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2.2 As mediações necessárias para a transcendência positiva da auto-alienação do trabalho

2.2.2 Emancipação Humana: para além da emancipação política

Para iniciar o debate a respeito da emancipação política, precisamos primeiramente discutir o lócus dessa emancipação: o Estado Moderno, forma de Estado característica da sociedade capitalista.

O Estado, de forma geral, aparenta ser o representante da sociedade e de seus interesses, um órgão mediador entre grupos e classes e, portanto, indiferente. Porém, esta imparcialidade é puro idealismo numa sociedade de classes, pois o poder político não se sustenta separado das relações sociais de produção da vida, em determinada forma social. Desta maneira, a classe que detêm a hegemonia destas relações possui também a direção do poder político.

O Estado atual é, antes de tudo, uma organização da classe capitalista dominante. Se ele se impõe a si mesmo, no interesse do desenvolvimento social, funções de interesse geral, é unicamente porque e somente na medida em que esses interesses e o desenvolvimento social coincidem, de uma maneira geral, com os interesses de classe dominante (LUXEMBURGO, 2003, p.51).

Rosa Luxemburgo foi uma das protagonistas do debate sobre os limites da luta política, no interior do Partido Social Democrata Alemão (fim do século XIX e início do século XX). Sua obra Reforma e Revolução?91 é expressão, no plano teórico, desse enfrentamento. Nela, a autora combateu de forma veemente as formulações teóricas de Bernstein, sintetizador da teoria revisionista na época, que defendia que a chegada ao socialismo ocorreria através de reformas graduais no capitalismo, descartando assim, a necessidade de uma revolução. Luxemburgo demonstrou a partir de suas análises que esta concepção significa um abandono do núcleo central da perspectiva socialista, diferenciando assim, o revisionismo de Bernestein e a perspectiva socialista radical.

A diferença entre as duas concepções: segundo a concepção comum consiste a importância socialista da luta sindical e política em preparar o proletariado, isto é, o fator subjetivo da transformação socialista, para a realização desta, ao passo que, segundo Bernstein, a importância está em dever a luta sindical e política reduzir por etapas a própria exploração capitalista, arrancar cada vez mais à sociedade capitalista o seu caráter capitalista, dando-lhe um caráter socialista; em suma realizar objetivamente a transformação socialista. Ao examinar mais de perto a questão, percebe-se que são diametralmente opostas estas duas concepções. Segundo a concepção comum do Partido, pela

91 Segundo COGGIOLA (1998) este debate sobre reformismo ou revolução já se fazia presente no movimento

cartista (fim do século XVIII e primeira metade do século XIX), um dos primeiros movimentos de trabalhadores organizados que foi decisivo para o surgimento do comunismo operário.

experiência da luta sindical e política, o proletariado chega à convicção da impossibilidade de transformar radicalmente a situação por meio desta luta, e da inevitabilidade da conquista do poder. A teoria de Bernstein, ao contrário, parte da impossibilidade da conquista do poder para afirmar a necessidade da introdução do regime socialista unicamente por meio da luta sindical e política (2003, p.59, grifos no original).

Infelizmente a história nos mostra que a perspectiva de Bernstein teve êxito no Partido Social-Democrata Alemão e acabou por influenciar todo o movimento comunista da época. Anos mais tarde, esta teoria colaborou de certa forma para sustentar o centralismo burocrático do Estado Soviético.

A trajetória da social-democracia, na sua posição de acomodação ao sistema excludente, coercitivo e alienante do capital, conduziu ampla fração do movimento operário a envidar futilmente energias vitais a um processo inócuo de tentativa domesticação do capital. Com isso contribuiu “perversamente” para que a esquerda mundial visse na centralidade e na orientação das lutas para o parlamento o único veio possível para trilhar no sentido da transformação social (TONET & NASCIMENTO, 2007, p. 16).

A saída centrada na política no campo da esquerda foi instituindo-se a partir do movimento do partido alemão, no fim do século XIX início do XX, e na experiência do Estado soviético, no qual o Estado (dirigido pela classe trabalhadora) assume papel central tanto no planejamento burocrático da economia, como na repressão de dissidentes ao partido que dirigia o poder. Assim, em vez da tomada do poder político pelos trabalhadores desencadear um processo de fenecimento do Estado, o fortaleceu. A essa experiência do “socialismo real”92, resultaram inúmeras críticas, não só a esta perspectiva de apropriação inócua do socialismo e das idéias de Marx, como também da teoria do próprio Marx, as quais foram vinculadas diretamente ao “socialismo real”.

Fruto dessas críticas é a concepção do eurocomunismo e da via democrática para o socialismo, constituído a partir das décadas de 1960 e 1970, a qual se alicerça na afirmação de que a consolidação e a instauração do socialismo têm como via única o alargamento da democracia, situando a perspectiva socialista apenas no terreno da política93.

