as brincadeiras que realizavam. Outros relembram negativamente por conta dos castigos que recebiam, pelo distanciamento entre professores e alunos, pelos conteúdos se mostrarem distantes da realidade em que viviam. Em sua maioria, a escola ficava longe do local onde moravam, relatando que precisavam caminhar longos percursos para poderem estudar. Em sua escolarização de Ensino Fundamental, dois educadores contam que cursaram numa escola de assentamentos do MST, pois moravam nesses espaços com suas famílias. Entretanto essas duas experiências foram de poucos anos.

Em relação ao tempo em que trabalham na escola, quatro educadores estão desde o início da construção da escola, e sete iniciaram o trabalho na escola no início deste ano letivo57.

No geral, observamos que a docência tem sido um espaço importante para a participação da juventude no MST. Estes sujeitos têm enfrentado o limite da falta de experiência, porém que pode carregar consigo a vontade de fazer algo inédito, fora dos padrões estabelecidos. Sobre seus sonhos e expectativas, os educadores dizem que gostariam de continuar na escola e no MST, assim como desejam ter oportunidades para avançarem nos estudos.

A escolha dos educadores das Escolas Itinerantes ocorre a partir de critérios estabelecidos do Setor de Educação do MST, que são: ser do próprio acampamento, participar MST e/ou ter vínculo com a luta dos trabalhadores; ter de preferência concluído o Ensino Médio, ter disponibilidade para continuar seus estudos. A escolha referendada nesses critérios fica a cargo da direção do acampamento.

A gente leva a discussão para as brigadas para a coordenação, para a direção e eles fazem uma avaliação a partir de critérios de postura, de responsabilidade, de pertença ao movimento, de estudo e de escolaridade, a direção avalia e depois disso vem para a escola para cumprir a função social de educar o sujeito no processo (Entrevista, Educadora).

A formação destes educadores ocorre também nos estudos realizados nos acampamentos pelo coletivo dos educadores, nas atividades do MST e nos cursos de formação continuada promovidos pela Secretaria de Educação em parceria com o Setor de

57 Na monografia de especialização da autora (Bahniuk, 2006), foram levantados dados do conjunto dos

educadores das diferentes Escolas Itinerantes do Paraná. Nestes estão expressos também as características dos educadores serem em sua maioria jovens, sem experiências anteriores na docência, com pouco tempo de magistério e de não possuírem formação de nível superior – características estas, encontradas nos educadores da Escola Itinerante Sementes do Amanhã.

Educação do MST do Paraná. Geralmente são realizadas duas edições durante o ano e se estruturam, principalmente, a partir de três grandes eixos: Análise das relações e mediações entre escola e sociedade (movimento, acampamento); Como fazer a escola que queremos (Organização do Trabalho Pedagógico, Princípios da Educação do Movimento, Teorias da Educação, Metodologias de Ensino, entre outros); Conhecimento das áreas do conhecimento (Oficinas teórico-práticas das diversas áreas do conhecimento: Português, Matemática, Ciências, História, Artes, Educação Física)58. No capítulo três desse trabalho, quando tratamos da participação dos acampados na escola discutiremos mais sobre os educadores desta escola, problematizando as positividades e os limites encontrados ao se constituírem educadores.

1.6.2 A infância no Acampamento

O MST é um movimento em que toda a família participa. Assim, nas ocupações, acampamentos e marchas, as crianças também se fazem presentes. No acampamento Chico Mendes não é diferente, elas participam dos diferentes momentos da vida em acampamento, nas reuniões, na escola, andando entre os barracos, brincando, correndo... Certamente as vivências da infância das crianças acampadas diferem-se da vida das crianças que vivem em apartamentos e condomínios de luxo das grandes cidades, como também se distanciam e se aproximam da infância imersa nas populações empobrecidas espalhadas pelo mundo. Enfim, as crianças do acampamento refletem as especificidades vividas pelas crianças que estão inseridas num movimento de luta, uma infância que mistura o revolucionário e o lúdico59.

O espaço da infância no MST não é um lugar somente para “liberar” pais e mães para o trabalho ou para ações de militância. É certamente um local de cuidado e, mais do que isso, significa o reconhecimento de que a luta empreendida pelo Movimento faz-se com diferentes sujeitos e que cada um participa do Movimento a partir da suas especificidades, na garantia de ter preservada e reconhecida sua temporalidade.

Observamos que as crianças, apesar das dificuldades da vida nos acampamentos, gostam do local onde vivem principalmente porque nele sentem-se mais livres e podem conviver mais tempo com seus amigos, pois estão juntos durante grande parte do dia. “Aqui

58 Em outro momento, analisamos esses cursos identificamos duas dificuldades principais: a alta rotatividade

entre os educadores e a ausência de uma continuidade sistemática entre estes (BAHNIUK, 2006).

59 Sobre crianças no MST ver: ARENHART, Deise. Infância, Educação e MST: quando as crianças ocupam a

eu acho melhor porque em Curitiba eu ficava o dia inteiro sozinho em casa, vendo televisão e jogando vídeo-game, enquanto minha mãe trabalhava, aqui eu posso sair de casa e ficar brincando com meus amigos”(informação verbal60).

Um elemento diferencial da infância no MST refere-se à organização e à autonomia, pois desde cedo eles são incentivados a participar, a emitir opiniões, e a organizarem-se.

Nesse sentido, conversamos também com as crianças61 sobre a Escola Itinerante, sendo que as diferenças identificadas por elas são que nesta escola elas lavam os pratos utilizados no lanche, estudam o MST, são avaliadas de forma diferente (“aqui eles entregam parecer e lá fora é boletim”), estudam também com educadores homens (nas escolas anteriores só tinham estudado com professoras mulheres), evidenciam a diferença do material utilizado para a construção das salas, há menor quantidade de alunos nas salas, etc. Em relação ao ensino, as crianças dizem que “os educadores aqui ensinam para a criança ser boa, os professores ensinam pra ganhar dinheiro”. Questionados sobre se preferem a escola de antigamente ou a Escola Itinerante, a maioria diz que prefere a Itinerante, porque “Aqui todo mundo é igual, não tem discriminação, não tem violência”. Porém, uma criança expressou uma opinião distinta: “As duas são boas, mas eu prefiro estudar na escola da cidade porque lá eu tenho mais conhecimento”.

O que percebemos é que as crianças sentem-se bem na escola, gostam dela, podem emitir opiniões, exercitando entre elas valores como a solidariedade e o companheirismo.