92 Porém pontuar essas críticas não nos autoriza a desconsiderar o legado que experiência representa para a

humanidade.

93 Convém registrar que atualmente a concepção da via democrática para o socialismo incide nas propostas

educacionais no campo da “esquerda democrática”. Para esta a educação e a escola tornam-se lócus privilegiado para o desenvolvimento da democracia, assumindo, desta forma, a cidadania como eixo dessas propostas. Esta discussão encontra-se em Tonet (2005), em especial no capítulo II intitulado: “A crítica da cidadania”.

Vemos, então, que por caminhos diferentes daqueles trilhados pelas revoluções do típico soviético, a via democrática (que incluía o socialismo democrático) também colocava (e ainda coloca) como objetivo fundamental a tomada do poder do Estado, não para destruir o poder burguês e preparar as classes para a extinção do próprio Estado, mas para, por intermédio deste, realizar as transformações sociais em direção ao socialismo. A diferença entre estas duas vias estava em que na “via soviética” o Estado ainda era concebido como tendo um caráter de classe, ao passo que na “via democrática” ele seria apenas uma “arena de lutas”, um “campo” a ser disputado pelas classes sociais. Deste modo, tanto poderia ser controlado e posto a serviço dos interesses da burguesia como da classe trabalhadora (TONET & NASCIMENTO, 2007, p. 28).

A síntese citada acima nos indica que as duas perspectivas: a da “via soviética” e o da “via democrática” interpretaram Marx de forma equivocada. Marx, desde seus primeiros escritos, advertia que a emancipação política não podia ser confundida com a emancipação humana94, situando a centralidade da revolução social para além da revolução política.

O estado não pode eliminar a contradição entre a função e a boa vontade da administração, de um lado, e os seus meios e possibilidades, de outro, sem eliminar a si mesmo, uma vez que repousa sobre essa contradição. Ele repousa sobre a contradição entre vida privada e pública, sobre a contradição entre os interesses gerais e os interesses particulares (MARX, 1995, p.8).

Em Marx (1995) está explícita a insuficiência da emancipação política para a emancipação humana. Para se alcançar a emancipação humana, o autor propunha uma “revolução política com alma social”, compreendendo esta revolução em dois momentos articulados: momento político (quebra do Estado burguês), o qual ainda mantém a reprodução do capital; e o momento “social” propriamente dito: superação do capital concomitantemente à instauração de uma nova forma de trabalho, baseada na associação livre dos produtores associados.

Em síntese, a perspectiva marxiana afirma a dimensão negativa da política95 e seus limites para a efetivação da emancipação humana, pois a exploração e o alcance do capital encontram-se muito além dessa esfera, e somente uma visão da totalidade dos processos sociais é capaz de garantir a transcendência positiva da auto-alienação do trabalho.

Devido à inseparabilidade das três dimensões do sistema do capital plenamente articulado – capital, trabalho e Estado –, é inconcebível emancipar

94 FREDERICO, Celso. (1995) estuda a questão da emancipação política e da emancipação humana nas obras de

Marx, datadas do período entre o final de 1843 e início de 1844.

95 Mészáros (2006 a), no capítulo 13 “Como poderia o Estado fenecer”, de forma específica, no item: “ Os

o trabalho sem simultaneamente superar o capital e o Estado. Pois, paradoxalmente, o pilar material de suporte do capital não é o Estado, mas o trabalho em sua contínua dependência estrutural do capital (MÉSZÁROS, 2006a, p.600).

Convém registrar que para a perspectiva socialista radical, o fato de não ter seu objetivo final na esfera política, não significa necessariamente o abandono por completo das lutas imediatas, no âmbito do parlamento, do Estado e da política em geral. Essas lutas são importantes principalmente no que tange à melhoria da situação imediata da classe trabalhadora, mas seus limites não podem ser camuflados, nem transmutados com a forma de concretizar o socialismo, através da democratização progressiva do Estado.

Sob o capitalismo, o Estado sofreu alterações, em especial nas últimas décadas do século XX, em que se adequou ao projeto neoliberal, para o qual o Estado é considerado mínimo, pois assume como característica a diminuição de gastos nas áreas sociais, na reprodução do trabalho, no entanto, mantém seu vínculo orgânico de sustentação a sociedade do capital.

Facilitar o principal processo econômico empreendido pela classe capitalista dominante. A “reestruturação” do trabalho tem sido promovida pelas políticas de Estado que enfraquecem os sindicatos de trabalhadores. O movimento do capital tem sido subsidiado pela política fiscal do Estado: concentração de capital pela “desregulamentação”; “transferência” dos prejuízos privados por intermédio da intervenção estatal através do tesouro público (PETRAS, 1998, p.249).